quarta-feira, 13 de junho de 2018

"Os russos não dão bandeira", por Fernando Gabeira

A Rússia vai se concentrar no verdadeiro problema de segurança, que é o terrorismo

De repente, chegou por aqui uma notícia: quatro brasileiros foram presos por exibir uma bandeira do país na rua. Era fake news.

Talvez tenha nascido da cartilha da Embaixada do Brasil que aconselhava a não ostentar bandeiras nem carícias entre gente do mesmo sexo nas ruas da Rússia.

A Embaixada não fez mais do que seu dever. Informar as leis do país para defender os brasileiros que o visitam. Num país onde, por exemplo, as mulheres têm de usar véu, a obrigação consular é avisá-las. No entanto, apesar das precauções, é evidente que essa história da bandeira é uma regra que não pega na Copa do Mundo.

Saí pelas ruas e documentei, no domingo, como as imediações do Kremlin estavam cheias de gente com bandeira. Todos sul-americanos, e um russo.

Ouvi gente que vive aqui. Um diplomata contou que um dia usou uma bandeira no estádio e muita gente se aproximou, pedindo-a de presente. Já um jornalista que mora aqui alguns anos teve uma experiência diferente. Enrolado na do Brasil, atraiu a hostilidade de alguns transeuntes porque pensavam que era de algum movimento separatista.

Durante o conflito com a Ucrânia, muito possivelmente as pessoas que andassem com a bandeira do país nas ruas de Moscou seriam hostilizadas. Os russos têm uma palavra para isso. Soa mais ou menos assim: “provocacia”. Quer dizer provocação.

É improvável que o governo russo reprima latino-americanos cantando nas ruas com a bandeira de seu país. Num só trecho ao lado do Kremlin, encontrei bandeiras da Colômbia, México e Peru. O interessante é que apareceu um torcedor russo com a bandeira de seu país e se juntou ao alegre grupo mexicano que cantavam “Cielito Lindo”, origem provável do nosso “Está chegando a hora”.

Talvez a mesma tolerância exista para a bandeira do arco-íris, caso apareça nas ruas. Eu não a vi. O problema é que os russos sabem que o mundo está de olho na Copa e, com décadas de experiência de “provocacia”, vão se concentrar no verdadeiro problema de segurança, que é o terrorismo.

Além do terror, outro problema central são os hooligans, nome, por sinal, de origem russa.

Eles estão sendo monitorados no país, e nove agentes especiais britânicos vieram para acompanhar os ingleses.

Ao que tudo indica, podem ser neutralizados nesta Copa. Numa entrevista concedida a um youtuber, um hooligan russo afirmou que a polícia estava vigiando de perto, e que a chance de haver conflito na Copa era menor. Isto porque já houve um grande confronto em Marseille, em 2016, entre os hooligans russos e ingleses:

— Estamos satisfeitos com aquilo. Foi o grande momento na nossa história. Daqui para diante, um outro confronto seria uma espécie de anticlímax.

O confronto de Marseille foi considerado o mais grave da história. Mais aguerridos e organizados, os russos deixaram muitos feridos no lado inglês. A polícia francesa, pega um pouco de surpresa, perdeu o controle da situação.

Embora não seja um especialista nesse região do mundo, a análise politica mais elementar indica que os russos farão tudo para que a Copa dê certo e a tendência é a de poucos incidentes.

Isso não significa um estímulo a sair com as bandeiras pelas ruas porque, como dizia Afonso Arinos, não se deve confiar apenas na cúpula: o problema está quase sempre no guarda da esquina.




O Globo