Corte de Romário em 98, contusão de Zico (86) e oba-oba da torcida (2006 e 2014) foram alguns dos problemas mais graves
Se vamos para a Copa do Mundo de 2018 com nosso craque, Neymar, voltando de uma contusão, em vários outros anos também tivemos situações dramáticas que assombraram os torcedores dias antes do Mundiais. Em 1986, a situação era parecida com a de hoje: Zico, o melhor do time, era a preocupação da vez.
Na edição de 28 de maio de 1986, a reportagem com o título “Decolagem incerta” trazia os problemaços que alarmavam a comissão técnica dirigida por Telê Santana em seu segundo Mundial consecutivo. “A seleção brasileira perde Cerezo e Dirceu, fica com Zico mas não consegue despertar a esperança de sucesso na Copa do México.”
O texto era de um pessimismo que deve ter deixado muitos leitores desesperados. “A improvisação dos dirigentes, o azar dos jogadores e os desencontros da comissão técnica parecem ter esgotado suas possibilidades. Aos torcedores apaixonados ou supersticiosos, fica a sensação de que, se na Copa da Espanha, em 1982, tudo correu bem – a contusão que mais preocupava a comissão técnica na época era uma unha encravada de Falcão – e o time voltou para casa derrotado, desta vez a seleção talvez possa estar seguindo um caminho inverso, no qual tudo já correu tão mal que daqui para diante qualquer coisa será lucro. ”
O meia Zico, que mais tarde, nas quartas-de-final do torneio, errou um pênalti que poderia ter feito a seleção avançar contra a França, não escondia dia antes da estreia que estava longe de estar 100%. “‘Não estou curado, mas em recuperação’, disse Zico ao abandonar o gramado na Cidade do México após o treino da semana passada. (…) A instabilidade rotacional, o mal que acomete seu joelho, só pode ser corrigida por meio de uma intervenção cirúrgica. O bom treino de Zico animou o ambiente da seleção. Sua manutenção no time permite ao torcedor livrar-se de sua própria “instabilidade rotacional”, resultante do carrossel de más notícias que a seleção de Telê Santana soube gerar nos últimos meses.”
O tri em 70
Se em 1986 o pessimismo se mostrou correto – o Brasil foi eliminado nos pênaltis pela França, de Michel Platini –, dezesseis anos antes, a campanha do tricampeonato, também no México, foi anunciada com descrença similar por VEJA. “Existem sérias dúvidas de que nosso time consiga chegar às finais”, afirmava a revista no texto que abria a edição de 3 de junho de 1970. Que ainda ia além: “Para os brasileiros, acostumados com a discutível ideia de que têm o melhor futebol do mundo, é meio constrangedor aceitar um terceiro ou um quarto lugar numa disputa desse tipo. Mas a verdade é que, nas circunstâncias atuais, se o Brasil chegar a uma dessas colocações, já terá conseguido uma grande vitória.”
A matéria de 1970 elogia a preparação física daquela seleção brasileira, chefiada por Admildo Chirol. “Chirol, Parreira e Coutinho partiram de estudos já realizados, aplicaram métodos científicos”, mas para por aí nos pontos positivos do escrete de Pelé, Tostão, Rivellino e cia. “Entretanto, todo esse trabalho de preparação e toda a disposição dos jogadores acabam esbarrando num sério problema: o atraso histórico do futebol brasileiro. Taticamente, o Brasil não evoluiu absolutamente nada nos últimos dez anos. E, numa época em que quase todos os países vêm ao Mundial para exibir suas mais recentes e poderosas armas, o Brasil aparece de tacape, representado pelo 4-2-4, 4-3-3 e outras combinações cabalísticas.’
E de quem era a culpa por esse atraso? VEJA não poupou adjetivos na explicação: “A culpa não é exclusivamente de Zagalo, pois tanto ele como Saldanha tentaram alterar a forma de jogo da seleção e não conseguiram êxito. Faltam verdadeiros técnicos, estudiosos de futebol, pessoas suficientemente inteligentes para aprender a concepção de jogo que está sendo empregada atualmente (principalmente na Europa), tirar dela o que pode ser aproveitado no Brasil e descobrir fórmulas para explorar suas falhas.”
É tetra, é tetra!
Depois do tri em 70 foram 24 anos de expectativa pela quarta conquista, em 1994. Pouco antes do Mundial (22 de junho), VEJA traçou o perfil do responsável pelo time, o técnico Carlos Alberto Parreira, “O Itamar da hora”, segundo a publicação, fazendo referência em um título pouco elogioso ao ex-presidente da República Itamar Franco, político mineiro de pouco brilho que assumiu no lugar de Fernando Collor após o impeachment de 1992.
Os autores mostravam o estilo burocrata do estudioso Parreira ao lidar com os jogadores e não pareciam muito otimistas com a capacidade do treinador de se comunicar com o elenco. “Integrante daquela família de técnicos de classe média que ganhou fama de perna-de-pau quando tinha de controlar uma bola com os pés, Parreira fez carreira de cima para baixo. Saiu das faculdades para os gramados, e não o contrário. Conservou um jeito tão acadêmico de falar que os jogadores preferem chamá-lo de ‘Professor’, um tanto respeito demais num ambiente que, mesmo movimentando prêmios e interesses tão grandes, ainda não abandonou de todo a velha e saúdavel marotice. Parreira adora um quadro negro e uma palestra, mas sabe que ninguém foi até Los Gatos para tomar aulinha. (…) ‘Sei que jogador não tem paciência de ficar horas estudando o adversário’, afirma.”
Veio o tetra, graças em parte ao esquema de Parreira, mas muito por causa do fora de série daquela equipe, o atacante Romário.
1998, uma Copa com muitas tristezas
E foi Romário o grande personagem também do Mundial seguinte, na França. O craque da camisa 11 foi cortado pouco antes do início dos jogos e se emocionou bastante na coletiva que anunciou sua dispensa por causa de uma “dor na batata da perna que não o deixava jogar desde o dia 5 de maio”, contou a edição de 10 de junho de 1998, dia exato da abertura do torneio.
Mesmo sem o Baixinho, a equipe contava com outros bons jogadores, como Ronaldo, já um Fenômeno (e protagonista da final alguns dias depois ao passar mal e ter convulsões horas antes da decisão), Bebeto, Denílson e Edmundo. Tantos talentos à disposição fizeram VEJA apostar alto. “Apesar dos riscos e de tantas trapalhadas, a seleção brasileira tem trunfos de sobra para atravessar bem a primeira fase, ganhar moral, ultrapassar os jogos eliminatórios seguintes, ir à final e vencer.”
O circo da seleção na Europa
Em 2006, freando o ufanismo pós-título de 2002, a edição 1948 colocou em dúvida a capacidade do principal jogador da seleção brasileira, Ronaldo. “A oitenta dias da Copa do Mundo, o jogador mais famoso do mundo é considerado gordo e desmotivado. Mas a história mostra que é cedo para decretar o fim de um fora-de-série.” Leia um trecho:
“Ronaldo tem alguma experiência em fundo de poço. Ele o atingiu em 12 de abril de 2000, dia em que, voltando de uma cirurgia que o afastou por cinco meses, rompeu totalmente o tendão patelar do joelho operado. Essa lesão gravíssima o afastou por quinze meses do futebol, e por pouco não decretou o fim de sua carreira. Quando Luiz Felipe Scolari decidiu apostar nele no Mundial de 2002, poucos acreditavam que daria certo. Ao chegar à Copa ele havia jogado só 23 partidas em dois anos, e em apenas duas havia aguentado noventa minutos em campo. Isso não o impediu de voltar da Ásia como pentacampeão, artilheiro máximo com oito gols e autor daqueles que decidiram a semifinal contra a Turquia e a final contra a Alemanha. Diante dessa história, o poço atual é bem raso.”
A cobertura daquela Copa prosseguiu e, dias antes do início dos jogos (7 de junho de 2006), reportagem fazia um alerta para a bagunça que estava a concentração do Brasil na Alemanha, sede da competição, e, antes ainda, na Suíça, país que recebeu a equipe na fase de preparação.
“No caso do Brasil, o carnaval começou antes mesmo do desembarque da seleção na Alemanha. Desta vez, a Confederação Brasileira de Futebol transformou a fase de treinamentos do selecionado, na Suíça, em um rentável produto. Por 1,2 milhão de dólares, cedeu a uma empresa local o direito de faturar com a presença do time mais famoso do mundo na estação turística de Weggis. Os suíços recuperaram o investimento explorando os dois amistosos da equipe, vendendo ingressos para os treinos (por 40 reais) e alugando barraquinhas em volta do estádio (2 500 reais por quinze dias, mais 10% do faturamento de cada quiosque). “O frio e a chuva atrapalharam um pouco o movimento, mas não teremos prejuízo”, calcula o diretor de turismo de Weggis, Dominic Keller.
A presença das estrelas do futebol transformou a rotina de Weggis, cuja população quintuplicou nas duas semanas de treinos. Casais de aposentados ingleses deram lugar aos animados torcedores brasileiros, movidos a caipirinha, samba e futebol. Se os suíços se admiram dos jogadores, espantam-se ainda mais com os requebrados das brasileiras.”
Com a eliminação da equipe nas quartas-de-final para a França (1 a 0), as festas que se tornaram os treinos da seleção voltaram a ser lembradas para justificar o considerado fiasco de uma equipe apontada entre as favoritas ao título por ter jogadores como Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Robinho, Adriano e Roberto Carlos.
Em 2010, louvor à defesa; em 2014, a torcida faria a diferença
A edição de 2 de junho de 2010, que trazia o guia da Copa do Mundo, disputada naquele ano na África do Sul, apontava que a defesa da equipe era mais celebrada que o ataque.
“Preparemo-nos, porque pela primeira vez na história o Brasil chega à Copa com uma muralha quase intransponível, mais forte que o ataque. O trio da Inter de Milão — [o goleiro] Júlio Cesar, além do zagueiro Lúcio e do lateral-direito Maicon — parou Messi e Drogba na Liga dos Campeões, Juan, do Roma, e Michel Bastos, do Lyon, completam a turma de trás. Some-se a eles a proteção exercida pelos volantes Gilberto Silva, Felipe Melo e Elano, e eis o pacote fechado.”
O tom era otimista: “Mas convém não esquecer os passes longos de Kaká, os dribles rápidos de Robinho e as finalizações de Luis Fabiano. Gênios da bola? Não há — mas muito possivelmente eles não farão falta a uma seleção firme e dedicada, à semelhança de seu treinador, Dunga.” O Brasil, ao contrário da projeção, teve uma participação lamentável, caindo nas quartas-de-final diante da Holanda.
Em 11 de junho de 2014, em um novo guia da Copa, naquele ano jogada em campos brasileiros, a torcida voltou às páginas de VEJA. “Pensando nas consequências catastróficas de um resultado diferente do hexacampeonato, a cúpula da CBF decidiu chamar uma bola de segurança: recrutou novamente Luiz Felipe Scolari, o Felipão, que doze anos atrás já havia sido chamado às pressas e, depois de pôr o time de volta nos eixos, faturou o penta. A atual seleção de Scolari tem vida menos turbulenta que a primeira: conquistou a Copa das Confederações de maneira irrepreensível e reconquistou a torcida, no ritmo das manifestações de junho do ano passado. Sem tumultos, sem nenhum grande jogador ausente da lista — como ocorreu com Neymar e Ganso em 2010 —, Felipão tem a tranquilidade de que precisava para moldar a equipe a seu contento. Nessa reta final de preparação, preocupam apenas o gol e o jogador mais avançado. Júlio César, o 1 de Scolari, joga no Canadá e, aos 34 anos, já não tem a segurança de antes. Fred, o camisa 9, há tempos luta contra uma contusão. Os dois serão titulares. Mais tranquilo do que nunca, Felipão é categórico: “Não tem pressão: o Brasil vai ganhar a Copa.”
O tom positivo contagiava o Brasil inteiro, com argumentos razoáveis como bom time e a força de torcedores inflamados por todo o país. A má sorte pode ter sido destacar na capa o zagueiro Thiago Silva, jogador que ficou marcado negativamente por chorar na disputa dos pênaltis das oitavas-de-final, contra o Chile. Ele era o capitão na ocasião. A seleção avançou e caiu dramaticamente no 7 a 1 contra a Alemanha, na semifinal — Thiago Silva, no entanto, estava suspenso e se livrou em parte dessa vergonha.
Por Marcos Rogério Lopes, Veja