Enquanto estamos todos envolvidos na Copa do Mundo, o mundo continua rodando, com seus paradoxos. Um deles, o mais importante, é revelado pela facilidade com que dinheiro e mercadoria circulam pelo mundo e pela dificuldade cada vez maior para a circulação da força de trabalho.
Esse roteiro principal foi dramatizado no início da semana, com a decisão do presidente Trump de separar crianças dos seus pais, na fronteira com o México. É de doer o coração, porque implica suspender algo que sempre vigorou no mundo pelo qual transitam refugiados: a reunião das famílias.
O Brasil não está muito distante desse problema. Nossa fronteira com a Venezuela é palco de um fluxo cada vez maior de refugiados econômicos e políticos. Esse enredo principal, o drama dos refugiados, acabou se entrelaçando com o secundário, a Copa do Mundo.
As autoridades finlandesas, segundo o “Moscou Times”, avisam que sete torcedores que foram à Rússia para a Copa cruzaram a fronteira e pediram asilo na Finlândia. Eles entraram na Rússia como torcedores, inclusive com a carteirinha chamada aqui de Fan ID, e, em vez de assistirem às partidas de futebol, avançaram para o Norte, em busca de um refúgio seguro. Isso mostra apenas que, mesmo na euforia da Copa, não é possível ignorar os dramas do mundo. Assim como não é possível ignorar suas constantes mutações.
O caso dos brasileiros e de outros latinos que assediaram mulheres e crianças, forçando-as a repetir frases obscenas num idioma que ignoram, é típico da incompreensão sobre o curso do mundo. Creio que, falando do Brasil apenas, de certa forma falhamos nos meses e nos dias que antecederam a Copa.
Temer foi à televisão dizer que as nossas divergências acabam na Copa e que devemos torcer unidos. Lula fez comentários esportivos de dentro da cadeia. A imprensa, na qual me incluo, falou muito da Copa, da Rússia e de tudo mais. No entanto, não atinamos para a necessidade de uma campanha educativa para a torcida que se deslocaria para cá. Era preciso lembrar que o mundo mudou. A própria embaixada, com boas intenções, disse claramente o que poderia ser proibido por lei. Mas a questão cultural não foi abordada.
Os torcedores que saem do país para apoiar a seleção também nos representam. Os japoneses têm consciência disso: limparam o estádio depois do jogo, numa operação de imagem diplomática. Os senegaleses gostaram da ideia e seguiram o mesmo caminho. É fora da realidade esperar que nos comportemos como os japoneses. Já mostraram isso quando sofrem um desastre: recuperam-se num átimo, enquanto nós nos arrastamos, e parte do dinheiro é tragada pela corrupção.
Logo, o problema não é imitar japoneses, nem suecos, nem ingleses — sobretudo esses, que às vezes se envergonham do quebra-quebra de seus hooligans. O problema é apenas sermos um pouco melhor do que somos. Compreender que certos comportamentos ainda tolerados por muitos brasileiros são condenáveis. De qualquer forma, o que aconteceu foi um aprendizado. Nas próximas oportunidades, será necessário articular campanhas pedagógicas. O presidente da República precisa se manifestar, os políticos, também. A imprensa, então, nem se fala.
Os europeus vivem problemas semelhantes, não apenas com hooligans, mas com o racismo. Copa do Mundo e eventos de dimensão internacional são um importante momento para combater racismo, machismo e homofobia. E aí não se trata de ser politicamente correto. É apenas uma questão de bom senso.