Os estudantes que transitam diariamente pelo campus da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA), ganharam a companhia de um novo mascote no último ano. Os KiwiBots são robôs sobre rodas, do tamanho de uma caixa de cerveja, que não precisam de um piloto e passam o dia entregando comida de restaurantes que ficam no entorno da faculdade. É uma mistura de Uber com iFood: o usuário pede a comida via app e, em 30 minutos, ela chega dentro de um KiwiBot, que dirige sozinho graças a um conjunto de câmeras e softwares com mapas de alta precisão.
Com um toque no botão desbloquear, exibido na tela do smartphone, a tampa da caixa se abre para a pessoa retirar a encomenda. O robô então fecha o compartimento, dá uma piscadinha com seus olhos digitais, e segue seu caminho.
Sobre rodas. Startup Kiwi criou robô para delivery no Vale do Silício
No total, 50 robôs trabalham na região. Depois das entregas, eles voltam para o escritório da startup Kiwi Campus, que fica num prédio a menos de um quilômetro da universidade. Lá, um grupo de jovens engenheiros de diversas nacionalidades vive no que parece uma mistura de fliperama, lan house e oficina mecânica. No total, são 40 funcionários divididos nos escritórios de Berkeley e de Bogotá, na Colômbia, de onde vêm os três fundadores. A startup por enquanto levantou US$ 100 mil com o fundo Skydeck, mas foi criada com dinheiro dos próprios fundadores.
Em entrevista ao Estado, Sasha Iatsenia, diretor da Kiwi Campus, conta que a empresa já realizou 10 mil entregas. Ele conta que startup nasceu para reduzir os custos de entrega na região, que variam entre 8 e 15 dólares. A empresa cobra hoje US$ 3,80 a cada entrega, mas a meta é baixar esse valor para US$ 1 e, em alguns casos, nem cobrar. “Cada robô em breve custará em torno de US$ 900 a US$ 1 mil”, conta. “É mais barato porque a orientação é feita principalmente por câmeras e não por sensores (como os usados em carros autônomos).”
O Kiwibot funciona na maior parte do tempo sozinho. Um operador humano assume o controle apenas se houver um obstáculo ou na hora de cruzar uma rua sem faixa de pedestres. A supervisão é feita com um sistema que usa controles do videogame Xbox para guiar os robôs perdidos.
Aposta. Pelo ar ou pela terra, o delivery feito por robôs é a aposta tanto de pequenas empresas, como a Kiwi Campus, quanto gigantes como a Amazon, que há anos testa um serviço de entrega por drones chamado Prime Air. Esse mercado deve crescer 15% ao ano no mundo até 2024, chegando a US$ 11,4 bilhões, segundo a consultoria Zion Market Research. No Vale do Silício, além da Kiwi, startups como Starship e a Marble também usam robôs autônomos para fazer entregas em grandes empresas de tecnologia, que têm sedes similares aos campi de universidades.
O alvo das três startups, no entanto, está do outro lado da ponte que cruza a baía: São Francisco, a frenética e icônica cidade da Califórnia, onde tecnologias emergentes passam por “provas de fogo”. O Uber, por exemplo, antes de se proliferar pelo mundo, causou um alvoroço pelas ruas de São Francisco no final da década passada, levantando a ira de taxistas e de órgãos públicos.
Agora, é a vez dos patinetes elétricos, desbloqueados por aplicativo. Assim como no caso do Uber, a febre trouxe uma boa dose de caos às já tumultuadas calçadas da cidade. A prefeitura reagiu e, no início de junho, mandou recolher todos os patinetes. As startups agora precisarão entrar numa concorrência para ter acesso a uma licença para testes.
O escritório da Kiwi Bots, em Berkeley, Califórnia: 50 robôs fazem entregas todos os dias
“As calçadas ficam bem cheias nas áreas mais movimentadas da cidade”, diz Erica Maybaum, advogada responsável por tecnologias emergentes no Conselho de Supervisores (um órgão que faz as vezes de câmara de vereadores). “As pessoas precisam ser priorizadas em relação aos lucros das empresas.”
A polêmica afetou os robôs de entrega, que estão sofrendo com a má fama dos patinetes. A prefeitura de São Francisco também vetou a operação dessas startups e estabeleceu testes repletos de regras – entre elas, a necessidade de um ser humano acompanhar o robô, o que inviabilizaria o negócio dessas empresas. “Não queremos inibir a inovação, mas faltam recursos para fiscalizar”, diz Erica.
A cidade americana criou recentemente um grupo de trabalho que estudará, ao longo dos próximos seis meses, a criação de uma espécie de marco regulatório, estabelecendo parâmetros básicos para tecnologias emergentes. A ideia é combater um efeito colateral comum quando se fala em inovação: as novas tecnologias chegam, quase sempre, mais rápido que as leis que reduzem os potenciais efeitos negativo que elas podem ter na sociedade.
Por Bruno Ferrari, O Estado de S. Paulo