terça-feira, 19 de junho de 2018

"A MP de Murphy e o Esporte", por Gil Castello Branco

O Estado brasileiro é ineficiente e caro. O corte de R$ 514 milhões não resolve os problemas da segurança e afeta bastante o esporte


O engenheiro da Força Aérea Americana Edward Murphy foi o responsável, em 1949, pelo projeto que pretendia medir a tolerância humana à aceleração excessiva. Em um dos testes era necessário colocar 16 sensores em diferentes locais do corpo de um piloto de provas. 

Havia duas maneiras de colocar os sensores, mas alguém instalou todos os 16 sensores de maneira errada. Ao checar o que havia acontecido, Murphy formulou a lei que, na forma original, é: “Se há duas ou mais maneiras de fazer alguma coisa e uma delas pode resultar em catástrofe, alguém o fará dessa maneira”.

Lembrei-me da Lei de Murphy na semana passada quando da edição da Medida Provisória (MP) nº 841 que criou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). De fato, os números da violência no Brasil são alarmantes. Em 2016, foram 62.517 homicídios, estatística semelhante às de países em guerra. Algo precisa ser feito, ninguém discorda. A questão crucial é se a única solução para ampliar os recursos da segurança é retirar R$ 514 milhões do esporte, R$ 319 milhões da cultura, além de outros valores milionários da saúde e da educação, tal como está na MP. Se não bastasse, o esporte não será beneficiado com a Lotex, uma nova loteria que será criada com premiação recorde, tornando-se mais atrativa do que as demais. Será que não existem outras fontes para bancar o Susp? Uma rápida consulta aos dados dos Três Poderes mostra alternativas interessantes.

No Legislativo, o Fundo Partidário (R$ 888,7 milhões) e o Fundo Eleitoral (R$ 1,7 bilhão) totalizam neste ano cerca de R$ 2,6 bilhões. Se somado R$ 1 bilhão da isenção fiscal oferecida aos veículos de comunicação pela transmissão do “horário eleitoral gratuito”, chega-se a R$ 3,6 bilhões para custear os 35 partidos políticos existentes no Brasil e as suas fundações. O Congresso Nacional custa R$ 28 milhões por dia. Um deputado tem até 25 assessores, e um senador, pasmem, chega a ter 99 subordinados. O recordista em quantidade de servidores é o senador Hélio José (PROS-DF), com 58 servidores em seu gabinete e outros 41 no seu escritório de apoio.

Os deputados estaduais e federais presos por corrupção que ainda mantêm os mandatos custam aos cofres da União e dos seus estados cerca de R$ 1,2 milhão por mês. O valor é a soma de salários, penduricalhos e de verbas de gabinete de sete dos nove parlamentares que compõem a “bancada de presidiários”.

No Executivo, existem 29 ministérios, ou órgãos com o mesmo status, que abrigam 22.794 cargos de Direção e Assessoramento Superior e Funções Comissionadas do Poder Executivo. Se reunidos todos os cargos, funções e gratificações, atinge-se a 100.869, segundo dados de abril deste ano. E o que dizer das isenções fiscais, ou seja, o montante que o governo deixa de arrecadar para beneficiar determinados setores? Neste ano, serão R$ 283,4 bilhões. Há isenções fiscais para salmão, ovas de peixe e filé mignon...

No Judiciário, há vantagens de todos os tipos, inclusive férias de 60 dias e auxílio-moradia até mesmo para os magistrados que têm imóveis próprios nas cidades onde residem e trabalham.

Uma outra questão importante é se, de fato, a verba arrancada do Esporte e dos outros setores será efetivamente gasta. A intervenção federal no Rio de Janeiro, decretada em 16 de fevereiro, é um bom exemplo. A verba de R$ 1,2 bilhão foi autorizada por MP em 27 de março. Até a última quinta-feira, tinham sido empenhados R$ 8.582,92 e nenhum centavo foi pago. Foram adquiridas duas fragmentadoras de papel, 2 cilindros para impressoras e 16 cartuchos de toner...

É até compreensível que se a verba do esporte fosse a última azeitona do país, ela fosse colocada, em caráter emergencial, na empada da segurança. Mas não é. Há uma oliveira de desperdícios e de privilégios. O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. O corte de R$ 514 milhões não resolve os problemas da Segurança e afeta drasticamente o esporte, que tem papel relevante na formação dos jovens e na prevenção primária à própria violência. Há muito o que enxugar, por exemplo, antes de inviabilizar 10 programas esportivos e sociais do Ministério do Esporte, que beneficiam 532 mil crianças e adolescentes.

Resta-nos esperar que o bom senso prevaleça. Na própria MP há fontes alternativas, como os R$ 725 milhões destinados a aumentar os prêmios das loterias. A MP do Susp não pode se espelhar na Lei de Murphy. Se há duas ou mais maneiras de fazer alguma coisa e uma delas pode resultar em catástrofe, há como evitá-la e adotar a forma correta.

Gil Castello Branco é economista e fundador da Associação Contas Abertas

O Globo