Vamos falar francamente: não existe a menor possibilidade de o governo federal conseguir cumprir as duas medidas principais que prometeu aos caminhoneiros e empresas de transporte: regular os preços do diesel e do frete rodoviário. Não porque seja traidor. Mas, primeiro, porque a tarefa seria impossível mesmo se estivessem lá os melhores técnicos.
Segundo, porque mesmo se os técnicos fossem geniais, os políticos não os deixariam fazer a coisa certa.
Assim, ao tentar controlar e tabelar dois preços complexos, o governo consegue causar uma enorme confusão. O frete, por exemplo.
No auge da greve, o governo, via Agência Nacional dos Transportes Terrestres, ANTT, publicou uma tabela de preços mínimos do frete rodoviário em todo o país. No detalhe: caminhão por caminhão, eixo por eixo, quilômetro por quilômetro. Você lê a tabela e parece coisa de gênio: caramba, pensaram em tudo!
Passam-se alguns dias, greve já acabou, e simplesmente se paralisa o transporte de soja no país. Não por outra greve, mas por conta: produtores e empresas comercializadoras fizeram o cálculo e verificaram que o frete ficou muito mais caro do que o preço pré-greve, formado pelo mercado. Mais contas ainda: pequenos e médios agricultores chegam à conclusão de que valerá mais a pena comprar um caminhão do que contratar frete terceirizado.
A distorção parece tão evidente que o pessoal do governo nem discutiu. Quer dizer, o erro não foi reconhecido formalmente, mas a ANTT ficou encarregada de fazer outra tabela, ouvindo também a parte do agronegócio. Vai dar errado de novo, pois os caminhoneiros vão insistir na primeira tabela que, aliás, está em vigor até que seja feita a outra.
Repararam bem? Tem uma tabela oficial, mas nem tanto, porque vai mudar. Claro que não será utilizada. A soja que espere. Ou, seus consumidores que esperem. Ou vai por fora da lei: um frete a preço de mercado, não de tabela.
E se a tabela for respeitada, sobe o preço dos alimentos, a ser pago por toda a sociedade.
Tudo isso porque o governo se mete a fazer o que não é possível. Não tem como a tabela incluir variantes que influem no custo, como a condição das estradas (a tabela fala em preço por km, o que, na vida real, é muito diferente em São Paulo do interior do Amazonas). Também não tem como incluir o tempo, estação de chuvas ou de seca. Ou o estado do caminhão. Ou a habilidade do caminhoneiro.
Ou seja, qualquer tabela é errada.
A história do preço do diesel vai pela mesma rota de confusão. Aquela promessa tão repetida pelo ministro Padilha — o preço cai 46 centavos na bomba a partir de segunda (passada) — e as ameaças do ministro Sergio Etchegoyen — “vamos usar o poder de polícia” — viraram palavras mortas.
Não são mais 46 centavos, são 41 — e queda válida a partir dos estoques novos comprados por distribuidores e postos, podendo entrar em vigor em 15 dias. Os outros centavos dependem agora da redução do ICMS, um em cada estado.
Quer dizer que no dia 15 de junho estará tudo ok? Que o preço na bomba será o valor de 21 de maio (pré-greve) menos os 46 centavos? Que a polícia estará lá para garantir?
Sabem quantos postos há no país? São 38.535, segundo registro na Agência Nacional de Petróleo. Até antes da greve, o preço era livre, de mercado, portanto, diferente por este país afora. Como o governo vai saber exatamente qual o preço então vigente em cada posto?
Deve ter nota fiscal, sim. Mas os fiscais vão conseguir checar 38.535 postos?
A gente tem que confiar nas pessoas — sugere o ministro Padilha. Ok, mas e se não for questão de confiança, mas de sobrevivência econômica? Por exemplo: os frentistas de um estado fazem uma greve e obtêm aumento salarial. Sobe o custo do posto, o preço tabelado do diesel fica inviável. Ou, aumenta o IPTU de uma cidade, também elevando o custo do negócio.
E tem outra complicação. Uma empresa importadora de combustível entrou com ação no STF por entender que também tem direito ao subsídio de 30 centavos que o governo federal vai pagar à Petrobras por litro de diesel. A Petrobras também é importadora, num mercado legalmente livre, de modo que o governo está favorecendo uma empresa em detrimento de outras. Faz sentido, não é mesmo? E lá se vai para o Judiciário.
Sabemos que o Brasil não gosta muito de mercado e livre concorrência. Mas como é possível que não se aprenda nada com tantos e tão ridículos fracassos do governo?
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista