DANILO FARIELLO / BRUNO ROSA / DANIELLE NOGUEIRA / ANA PAULA RIBEIRO - O Globo
Estatal vai pagar um bônus de assinatura de R$ 2 bilhões. Dinheiro reforçará superávit
O governo anunciou que vai contratar a Petrobras diretamente para produzir de 10 bilhões a 14 bilhões de barris de petróleo no excedente da cessão onerosa feita pela União em 2010, sob o regime de partilha, como antecipou O GLOBO em seu site nesta terça-feira. O contrato envolve quatro blocos do pré-sal — Búzios (antes chamado de Franco), entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi, na Bacia de Santos — e vai exigir da estatal o pagamento de um bônus de assinatura de R$ 2 bilhões ainda este ano.
O objetivo é antecipar receitas e a produção nessas áreas. Os recursos do bônus de assinatura vão reforçar o caixa do Tesouro e o superávit primário em um ano que a área econômica enfrenta dificuldades para fechar as contas. Além disso, o contrato prevê antecipação de um volume excedente em óleo estimado em R$ 13 bilhões até 2018, o que poderá resultar em receitas de R$ 15 bilhões para a União em cinco anos.
Analistas e investidores receberam mal a notícia, interpretada como a mais nova intervenção do governo sobre a estatal, com uma medida capaz de afugentar o setor privado. Com endividamento elevado, o desembolso previsto para este ano e para os próximos pode pressionar ainda mais o caixa da estatal. Além do bônus de assinatura de R$ 2 bilhões neste ano, a estatal pagará mais R$ 2 bilhões em 2015, R$ 3 bilhões em 2016 e duas parcelas de R$ 4 bilhões, uma em 2017 e outra em 2018.
No mercado de ações, os papéis preferenciais (sem voto) da Petrobras — que chegaram a subir 3,22%, na máxima do dia — encerraram o pregão em queda de 3,61%. Com a desvalorização das ações, o valor de mercado da companhia encolheu R$ 7,12 bilhões, chegando a R$ 223,779 bilhões. O comportamento das ações da Petrobras, responsáveis por mais de 20% dos negócios ontem, levou a Bolsa a fechar próxima da estabilidade, com alta de 0,13%, aos 54.280 pontos.
'GOVERNO APROFUNDA MONOPÓLIO
Apesar da repercussão negativa, a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, disse que o contrato marcou um dia muito importante para a companhia. Ela admitiu, no entanto, que a exploração dessas quatro áreas só vai se converter em receita a partir de 2021, quando o primeiro óleo começará a ser produzido.
— É uma grande oportunidade. É excepcional. É importantíssimo para a Petrobras — disse, acrescentando que o risco é baixo pois a estatal já conhece a área.
Graça evitou comentar se a decisão do governo tem relação com o calendário eleitoral:
— O meu calendário é o calendário da Petrobras. Não sei se isso (os R$ 2 bilhões) tem impacto no superávit. Isso não foi discutido. Quem tem energia é soberano — disse Graça, que voltou a cobrar um aumento nos preços dos combustíveis.
— Enquanto Libra tem de 8 a 12 bilhões de barris, essa área tem em torno de 10 a 14 bilhões de barris de petróleo equivalente. Por isso, a Petrobras passa a ter para explorar uma quantidade de petróleo extremamente significativa, o que transformará essa empresa com uma das maiores reservas de petróleo do mundo — disse.A presidente Dilma Rousseff também comentou a contratação:
Para Karina Freitas, analista da Concórdia, a medida pode render no longo prazo, mas pressionará o caixa da estatal:
— Não sabemos até que ponto a Petrobras teve espaço para declinar da decisão.
Para David Zylbersztajn, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o pagamento de bônus este ano indica que o governo busca “fechar as contas”.
— Ao fazer esse tipo de contratação direta, o governo aprofunda o monopólio no setor, ajudando na desestruturação da Petrobras. A companhia vai ter que assumir novos compromissos, mas precisa de meios financeiros para isso. São grandes as chances de atrasos, como já ocorre hoje nas refinarias.
Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), pondera que, ao mesmo tempo que é positivo aumentar o volume de reservas, a Petrobras está em uma situação frágil, com endividamento elevado e geração de caixa prejudicada pela defasagem de preços da gasolina e diesel, vendidos no Brasil a um preço menor que o de compra no exterior:
— A decisão não é boa para o país. Com esse tipo de contratação direta, o governo acaba afastando os investidores privados do país. É muito estranho fazer isso às vésperas de uma eleição.
Segundo cálculos do CBIE, a defasagem no preço dos combustíveis já causa perdas de R$ 5,7 bilhões entre janeiro e abril. Deste total, R$ 2 bilhões são referentes à diferença no valor da gasolina.
O modelo foi aprovado em reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Segundo o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a contratação direta da Petrobras “é benéfica tanto para a União quanto para a Petrobras”. Lobão estimou que, entre bônus, royalties, Imposto de Renda e partilha da produção, haverá participação governamental de 76,2% na exploração desse petróleo, superior à do contrato do campo de Libra, de 75%, o primeiro licitado sob o regime de partilha.
SE PUDESSE, GOVERNO 'COBRARIA À VISTA'
Entre 2009 e 2010, na ocasião da capitalização da Petrobras, o governo aumentou a sua participação na empresa por meio da cessão onerosa de cinco bilhões de barris de petróleo na região do pré-sal. Ocorre que nas áreas destinadas à estatal por esse contrato constatou-se que existe um volume muito maior do que os cinco bilhões de barris potencialmente explorável.
Segundo o secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do ministério de Minas e Energia, Marco Antonio Martins Almeida, a contratação direta está sendo feita porque os processos de exploração na cessão onerosa estão em fase de tomada de decisão quanto ao ritmo de produção. Ou seja, a Petrobras precisa definir em seu plano de negócios quanto de petróleo e gás vai extrair desses poços e, quanto mais cedo essa decisão, mais flexibilidade terá para distribuir plataformas.
— Contratamos a Petrobras diretamente e não ofertamos a área em licitação, porque, assim, recebemos excedentes em óleo mais rapidamente e eliminamos inseguranças jurídicas de uma licitação, já que estaríamos licitando a mesma área em que a Petrobras já pode produzir pelo contrato de cessão onerosa — disse.
Uma eventual licitação das áreas poderia permitir a participação de outras petroleiras, privadas ou estatais estrangeiras, na exploração dos quatro campos cedidos em 2010. Segundo o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, além de ter amparo legal, a contratação direta da Petrobras é mais conveniente à União, sob os aspectos “nacional, econômico e jurídico”.
No anúncio desse novo contrato, o governo preocupou-se em enfatizar que o objetivo não é “de natureza fiscal”. O secretário Marco Antonio Almeida destacou que o bônus de R$ 2 bilhões é baixo para uma área com potencial entre 10 e 14 bilhões de barris.
Indagado sobre o impacto dessa decisão, Almeida disse que o contrato foi negociado com a Petrobras, para não comprometer o caixa da companhia significativamente. Segundo ele, a União não poderia entregar tal volume de reservas, “em sã consciência”, sem impor algum ônus à empresa , referindo-se ao recolhimento de R$ 15 bilhões que será imposto até 2018.
— Se a Petrobras tivesse capacidade financeira, íamos cobrar os R$ 15 bilhões à vista — disse.
Ele explicou que no processo de negociação entre União e Petrobras foi avaliada a capacidade de pagamento da estatal e o interesse da União em relação ao ritmo de produção, uma vez que a Petrobras terá até 35 anos para produzir nessas regiões.
— Se a Petrobras produzir o que está no plano de negócios, esse volume é desprezível (ao longo do período).
Segundo Almeida, o bônus de R$ 2 bilhões está dentro da capacidade financeira da companhia.
— O excedente em óleo (a ser pago até 2018) é dinheiro que vai para a educação, para a saúde, não é dinheiro que vai para o Tesouro — observou.