domingo, 15 de junho de 2014

Garrincha (imagens em Movimento): A eterna alegria do povo

Blog Ricardo Setti - Veja

 


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SYLVIO DO AMARAL ROCHA


Foi uma irmã que escolheu o nome do pássaro que viria a ser o apelido de Manoel Francisco dos Santos. Garrincha estreou no futebol profissional em 1951, jogando pelo Botafogo. Inegavelmente o melhor ponta direita da história do futebol — posição hoje extinta dos gramados — e um dos melhores jogadores de todos os tempos.

O brasileiro que primeiro apontou sua câmera para contar a história deste encantador de massas foi Joaquim Pedro de Andrade em Garrincha, alegria do povo. Lançado em 1963, o filme de 60 minutos lançou toda uma cultura imagética que foi mais tarde imortalizada pelo cine-jornal Canal 100: lances em câmera lenta, takes gravados a distância com lentes teleobjetivas e o ângulo baixo, como se o espectador estivesse dentro da jogada. Joaquim, que já foi tema desta coluna, tem para o cinema a mesma importância de Garrincha para o futebol. Esta fita imperdível, além de marcar o encontro de dois gigantes, fez com que Garrincha, mesmo depois da morte, em 1983, continuasse a ser a alegria do povo.

Ele levou praticamente sozinho a Copa de 1962. Depois da final com a Tchecoslováquia, Nelson Rodrigues publicou o célebre O Escrete de Loucos, que atribui à molecagem a maior característica dos brasileiros e, a Garrincha, sua figura síntese:

“Se aparecesse, na hora, um grande poeta, havia de se arremessar, gritando: ‘O homem só é verdadeiramente homem quando brinca’. Num simples lance isolado, está todo o Garrincha, está todo o brasileiro, está todo o Brasil. E jamais Garrincha foi tão Garrincha, ou tão homem, como ao imobilizar, pela magia pessoal, os onze latagões tchecos, tão mais sólidos, tão mais belos, tão mais louros do que os nossos. Mas vejam vocês: de repente, o Mané põe, num jogo de alto patético, um traço decisivo do caráter brasileiro: a molecagem”.

Mas coube a Carlos Drumond de Andrade as mais belas linhas em homenagem ao anjo de pernas tortas que morreu prematuramente aos 49 anos de cirrose hepática. “Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho”.

Garrincha, que só perdeu um jogo usando a camisa da Seleção e participou das duas primeiras conquistas do Brasil na Copa do Mundo, bem que poderia ser uma fonte de inspiração para que nossos jogadores abusassem da molecagem em campo e conquistassem mais uma estrela. O filme a seguir reúne alguns dos mais importantes momentos desse gênio da bola. Bom jogo.