Patricia Leigh BrownDe San Quentin (EUA)
- Max Whittaker/The New York Times
Os prisioneiros Charles David Henry (esq.) e Watani Stiner, trabalham na redação em San Quentin
Não é todo editor de jornal que pode apontar para uma foto em preto-e-branco de câmera de vigilância de um assalto a banco de 1996 e dizer que ele era o ladrão.
Mas acontece que o San Quentin News – que foi recentemente homenageado por uma seção da Sociedade de Jornalistas Profissionais por "realizar um jornalismo extraordinário sob condições extraordinárias" - dificilmente é um jornal típico.
Fundado em 1940 e recriado como uma séria empreitada jornalística há seis anos, o jornal mensal, que se autorrotula como "O Pulso de San Quentin", é o único jornal produzido por presos no estado e um dos poucos no mundo. A equipe de 15 pessoas do jornal, todos eles criminosos, escreve sob a perspectiva incomum de ter cumprido estimados 297 anos e meio ao todo por roubo, assassinato, invasão de domicílio, conspiração e, em um caso, por um esquema Ponzi.
Em uma prisão notória pelas condenações à morte, os homens estão comprometidos com o que Juan Haines, editor-administrativo de 56 anos e que cumpre uma pena de 55 anos por causa daquele assalto a banco em 1996, chama de jornalismo "de botas no chão", realizado sem telefones celulares ou acesso direto à internet.
"Isso diz respeito a ser ouvido em um lugar que está literalmente fechado para o mundo", disse ele.
Do trailer da redação próximo ao pátio da prisão, onde os presos se exercitam em meio a uma vista espetacular, os repórteres e editores mergulham em assuntos "na Q", como a prisão de San Quentin é chamada às vezes, bem como em temas bem distantes de seus muros. Eles cobriram uma greve de fome, a superlotação nas prisões femininas da Califórnia e uma ordem de um tribunal federal relacionada aos cuidados com a saúde mental dos presos que esperam para ser executados na Califórnia.
Mas o jornal é especializado em histórias que podem ser escritas apenas por jornalistas com uma "compreensão visceral única do sistema de justiça criminal", disse Arnulfo T. Garcia, editor-chefe do jornal, que cumpre pena de 65 anos por uma longa lista de crimes que inclui assalto, roubo e escapar da condicional para fugir para o México.
Nos últimos tempos, o jornal parece ter ganhado um novo ímpeto. Os editores, que às vezes trabalham durante o jantar, comendo macarrão instantâneo, falam sobre expandir a atual circulação de 11.500 exemplares. Estudantes do Centro para Liderança Pública e Não Lucrativa da Universidade da Califórnia, Berkeley, ajudaram os presos a desenvolver um plano de negócios de 12 anos que aumentaria o número de assinantes pagantes para ajudar a subsidiar as cópias gratuitas para os presos.
Este ano, a divisão do norte-californiana da Sociedade de Jornalistas Profissionais concedeu ao San Quentin News um de seus Prêmios de Liberdade de Informação James Madison.
Algumas pessoas acham a possibilidade de mais visibilidade alarmante. Mar Klaas, presidente da Fundação KlaasKids, cuja filha de 12 anos, Polly, foi sequestrada sob ameaça de uma faca por um hóspede e assassinada em 1993, disse que ele é "veementemente contra" uma publicação feita por presos ser acessível ao público.
"Estes homens estão atrás das grades por um motivo - para que possamos ser protegidos deles", disse Klaas. "Não acho que criminosos que cumprem pena deveriam ter a oportunidade de influenciar os corações e mentes de cidadãos que cumprem a lei."
Richard Allen Davis, condenado em 1996 pelo assassinato de Polly Klaas, está na fila da execução de San Quentin.
Robert L. Ayers Jr., ex-administrador de San Quentin que se aposentou em 2008, disse que meios de expressão positivos são importantes para os presos. Ele disse que decidiu reativar a publicação como uma atividade jornalística de qualidade em vez do que ele chamava de "jornaleco raivoso dos presos".
"Quando eles se envolvem e veem que estão realizando algo, isso pode ser um ponto positivo na coluna do 'bem' para eles", disse.
Ao aprender a escrever, "eles começam a se expressar de outras formas além dos meios físicos e violentos", acrescentou.
A recente cobertura do jornal incluiu um artigo sobre um preso que teve negado seu pedido de soltura por compaixão ("Juiz bate a porta em paciente com câncer, 81") e um perfil de presos transgêneros que enfatizou a falta de sutiãs nas prisões masculinas.
Um preso da equipe, Glenn Padgett, 50, disse que este trabalho é uma redenção para ele.
"Estou apenas tentando retribuir, lidar com os estragos que eu fiz no universo", disse Padgett, conhecido como Luke, que, aos 33 anos, esfaqueou um homem até a morte e ateou fogo na casa para esconder o assassinato.
Funcionários da prisão fazem a censura do conteúdo. Este ano, a equipe ficou suspensa por 45 dias depois que uma foto de uma apresentação de uma peça de Shakespeare foi trocada sem aprovação prévia.
Isso levou Watani Stiner, um colunista do jornal, a escrever: "somos mais uma vez lembrados de que somos em primeiro lugar prisioneiros e jornalistas em segundo". (Stiner, 66, fugiu em 1974 de San Quentin, onde ele cumpre uma sentença de prisão perpétua por conspirar para cometer assassinato nas mortes a tiros de dois Panteras Negras, e fugiu do país. Questionado por um visitante sobre como ele escapou, ele respondeu: "bem rápido".)
Como um jornal de cidade do interior - San Quentin tem uma população de 3.855 presos - o News cobre esportes (incluindo o San Quentin Giants e o A's), artes e entretenimento, o nascimento de bebês dos conselheiros do jornal, mensagens cordiais nos feriados e entrevistas "nas ruas", ao estilo de San Quentin.
"Podemos ir direto para o pátio e conseguir um depoimento sobre como os presos são afetados pelas decisões de política", disse Haines, editor-administrativo.
A prisão mais divertida: Cebu. Para completar o ranking organizado pelo Discovery Notícias, a prisão de Cebu, nas Filipinas, destaca-se por abrigar os detentos "mais divertidos do mundo". Depois de assistir ao filme Um Sonho de Liberdade, o diretor da penitenciária achou que a música seria uma boa terapia e criou um programa que ensina coreografias aos presidiários. Elas são apresentadas em eventos culturais ou de caridade, em que os espectadores podem tirar fotografias com os "astros" e comprar suvenires. A iniciativa fez tanto sucesso que conta com a participação de mais de mil presos.
As apresentações sempre vão parar no Youtube. Na imagem, eles dançam o kit "Gangnam Style" AFP
O jornal é distribuído para 17 prisões além de San Quentin, onde é considerado uma leitura obrigatória pelos oficiais de correção. O Departamento de Correção e Reabilitação da Califórnia não paga pela impressão nem distribuição; o jornal sobrevive de bolsas, doações e assinaturas. Uma equipe de conselheiros voluntários - entre eles estudantes da Escola de Jornalismo da Universidade da Califórnia, Berkeley, liderada por William Drummond, ex-repórter do Los Angeles Times – fornece assistência editorial e de pesquisa.
Assim como Richard Lindsey, um ex-membro da equipe que recebeu liberdade condicional no ano passado e agora pesquisa estudos do Instituto Vera de Justiça, Pew Research Center e outras fontes pela internet. Ele entrega sua pesquisa num pen drive para o oficial de informação ao público da prisão, que a repassa para a equipe do jornal.
"O principal problema de saúde pública na prisão é o tédio", disse Franklin E. Zimring, professor de direito e criminologista da Universidade da Califórnia, Berkeley.
O jornal, segundo ele, "é um antidepressivo operacional que mantém seus participantes estruturados e psicologicamente bem organizados."
Os presos costumam gostar de histórias que levam à reflexão sobre si mesmos. Em uma entrevista, um oficial de correção descreveu um telefonema que ele havia recebido de um amigo que disse: "seu filho morreu". Foi assim que ele ficou sabendo que seu filho de 19 anos havia sido assassinado em um caso de identidade equivocada.
"Eu sei que eu estava lá perpetuando o mesmo ódio", disse Richard Richardson, um designer do jornal que foi condenado por uma invasão de domicílio relacionada a uma gangue e outros crimes. "Não quero que as pessoas achem que não estamos pensando sobre nossas vítimas. Porque nós estamos."
Tradutor: Eloise De Vylder

