Serviços de qualidade a preços baixos só são possíveis quando há livre mercado
Nota do Editor
A Buser é conhecida como a Uber dos ônibus. Trata-se de uma empresa que já atua em vários estados do Brasil, fazendo a venda de passagens por aplicativo para vários municípios e em horários fixos.
Os preços chegam a ser metade dos preços cobrados pelas empresas já estabelecidas no ramo.
É óbvio que tamanha concorrência gerada pelo livre mercado incomodaria as empresas que atuam neste mercado amplamente regulado pelo estado. As empresas tradicionais, que contam com fortes laços na política, estão fazendo de tudo para proibir a concorrência e evitar baixar preços ou melhorar o serviço.
Nesta semana, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou uma lei que, na prática, proíbe aplicativos de ônibus. A tramitação da lei durou menos de um mês, um recorde.
Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, conseguiu aprovar um projeto que extingue milhares de novas linhas de ônibus e restringe a atuação dos aplicativos. Ele agora pressiona os deputados para aprovarem a medida. O projeto atende aos interesses da sua família, dona de duas empresas do ramo.
Esta é a perfeita ilustração do nosso "capitalismo de estado". Por aqui, as coisas funcionam na base do Rent seeking (ou "busca pela renda"): conquistar privilégios e benefícios não pelo mercado, mas pela influência política.
Em uma economia baseada no rent seeking, as instituições regulatórias e os burocratas são comprados por grupos de interesse com o objetivo de obter privilégios e bloquear a concorrência.
Neste arranjo, os indivíduos concorrem entre si para ganhar favores de políticos, e não para oferecer a clientes produtos e serviços melhores ou mais baratos. O grosso do lucro advém de privilégios garantidos junto ao governo e não da oferta de bens e serviços aos consumidores.
A livre concorrência fica proibida de fazer sua mágica de derrubar preços e aumentar o poder de compra dos cidadãos.
No Velho Continente, as coisas também eram assim. Mas já mudaram, como mostra o artigo abaixo.
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Recentemente, tive de ir de Budapeste a Viena, uma viagem de aproximadamente duas horas e meia. Sem ter um carro, tive de encontrar outro meio de transporte para voltar pra casa.
Eu poderia optar pelo trem, e teria de pagar o equivalente a US$ 45. Porém, optei por uma alternativa: e então, em vez de US$ 45 paguei apenas US$ 10 sem qualquer demora adicional.
Durante toda a minha viagem, usufruí uma internet wi-fi surpreendentemente estável, conseguindo até mesmo assistir a eventos esportivos em meu smartphone — um incrível contraste com as instáveis conexões de internet dos trens europeus. Tive cappuccino grátis. Os assentos eram muito confortáveis. Havia monitores de TV nas costas de cada assento, com canais de televisão e rádio, um mapa, e muita música. Havia até uma comissária de bordo frequentemente oferecendo assistência aos passageiros.
Não, eu não fui de avião. Eu não tive a sorte de conseguir um vôo extremamente barato tão em cima da hora. Em vez disso, peguei um ônibus da RegioJet, uma empresa da República Tcheca que opera trens e ônibus. Esta empresa privada, fundada em 2009, fornece viagens extremamente baratas de trem e de ônibus ao longo de toda a Europa Central.
Desregulamentação gera inovação
Não, não estou recebendo nenhum dinheiro da RegioJet. Com efeito, foi a primeira vez que utilizei a empresa.
O motivo por que estou relatando isso é para ilustrar apenas mais um exemplo de uma revolução no setor de transportes que está atualmente ocorrendo em toda a Europa graças a medidas de desregulamentação criadas tanto pela União Europeia (quem diria!) quanto pelos governos nacionais.
Tais desregulamentações estão possibilitando cada vez mais a entrada da iniciativa privada nos até então severamente regulados mercados de trem e ônibus (o setor aéreo europeu já está praticamente todo desregulamentado, e possui hoje as mais baratas tarifas do globo), tornando ainda mais evidente que o setor de transportes não precisa ser — ou, melhor ainda, não deveria ser — um bem público fornecido ou mesmo regulado pelo estado.
Historicamente, esta ideia — ou seja, o setor de transportes ser um bem público que deve ser controlado ou regulado pelo estado — sempre esteve enraizada na mente dos governantes europeus. Portanto, tal mudança de paradigma é notável.
Os governos de Alemanha e França, durante vários séculos, bloquearam qualquer entrada de empresas privadas no setor ferroviário. Também proibiam a entrada no setor rodoviário. Na Alemanha, por exemplo, de 1935 a 2012 era proibido uma empresa de ônibus ofertar uma linha entre, por exemplo, Berlim e Munique, pois havia o temor de que ninguém mais usaria a Deutsche Bahn — a empresa ferroviária do governo. Sempre que houvesse uma linha ferroviária entre duas cidades era proibido haver linhas de ônibus. Como consequência, na década de 1980, viagens de ônibus na Alemanha praticamente deixaram de existir.
No entanto, não só na Alemanha como em toda a Europa, a pavorosa ineficiência das empresas ferroviárias estatais foi deixando cada vez mais claro que este arranjo não poderia ser mantido. Por exemplo, a SNCF, a estatal ferroviária francesa, tem uma dívida acumulada de $54 bilhões.
Assim, a União Européia — que normalmente não é conhecida por gerar boas notícias — começou a implantar medidas desregulatórias há algumas décadas, sendo que o "quarto pacote ferroviário" entra em vigor ano que vem. Os mercados foram liberalizados, empresas privadas ganharam permissão para entrar e ofertar seus serviços, e a concorrência além das fronteiras foi permitida.
Hoje, as empresas que sempre dominaram este mercado em seus respectivos países — tanto estatais quanto algumas privadas protegidas e subsidiadas pelo estado — estão enfrentando concorrência de todos os tipos, desde novas empresas privadas até algumas empresas estatais de outros países.
E não foi apenas a União Europeia a responsável por isso. Nos últimos anos, vários governos nacionais também desregulamentaram seus respectivos setores, permitindo que empresas privadas operassem nele e permitindo também a entrada de empresas de outros países da Europa. Tal processo continua e, ao que tudo indica, não será revertido. (Antes da Covid-19 alterar o foco do mundo, Emmanuel Macron estava travando uma batalha contra os sindicatos franceses em relação a estas reformas).
Na Alemanha, uma coalizão de conservadores e liberais legalizou a entrada de empresas de ônibus no mercado de transportes intermunicipais em 2013. Desde então, naquele país em que praticamente não mais havia empresas de ônibus, nada menos que 150 novas linhas de ônibus intermunicipais surgiram, levando a uma significativa alteração nas preferências dos consumidores, que começaram a abandonar os trens e adotar cada vez mais os ônibus para longas viagens.
Durante esse processo concorrencial, uma empresa chamada Flixbus, fundada em 2011 se destacou e, graças a seus preços incrivelmente baixos, detém hoje 90% do mercado de ônibus na Alemanha.
Os ônibus já estão sendo rotulados de "o novo meio de transporte favorito da Alemanha", e a Flixbus está atualmente se expandindo para "Flixtrain", planejando oferecer ligações ferroviárias entre Munique e Berlim por $11 — sendo que pela estatal Deutsche Ban os preços variam de $13 (impossíveis de se conseguir) a astronômicos $215.
Estas imensas reduções de preços — em conjunto com serviços muito melhores — se tornaram um fenômeno rotineiro em todo o continente europeu, tanto que tal revolução já está sendo considerada uma "ameaça existencial" para as antigas empresas ferroviárias. Como a empresa de consultoria Oliver Wyman observou:
Os ônibus intermunicipais de hoje oferecem confortos iguais aos dos trens (como poltronas luxuosas, banheiros higiênicos, internet wi-fi, lanches e bebidas), mas a uma fração dos preços cobrados pelas empresas ferroviárias nas rotas de alta densidade.
Acreditamos que, passados alguns anos, as novas empresas de ônibus já conseguiram capturar 20% dos clientes das ferroviárias, graças a agressivas táticas de maketing, a uma inteligente rede de itinerários e a ônibus com grandes capacidades para passageiros.
Todo esse processo mostra a beleza do mercado em ação. Todas as melhorias que podem ocorrer quando não são burocratas que estão no controle do mercado, mas sim empreendedores em busca do lucro, ofertando benefícios e comodidades para tentar conquistar clientes e, com isso, auferir ganhos monetários.
A revolução dos transportes na Europa é também um claro exemplo de uma "destruição criativa", como Joseph Schumpeter rotulou o que ocorre quando o status quo é obrigado a enfrentar um distúrbio causado por novas idéias e novas práticas.
Empresas estatais ou empresas privadas operando sob regime de concessão (isto é, com um monopólio protegido e garantido pelo estado) dominaram por décadas os mercados europeus. Porém, tão logo surgiu a oportunidade de outras empresas entrarem no mercado, aquelas empresas já estabelecidas começaram a cambalear, ao passo que as novas entrantes estão prosperando e prevalecendo.
Os benefícios para os consumidores estão sendo imensos. Os preços caíram, a qualidade aumentou e as possibilidades para o cidadão comum europeu viajar de forma ampla e barata aumentaram.
Isso, por si só, já é muito mais do que qualquer governo jamais conseguirá fazer na área de transportes.
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Complemento do editor
No Brasil, ainda está em vigor o nosso jurássico sistema cartelizante, em que o estado, por meio de suas agências reguladoras, determina quem pode e quem não pode atuar no mercado, e quem pode e quem não pode operar determinadas rotas.
No setor de transportes rodoviários, por exemplo, as regulações da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) impedem o surgimento de empresas de ônibus para concorrer com as já existentes, as quais detêm privilégios monopolísticos concedidos pela agência.
Pior: impedem que as já existentes concorram mais diretamente entre si. É a ANTT quem estipula qual empresa de ônibus pode fazer qual rota e em qual horário. E é ela também que impede que mais de uma empresa de ônibus sirva a cidades que tenham menos de 200 mil habitantes. Obviamente, a ANTT também proíbe empresas estrangeiras de fazerem viagens nacionais dentro do Brasil.
No setor aéreo, igualmente, as regulamentações da ANAC garantem uma reserva de mercado para as empresas nacionais já estabelecidas. Quem tentar criar uma empresa para concorrer com elas será barrado (a menos, é claro, que você tenha boas conexões políticas). Empresas estrangeiras são proibidas de fazer vôos nacionais aqui dentro, para não afetar o oligopólio protegido pela ANAC.
Com uma reserva de mercado garantida — há apenas três grandes empresas aéreas autorizadas pelo governo a servir um mercado de 200 milhões de consumidores potenciais —, o Brasil é o 12º país mais caro do mundo para viajar de avião. Brasileiros pagam 48% mais que os britânicos e 223% mais que os norte-americanos para cada 100 quilômetros voados. Enquanto isso, na Europa, que atualmente tem o setor aéreo mais livre do mundo, empresas oferecem vôos por 9,99 libras.
Mises Brasil