Comédia de circo
Diante da comédia de circo montada em torno da “reeleição” do senador Davi Alcolumbre e do deputado Rodrigo Maia para os cargos que ocupam como presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, vale a pena sair um pouco da neura cultivada pelo noticiário político e pelas mesas-redondas na televisão e fazer algumas perguntas bem fáceis de responder.
A primeira é:
“Existe uma única pessoa, no Brasil e no mundo, que esteja pedindo a reeleição de qualquer dos dois — salvo eles próprios, suas famílias e seus amigos?”
A resposta — não, não há ninguém pedindo nada — já resolve 90% da questão, não é mesmo?
Se toda essa novela de terceira categoria se resume a atender aos interesses pessoais dos envolvidos, não faz o menor nexo violar abertamente a Constituição, em parceria com o STF, só para deixar contentes o senador e o deputado.
As outras perguntas possíveis são igualmente elementares.
O que a população brasileira teria a ganhar na prática com a permanência, até o momento ilegal, de Alcolumbre e de Maia nos seus empregos atuais?
Nada, outra vez.
Qual a grande emergência nacional que poderia recomendar uma mudança na Constituição para legalizar os desejos desses dois cidadãos? Nenhuma.
Enfim: qual seria o motivo de interesse público, mesmo teórico, para justificar essa “reeleição”?
Nenhum.
Conclusão: a história toda deveria ser encaminhada para o arquivo morto, e não sair mais de lá.
Só que não: os presidentes atuais do Senado e Câmara continuam sendo tratados pela mídia, pelo mundo político e pelas elites como dois imensos estadistas empenhados no melhor desfecho de uma grave questão nacional.
Não há questão nacional nenhuma. Há apenas uma tentativa de atender a interesses individuais.
Nenhum dos dois, pelo que está escrito na lei, tem o direito de continuar no cargo.
Alcolumbre, pelo menos, teve a sinceridade de admitir que está interessado no que é melhor para ele.
Maia tem feito de conta que é apenas um patriota à espera de decisões superiores; tudo o que deseja é “cumprir a lei”, na condição de defensor número um do “estado de direito” que atribui a si mesmo.
Assim sendo, o presidente do Senado pediu que o STF tomasse essa extraordinária decisão que frequentou as manchetes nos últimos dias: declarar que um artigo da Constituição é inconstitucional.
O artigo em causa proíbe a reeleição dos presidentes das duas Casas do Congresso, nas condições em que estão os mandatos de ambos.
Mesmo deixando de lado a questão central — a absoluta falta de sentido da reeleição —, deveria estar claro, de qualquer forma, que uma mudança na Constituição só poderia ser feita por emenda constitucional, e só os 513 deputados federais e 81 senadores têm o direito de aprovar emendas constitucionais.
Mas não é desse jeito que as coisas funcionam no Brasil de hoje.
O Poder Legislativo aceita, com perfeita passividade, a sua submissão ao Poder Judiciário; em consequência, faz o que o STF manda.
Os atuais presidentes do Senado e da Câmara, quando se esquece a conversa fiada, estão em busca de uma coisa só: a manutenção dos poderes, dos privilégios e da vida de sultão à custa de dinheiro público que a Constituição Cidadã lhes garante — vantagens turbinadas pelas constantes “releituras” da lei que os membros do Congresso vivem fazendo em seu próprio favor.
O STF, naturalmente, não vai decretar a reeleição dos dois — ou pelo menos não se sugeriu essa saída até agora.
Mas é um atestado do naufrágio do Congresso brasileiro que seus comandantes peçam que a lei seja violada — e entreguem o futuro do Poder Legislativo a onze cidadãos que nunca tiveram um voto na vida.
Revista Oeste