terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Um novo time no meio do caminho: as mudanças que afetaram a equipe econômica em 2020

 


 Foto: Divulgação/Ministério da Economia


No fim de 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que seu time tinha sido formado para um mandato de quatro anos. Ele garantiu que não haveria grandes mudanças na equipe econômica, com exceção do então secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, que estaria mais resistente em "cumprir o contrato” e poderia ser dúvida para os anos seguintes. Mas, ainda assim, as negociações caminhavam para ele fechar por mais tempo com a equipe.


“A equipe é muito boa, muito unida e aceitou um mandato de quatro anos. O mais difícil de aceitar esse mandato de quatro anos foi o Mansueto. Mas estamos tentando criar desafios maiores para o Mansueto nos próximos anos. Acho que ele fica conosco mais um tempo. As outras mudanças são fake news [notícias falsas]. Nosso time está unido”, afirmou Guedes em 18 de dezembro de 2019, quando deu coletiva de imprensa de balanço das ações da sua pasta.


Guedes também negou que houvesse desavenças entre a equipe. “Não sei de onde vem esse negócio de que há uma briga. É a mesma coisa que dizem: está a maior briga no Flamengo, está todo mundo querendo sair. Não é o caso, está tudo dando certo”, garantiu o ministro, ao fazer uma analogia com o time rubro-negro, que após ser campeão da Libertadores e dos Campeonatos Brasileiro e Carioca vivia momentos de dúvida sobre a permanência de seus principais astros. Guedes é flamenguista.


Um ano depois, as coisas mudaram, tanto no Flamengo quanto na equipe econômica. Se por um lado o time rubro-negro conseguiu segurar grande parte dos seus jogadores, por outro perdeu o seu leme: o técnico português Jorge Jesus, que foi para o Benfica.


O movimento oposto aconteceu na equipe econômica. O “posto Ipiranga” permanece o mesmo, mas o plantel de secretários está bem diferente daquele que iniciou o governo e participou da coletiva de balanço do primeiro ano de gestão (foto abaixo).



Somente dois dos sete secretários especiais de Guedes permanecem em seus postos desde o início do governo. Foto da coletiva de 18 de dezembro de 2019. Divulgação: Flickr Ministério da Economia

2020: o ano da debandada na Economia

O próprio ministro Paulo Guedes reconheceu que houve uma “debandada” do Ministério da Economia em 2020. E as baixas não ficaram restritas aos cinco prédios na Esplanada dos Ministérios por onde está espalhada a equipe de secretários de Guedes. Atingiram também o setor bancário norte, onde fica a sede I do Banco do Brasil, e até a capital fluminense, onde está instalado o BNDES.


Foram, pelo menos, dez baixas importantes em um ano e meio. Dos sete secretários especiais que começaram com Guedes – todos com status de vice-ministro, pois assumiram funções que antes estavam sob o guarda-chuva de ministérios extintos – somente dois permanecem no time: Carlos da Costa, na Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, e Waldery Rodrigues Júnior, na Secretária Especial de Fazenda.


Waldery, contudo, quase levou cartão vermelho neste ano. Não de Guedes, mas sim do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O secretário divulgou à imprensa que a pasta cogitava congelar aposentadorias e pensões por dois anos para garantir dinheiro para financiar um novo programa social.


A ideia foi rechaçada imediatamente pelo presidente: “Quem porventura vier a propor para mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa. É gente que não tem um mínimo de coração, não tem o mínimo de entendimento como vivem os aposentados do Brasil”, disse em vídeo postado nas suas redes sociais.


O caso acabou esfriando e Waldery foi mantido no cargo. Ele, inclusive, posou sorridente ao lado de Bolsonaro em foto recente tirada no gabinete presidencial. Na imagem, secretários especiais de Guedes e assessores palacianos. Rotos diferentes da foto da coletiva de 2019.



Audiência do presidente Jair Bolsonaro com Paulo Guedes e seu time, em 8 de dezembro de 2020. Foto: Marcos Corrêa/PR/Flickr Palácio do Planalto| Marcos Correa

Mansueto, apesar das insistências de Guedes, deixou a secretaria do Tesouro Nacional em julho deste ano. Mas em junho ele já tinha anunciado sua saída para seguir, após a quarentena obrigatória de seis meses, para o mercado privado, onde será sócio e economista-chefe do BTG. Foi o início da debandada da equipe econômica.


Também pediram para deixar seus cargos no meio do ano Caio Megale (diretor de programas da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia), Rubem Novaes (presidente do Banco do Brasil), Salim Mattar (secretário especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados) e Paulo Uebel (Desburocratização, Gestão e Governo Digital). Eles alegaram razões pessoais para deixar o governo e, nos dois últimos casos, também mencionaram insatisfação com o rumo da agenda econômica.


Mattar disse que não há "vontade política" para avançar com a venda de estatais, a principal missão da sua secretaria. De fato, nenhuma estatal de controle direto da União foi vendida em dois anos de governo.


Uebel reclamou que não havia perspectiva de envio da reforma administrativa ao Congresso. O texto tinha sido terminado por sua equipe em outubro de 2019, mas ficou engavetado no Planalto. Curiosamente, após a saída do secretário, o texto enfim chegou à Câmara – só que bem mais modesto do que a versão inicial desenhada por Uebel e equipe.


Antes da “debandada” do meio do ano de 2020, outros nomes importantes já haviam deixado o time de Guedes, seja por decisão própria ou política. É o caso de Joaquim Levy e Marcos Cintra, ambos demitidos pelo presidente Jair Bolsonaro dos cargos de presidente do BNDES e secretário da Receita Federal, respectivamente; de Marcos Troyjo e Rogério Marinho, secretários especiais promovidos a outros cargos; e de Alexandre Manoel, secretário de Planejamento, Loteria e Energia, que saiu alegando cansaço.


Lista

Relembre as principais baixas na equipe econômica em dois anos e veja quem está atualmente nos cargos:


O time da economia

Confira como está a escalação dos principais nomes da equipe econômica após dois anos de governo:


*não existia em 2019. Era apenas um programa, ligado ao Planalto. Depois, foi incorporado ao Ministério da Economia e ganhou o status de secretaria especial


Fonte: Ministério da Economia, bancos públicos e Petrobras Mais infográficos


Salim Mattar

O ex-secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, afirmou que deixou o governo em agosto de 2020. Ele alegou que não há "vontade política" para avançar com a venda de estatais e que seu trabalho seria mais útil fora do governo do que dentro. Diogo Mac Cord foi nomeado em seu lugar.


A secretaria especial de Mattar não existia e foi criada por Guedes para comandar a agenda de privatizações, uma promessa de campanha. Em entrevista à Gazeta do Povo, o ex-secretário reclamou que a máquina pública não admite transformações e que a cultura é tirar ao invés de dar ao cidadão.


Paulo Uebel

Paulo Uebel deixou o governo junto com Mattar. Ele era secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, cargo equivalente ao extinto Ministério do Planejamento. Está na função agora Caio Mário Paes de Andrade.


Uebel tinha como principal missão a realização da reforma administrativa. De acordo com o próprio ministro Paulo Guedes, porém, a reforma foi barrada pelo presidente Jair Bolsonaro, que considerou não haver "timing político" para o envio do projeto ao Congresso. O texto só foi desengavetado neste fim de ano, mas numa versão bem mais modesta que a desejada pela equipe econômica.


Caio Megale

Outro nome a deixar o Ministério da Economia em agosto de 2020 foi o de Caio Megale, então diretor de Programas da Secretaria Especial de Fazenda. A secretaria exerce as mesmas funções do extinto Ministério da Fazenda. Passam, por ela, todas as principais decisões e estratégias do governo.


Pesou na decisão de Megale o desejo de voltar para São Paulo para ficar próximo da família e de retornar à iniciativa privada. Ele acabou virando economista-chefe da XP Investimentos. Não precisou cumprir o período de quarentena.


Rubem Novaes

Dois dias antes da saída de Megale, foi Rubem Novaes quem anunciou o pedido de demissão do cargo de presidente do Banco do Brasil (BB). A decisão estava tomada desde maio. Em seu lugar, assumiu André Brandão, ex-HSBC.


Novaes alegou razões pessoais e disse não ter se adaptado “à cultura de compadrio em Brasília”. Novaes era um dos nomes mais próximos de Guedes. Os dois estudaram na Universidade de Chicago, berço do liberalismo econômico. O economista estava na presidência do BB desde janeiro de 2019 e desejava privatizar o banco, sonho que foi barrado pelo presidente Jair Bolsonaro.


Mansueto Almeida

No dia 15 de julho de 2020, Mansueto Almeida deixou o cargo de secretário do Tesouro. Assumiu o seu lugar o economista Bruno Funchal. Foi o primeiro grande pedido de demissão da equipe econômica montada pelo ministro Paulo Guedes. Outros nomes que saíram antes ou foram demitidos ou foram promovidos a cargos melhores.


Assim como Megale e Novaes, Mansueto pediu para sair por razões pessoais. Ele alegou que a ideia era ficar somente seis meses no governo Bolsonaro, mas acabou estendendo sua permanência por um ano e meio. Mansueto também se disse cansado do serviço público e ressaltou o desejo de ir para a iniciativa privada, após o período obrigatório de quarentena.


Marcos Troyjo

Marcos Troyjo foi outro nome importante a deixar a equipe de Guedes, mas por um bom motivo. Ele foi indicado pelo governo brasileiro e depois chancelado por unanimidade pelo Conselho de Governadores para a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês). O banco é conhecido como "Banco dos Brics".


O mandato de Troyjo começou em julho. O principal objetivo do NDB é apoiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, públicos ou privados, nos Brics e em outras economias emergentes.


Antes de ir para o NDB, Troyjo era secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia. Ele foi um dos responsáveis por fechar o acordo entre Mercosul e União Europeia, depois de mais de 20 anos de tratativas. Troyjo é diplomata. Em seu lugar no Ministério da Economia ficou o economista Roberto Fendt.


Alexandre Manoel

Em março deste ano, Alexandre Manoel deixou, por decisão própria, o cargo de Secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia. A Secap é a responsável por avaliar políticas públicas e tributárias do governo federal. No comando agora está Pedro Calhman de Miranda.


Manoel estava no cargo desde 2018. Dois anos antes, trabalhou com Mansueto Almeida no Tesouro Nacional. Ele resolveu deixar o governo também por razões pessoais. É economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).


Rogério Marinho

Em fevereiro, foi a vez de Rogério Marinho sair da equipe de Guedes. Ele foi promovido de secretário especial de Previdência e Trabalho para ministro do Desenvolvimento Regional, pasta que toca políticas públicas de saneamento, habitação e mobilidade, e é responsável pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) – transformado em Casa Verde e Amarela – e pela Defesa Civil. A promoção foi uma decisão do presidente Jair Bolsonaro em comum acordo com Guedes.


Marinho se destacou na equipe econômica ao liderar a reforma da Previdência do governo Bolsonaro, aprovada em outubro do ano passado. Constantemente, seu nome era ventilado para ocupar alguma posição de ministro. Antes, Marinho foi deputado federal pelo Rio Grande do Norte por três mandatos. Ele foi o relator da reforma trabalhista do governo Temer.


Agora, Marinho e Guedes são desafetos públicos. O ministro da Economia se considera traído por seu ex-funcionário, que defende flexibilizar o teto de gastos para poder gastar mais com obras. O novo secretário especial de Previdência e Trabalho é Bruno Bianco Leal.


Marcos Cintra

Marcos Cintra foi o primeiro secretário especial da Receita Federal do governo Bolsonaro. Ele foi demitido pelo presidente em setembro de 2019, após defender a criação de um imposto sobre movimentações financeiras, nos moldes da antiga CPMF.


Cintra foi trazido por Guedes para a equipe econômica para liderar a reforma tributária. Em seu lugar, assumiu José Barroso Tostes Neto, que antes era especialista líder em Gestão Fiscal e Municipal do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Guedes também chamou a tributarista Vanessa Canado para liderar, ao lado de Tostes, as discussões sobre a reforma tributária.


Joaquim Levy

Joaquim Levy foi o primeiro grande nome da equipe econômica a deixar o governo Bolsonaro. Ele era presidente do BNDES e teve de pedir demissão após ser "fritado" publicamente pelo presidente. Levy foi alvo de críticas de Bolsonaro por ter nomeado o advogado Marcos Barbosa Pinto para o cargo de diretor de Mercado de Capitais do banco de fomento. Pinto foi assessor do BNDES durante o governo Lula, do PT, de 2005 a 2007 – o que irritou Bolsonaro.


Além da nomeação de Pinto, Bolsonaro estava irritado com a demora para abrir a chamada “caixa-preta” do BNDES, uma promessa de campanha do presidente para trazer luz a supostos empréstimos ilegais ou imorais feitos durante os governos petistas. Antes de assumir o BNDES, Levy foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff. Gustavo Montezano assumiu a presidência do banco de desenvolvimento.


Jéssica Sant'Ana, Gazeta do Povo