quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

"2020: uma retrospectiva igual, mas diferente", por Paulo Polzonoff Jr.

 


O trepidante e pandêmico ano de 2020.| Foto: Pixabay


O ano começou com uma picuinha tão inhazinha que é até difícil pensar que eu gastei tempo e vocabulário escrevendo sobre ela: o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi espinafrado pela esquerda paulofreireana por ter escrito impressionante com “c” num tuíte. Logo depois, a mesma esquerda paulofreireana que num passado nem tão remoto assim repudiava todas as coisas que viam dos Estados Unidos celebrou a indicação de “Democracia em Vertigem” ao Oscar.


Me animei todo e pensei: “Este ano eu se consagrado”. Falei dos livros mais vendidos, imaginei uma estatal brasileira de pesquisa na Internet, a Googlebrás, ensinei história a uma professora de história e falei sobre a política do ressentimento depois que o ex-secretário da cultura Roberto Alvim gravou um vídeo bizarro com passagens tiradas de um discurso nazista.


Aí aconteceu ele: o coronavírus, rapidamente rebatizado de Covid-19. Assim que as primeiras notícias sobre a doença apareceram nas agências internacionais, surgiram também os primeiros elogios à forma como a China tratava dos doentes e infectados: com totalitarismo. Não deu outra. Escrevi, na sequência, um texto sobre o medo sendo usado como instrumento político e, alguns dias mais tarde, identifiquei o Fetiche da Peste por trás da Covid-19.


Mas ainda estávamos em janeiro. A vida ainda era “normal”. No comecinho de fevereiro, veio o Oscar e, bom, “Democracia em Vertigem” perdeu. Aí choveu muito em São Paulo - como acontece todos os anos. E Paulo Guedes falou algo sobre as empregadas domésticas que deixou todo mundo indignado. Lembro-me como se fosse hoje de quando comecei a escrever um texto sobre Simone Weil, sobre Suzi, o assassino transformado em vítima da sociedade por Drauzio Varela e sobre os tiros disparados contra Cid Gomes – e que, para mim, viriam para marcar o fim do que eu e o mundo entendíamos por normalidade.


Monotema

Coronavírus, coronavírus, coronavírus. A partir de março, a vida começou a ficar monotemática. Tentei encontrar o lado bom do pânico envolvendo o coronavírus - como se houvesse um. Tentei mostrar como o vírus foi transformado em arma ideológica. Tentei dar esperança ao leitor. Tentei fazer com que eles rissem. Mas era tarde demais. As pessoas já estavam obcecadas pela pandemia e, todos os dias, no final da tarde, se sentavam diante da TV para ouvir o então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, dar uma coletiva de imprensa.


No meio disso tudo, dei receita de morceguinho frito, li a autobiografia de Woody Allen e até compus profecias de Nostradamus. Estamos em abril. A esperança, nessa época, era de que a vida voltasse ao normal em agosto. Eu não via a hora de voltar a falar de política ou qualquer outro assunto menos chato do que a Covid-19. E minhas preces foram brevemente atendidas quanto Sergio Moro pediu demissão do Ministério da Justiça e as pessoas começaram a sair às janelas para protestar com o tradicional batuque de panelas.


Entre um e outro texto sobre pandemia, deu para falar de cultura. Deu para falar sobre Ricky Gervais, por exemplo. E Millôr Fernandes. E Jerry Seinfeld. Deu para falar até mesmo sobre basquete. E o negócio era aproveitar para falar mesmo, porque logo em seguida veio o infame inquérito secreto do STF e, bom, eu até queria fazer piada com isso, mas não tenho dinheiro para pagar advogado.


Enquanto a parte “obediente” do mundo se fechava em casa por causa da Covid-19, antifas quebravam estátuas pelo mundo. Inclusive a de Winston Churchill, acredita? Eles queriam apagar a história – mas acho que não deu muito certo. De qualquer forma, me dispus a aprender mais sobre os antifas “frequentando” um curso da Juventude Socialista. E, como aprender nunca é demais, logo em seguida fiz um curso com Márcia Tiburi no qual aprendi que sou um fascista incorrigível.


Santos e loucos

Aí em junho o STF mandou prender pessoas por defenderem “pautas antidemocráticas”. E lá fui eu me meter a defender gente como Oswaldo Eustáquio. E não apenas uma, mas duas, três vezes! Enquanto isso, e sem precisar de qualquer defesa, o queridinho da imprensa Hélio Schwartsman dizia tranquilamente que desejava a morte do presidente. Me pergunta se alguém o incomodou? Claro que não.


Por essa época, brilhou a estrela de Felipe Neto, que gravou um vídeo cheio de bobagens para o New York Times. Animadinhos com a Covid-19, os esquerdistas saíram do armário. Houve até quem dissesse que a sociedade brasileira tinha que perdoar o PT. Para piorar, meu amigo Leandro Narloch foi "cancelado". E, bom, como não tenho estômago de avestruz, em meio a isso tudo dei um jeito de publicar um poema de Bruno Tolentino, sugerindo que tínhamos que ouvir mais os santos e menos os loucos.


Mas acho que estava me enganando. Porque logo em seguida Átila Iamarino apareceu com sua grita apocalíptica. Um desembargador foi achincalhado por se recusar a usar máscara na praia. Pregava-se a existência de ameaçadoras nuvens de gafanhoto - que obviamente não tiveram as proporções bíblicas que alguns imaginavam. E até a CPMF falaram em ressuscitar, o que ao menos rendeu um txto que adrei screver, mas qe pocos entederam.


Aí uma menina, por acaso frequentadora de baile funk, foi assassinada no interior de São Paulo. Efeito colateral do que chamava há alguns meses de “fascismo sanitário”. Estamos em agosto. Será que 2020 terá fim? Pior: será que chegarei vivo até o fim dele? Teve Dia dos Pais com... Thammy Miranda. E uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas foi por esses dias que começaram com esse papo de genocídio. Não dá nem para acreditar, né, mas há pessoas que realmente preferem a escravidão à liberdade.


Eu, que não sou bobo bem nada, procurava coisas aleatórias para manter a sanidade. Um dia, procurando a esmo no catálogo dos serviços de streaming, me deparei com uma peça de teatro interativa – para mim, a antevisão do inferno. Nela, contudo, descobri outros bons sentidos para a vida. Como, por exemplo, fazer o leitor rir. Não à toa, por esses dias surgiu um texto sobre a Escolinha do Professor Raimundo no STF.


Falei ainda do caso Flordelis (no qual, com alguma ousadia, falei também de Guimarães Rosa), de Cobra Kai, da mania da esquerda de querer convencer por meio do xingamento. E daí fui dar uma opinião sobre a Lava Jato e acabei irritando o leitor com meu “excesso de sutileza”. Desculpe. Como “castigo”, sobrou para mim a tarefa de ler o Livro Vermelho de Mao. Foi quando começaram as primeiras e boas notícias sobre a vacina contra a Covid-19. Para minha surpresa, contudo, as pessoas, ainda em setembro, rejeitavam a ideia de uma vacina. Não entendo mais nada – e quem dizer que entende provavelmente estará mentindo.


Rapper

Aí falei dessa péssima mania brasileira de idolatrar professor como se eles fossem santos. Houve quem ficasse furioso comigo – e eu realmente compreendo. Mas o texto estava engasgado, entende?Tentei explicar o sucesso de Bolsonaro usando, para isso, o livro “O Mito do Eleitor Racional”. E falei mais do que devia sobre o processo seletivo racial do Magazine Luiza. Nesse período, a crônica que mais gostei de escrever estava recheada de infames trocadilhos típicos de pet-shops. E saí para miniférias.


Voltei compondo rap! E contando a história de Kurt, fã de Zéfiro e figurante de “De Volta para o Futuro”. E lembrando de meus cafés com Dalton Trevisan. E questionando o que leva uma pessoa a queimar uma igreja. E tentando entender o Papa Francisco. E emulando Cortázar num jogo rápido de amarelinha (mas só para os leitores mais generosos). Quando dei por mim, percebi que o ano estava chegando ao fim e declarei aberta a temporada de textos sobre o Especial de Natal do Porta dos Fundos.


Aí quem deu o ar da graça? Os anões morais adormecidos do Sleeping Giants. Um homem foi morto por seguranças do Carrefour e, surpresa!, eu estava lá, ou melhor, aqui para comentar. Morreu Maradona, idem. Teve documentário com crianças trans, ibidem. “Bacurau” foi exibido na TV aberta, tribidem.


Já estamos em dezembro – meu mês preferido, por motivos óbvios. Ao escrever sobre o filme de Leandro Hassum, lembrei que tinha de sair correndo para comprar panetone e os presentes de Natal. E também um autopresente de aniversário: um dia como trans não-binário. Meio a contragosto e meio por masoquismo, assisti ao Especial de Natal do Porta dos Fundos. E pus Greta Thunberg para enfrentar a natureza hostil em “Largados e Pelados”. Realizei ainda o sonho de escrever um minifolhetim contando os bastidores do amigo secreto do STF. E, já no finzinho do ano, pus os artistas esquerdistas todos na Candelária para um showmício em defesa de Oswaldo Eustáquio.


Nos estertores do ano, pretendia me despedir com algum tipo de mensagem otimista. Mas aí me dei conta de que, infelizmente, 2020 mostrou que muita gente prefere a segurança falsa da escravidão às responsabilidades da liberdade. Fui escrever sobre isso, mas o texto saiu amargo demais para uma antevéspera de Ano Novo. Assim, dei por encerrado o ano, com a esperança de que, em 2021, o ser humano abandone a arrogância de uma ciência que está longe de ser onisciente e recupere ao menos o prazer de respirar sem que o Estado o obrigue a usar um pedaço de pano na cara.


Gazeta do Povo