Pelé, Rivellino, Tostão, Jairzinho, Gérson. A coleção de talentos era de tirar o fôlego, e o resultado acabou sendo o esperado: Brasil campeão mundial.
Para relembrar o tricampeonato conquistado nos gramados do México, que completa 50 anos neste domingo, O GLOBO publica, diariamente, análises táticas detalhadas de cada partida daquela inesquecível campanha. Depois da vitoriosa estreia sobre a Tchecoslováquia, é vez de analisar o apertado triunfo sobre a Inglaterra.
Dois lances icônicos emergem sempre que se busca nas memórias o Brasil x Inglaterra da Copa de 1970, para alguns o encontro dos dois grandes times da Copa, a final que terminou por não acontecer: a defesa de Banks na cabeçada de Pelé e o slalom de Tostão entre defensores rivais no gol de Jairzinho, o único da partida. Duas joias que, no entanto, tendem a esconder o equilíbrio, ou mesmo os largos momentos de predominância inglesa, em um formidável jogo de futebol.
É curiosa a noção de que a tática, a estratégia, é um elemento recente no futebol. O que pode ter se alterado é um certo nível de sofisticação gerado pela falta de espaço, pelo avanço físico. São novas respostas que o jogo exige diante de circunstâncias que se apresentam mais complexas. Mas a preocupação com a forma de chegar ao gol, com o estilo, com a distribuição dos jogadores em campo, sempre fez parte do jogo.
Brasil x Inglaterra foi também um duelo de ideias, de estilos. De um lado uma Inglaterra que, para os padrões da época e para o calor mexicano, negava espaços com um time compacto e uma defesa fortíssima. Uma equipe ordenada, muitas vezes com um jogo direto embora também tramasse com passes. De outro lado a aposta brasileira no movimento, na fluência. Mas uma mudança forçada fez a seleção de Zagallo ter problemas.
Gérson estava ausente e, assim como na parte final da estreia com a Tchecoslováquia, Rivelino foi o segundo meio-campista. O que gerou uma reação em cadeia. O Brasil perdeu o seu melhor organizador de jogo. Ninguém como Gérson organizava a equipe de trás. Perdeu também o movimento de Rivelino da ponta esquerda para o centro, criando incertezas nas defesas rivais com uma mobilidade rara naqueles tempos. Com Paulo César Caju, ganhou um outro ponta, este mais fixo pelo lado esquerdo, ainda que fosse destro e buscasse o corte para dentro e o chute.
Ou seja, a seleção ficou em inferioridade no meio-campo diante do 4-4-2 inglês. Allan Ball e Martin Peteres, os meias pelos lados, jogavam mais fechados junto a Mullery e Bobby Charlton. O Brasil perdia a sua sequência de passes desde a defesa, Tostão e Pelé se isolavam na frente e o time perdeu sua identidade de jogo ao ter em Jairzinho e Caju dois pontas mais abertos: a mobilidade e a troca de passes. Recorreu a muitas bolas esticadas. Ainda assim, a célebre defesa de Banks ocorre numa preciosa bola longa de de Carlos Alberto para Jairzinho cruzar e achar Pelé.
Ocorre que, por quase 30 minutos, os ingleses foram mais presentes. A defesa brasileira, longe de ser uma rocha, até suportava bem. Mas cedia terreno a cada inversão de bola para os lados do campo. Foi assim que Francis Lee obrigou Felix a uma defesa extraordinária.
Ocorre que, por quase 30 minutos, os ingleses foram mais presentes. A defesa brasileira, longe de ser uma rocha, até suportava bem. Mas cedia terreno a cada inversão de bola para os lados do campo. Foi assim que Francis Lee obrigou Felix a uma defesa extraordinária.
Questões táticas à parte, este grande jogo, intenso para a época e para o calor mexicano, era um desfile de virtuosos. Pelé sofre dois desarmes de Bobby Moore em lances emblemáticos de um defensor capaz de roubar a bola com uma sutileza incomparável. Allan Ball tem momentos brilhantes na distribuição de jogo, Carlos Alberto Torres protagoniza lances de altíssima técnica e, apesar das diferentes características, Rivelino teve passagens iluminadas no meio-campo. Tudo isso para chegar na mais sublime jogada da partida. O Brasil vivia seu melhor momento, com mais volume. Clodoaldo e Rivelino achavam os atacantes com mais frequência quando Tostão acerta uma sequência de dribles e cruza para Pelé rolar e Jairzinho fulminar Banks.
Daí em diante, a seleção se defende num jogo que vai perdendo ritmo por questões físicas. A Inglaterra aposta de vez nas bolas altas e faz o Brasil sofrer. Além do chute de Ball no travessão, Charlton tem ótima oportunidade e Astle perde gol inacreditável. Quase sempre, os ingleses ganhavam os rebotes das disputas aéreas. Fisicamente preparada, a seleção volta a incomodar em contragolpes no fim.
Não seria injusto o empate, mas a discussão sobre o resultado é menos importante do que um registro: trata-se de um dos grandes clássicos da história das copas. O cumprimento final entre Bobby Moore e Pelé resume a concentração de talento naquele campo de Guadalajara.
Daí em diante, a seleção se defende num jogo que vai perdendo ritmo por questões físicas. A Inglaterra aposta de vez nas bolas altas e faz o Brasil sofrer. Além do chute de Ball no travessão, Charlton tem ótima oportunidade e Astle perde gol inacreditável. Quase sempre, os ingleses ganhavam os rebotes das disputas aéreas. Fisicamente preparada, a seleção volta a incomodar em contragolpes no fim.
Não seria injusto o empate, mas a discussão sobre o resultado é menos importante do que um registro: trata-se de um dos grandes clássicos da história das copas. O cumprimento final entre Bobby Moore e Pelé resume a concentração de talento naquele campo de Guadalajara.
Carlos Eduardo Mansur, O Globo