sábado, 4 de abril de 2020

Câmara aprova ‘Orçamento de guerra’ para aumentar gastos públicos durante a crise provocada pelo vírus chinês

Câmara dos Deputados aprovou nesta sexta-feira, em primeiro e segundo turnos, o chamado Orçamento de guerra, que permite a ampliação das despesas públicas para conter o vírus chinês, sem as amarras que hoje restringem os gastos federais. 
O texto dá ao governo a segurança jurídica necessária para gastar o que for preciso para conter o avanço da Covid-19, além da adoção de medidas econômicas relacionadas à pandemia. A proposta de emenda à Constituição (PEC) foi aprovada, no primeiro turno, por 505 votos a favor e 2 contra. No segundo, quando alguns parlamentares já haviam saído, por 423 a favor e um contra. Eram necessárias duas votações por ser uma mudança na Constituição.
A expectativa é que a votação no Senado ocorra na semana que vem, mas ainda não há data.
— É um texto que vai dar as condições para que o governo brasileiro possa ter agilidade, maior transparência e maior segurança jurídica para tomar as decisões corretas — disse Maia. — A emenda constitucional dá ao governo todas as condições para que a gente possa investir, garantir vidas, garantir empregos e a solvência das empresas, e também cuidar dos mais vulneráveis.
O presidente da Câmara ressaltou que a PEC dá condições para gastar mais de 10% do PIB para enfrentar a crise:
— Estamos dando as condições para que o governo gaste mais de 10% do PIB, R$ 600 bilhões, R$ 700 bilhões. É isso que vamos precisar gastar, como os outros países também estão gastando. Gastando não, também estão investindo, em um momento tão delicado.
Pela manhã, em um seminário na internet, promovido pelo jornal Valor Econômico, Maia havia afirmado que “o Brasil não pode ter vergonha de gastar”, pois está vivendo um “momento de guerra”.

Comitê de crise

A PEC ainda cria um comitê de crise, comandado pelo presidente Jair Bolsonaro e composto por ministros e secretários estaduais, além de deputados. Esse colegiado terá poder de anular atos e contratos celebrados pela União e suas autarquias e empresas públicas. O Congresso poderá sustar qualquer decisão do comitê.
A proposta autoriza a contratação de pessoal, obras e serviços, além da realização de compras por meio de um processo simplificado, mais rápido que as regras atualmente estabelecidas.
Para ampliar os gastos públicos durante a crise, a PEC permite que as despesas relacionadas ao combate à pandemia e seus efeitos na economia sejam feitas sem o cumprimento das regras que hoje regem o Orçamento público. Esses gastos, porém, não podem ser permanentes e ficarão limitados à crise.
Uma das regras em vigor hoje, por exemplo, é a necessidade de indicar fonte de financiamento para os gastos. Com a PEC, as despesas devem ser cobertas com a emissão de dívida pelo governo.
— É como se fosse um cofre separado, onde vamos colocar o dinheiro da poupança dos cidadãos, vamos endividar os nossos filhos, para sanar um problema gerado pela pandemia — disse o líder do PSDB, Eduardo Cury (SP).
A PEC prevê validade retroativa a 20 de março. Os técnicos do governo têm receio de assinar os atos necessários para gastar com a crise devido às restrições das regras orçamentárias. Por isso, essa medida é importante para dar segurança ao que já foi publicado.
O Orçamento de guerra segrega os gastos impostos pela crise das despesas tradicionais do governo. É uma forma de garantir a continuidade do ajuste fiscal quando a pandemia passar. Ou seja, apesar de permitir um aumento de gastos este ano, determina a volta das medidas de contenção de despesas em 2021.
O texto permite ao governo emitir dívida para pagar as ações. A chamada regra de ouro — que proíbe o governo de emitir dívida para pagar despesas correntes, como salários — fica suspensa este ano, o que atende a equipe econômica.
— A primeira preocupação é com a vida, depois com o emprego e com as empresas. Essa PEC vai garantir que o governo não tenha travas para disponibilizar recursos para o enfrentamento dessa crise — disse o líder do MDB, Baleia Rossi (SP).

Sem corte de salários

Após a líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), fazer uma reclamação durante a sessão, Maia vetou a possibilidade de apresentação de nove emendas ao texto.
A decisão revoltou os deputados do partido Novo. Eles queriam incluir na PEC uma emenda que liberava o uso de verba dos fundos partidário e do fundo eleitoral para o combate ao coronavírus. A atitude de Maia impossibilitou que esse trecho fosse votado separadamente.
Maia justificou a decisão argumentando que o Regimento Interno da Câmara não permite a apresentação de emendas estranhas ao tema central da proposta. Segundo ele, as nove emendas não tinham relação com o assunto.
O relator, deputado Hugo Mota (PR-PB), rejeitou outra emenda, que previa o corte de salários de servidores federais durante a crise.

BC mais atuante

O projeto também autoriza o Banco Central (BC) a comprar títulos do Tesouro Nacional e dívidas de empresas diretamente no mercado. A ideia foi apresentada pela autoridade monetária para possibilitar ações mais eficazes no combate aos efeitos econômicos da crise do coronavírus. Atualmente, o BC só pode atuar por meio do sistema bancário, não diretamente no mercado.
As regras sobre o BC foram consideradas polêmicas e objeto de discussões no plenário.
O projeto permite que o BC auxilie o funcionamento do mercado de títulos públicos, dando liquidez e equilibrando a oferta e demanda.
A proposta também permite a compra de crédito direto no mercado. Na prática, o BC compra os títulos e assume o risco do não pagamento das dívidas. Dessa forma, o crédito pode fluir com mais facilidade.
Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a medida pode ser efetiva:
— É um instrumento adicional, que moderniza a ação de política monetária do Banco Central, que já é estabelecida e praticada em países desenvolvidos.
A autorização, porém, é para atuação apenas no mercado secundário, ou seja, somente para ativos que já são negociados. Ou seja, o BC não pode comprar títulos diretamente do Tesouro ou crédito diretamente das empresas.
O relator incluiu a previsão de que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, preste conta das operações ao Congresso a cada 45 dias. Os instrumentos só poderão ser usados durante a pandemia.

Manoel Ventura, Bruno Góes e Gabriel Shinohara, O Globo