O alvoroço da semana passada nos mercados brasileiros causado pela disparada súbita do dólar, por especulações de que a cotação da moeda americana pudesse chegar a R$ 5, e pela pressão para que o Banco Central respondesse elevando os juros, como fizeram recentemente Argentina, Turquia e Índia expôs, os diferentes tipos de vulnerabilidade que afetam os países emergentes. Desde que a debandada de investidores desses mercados teve início no fim de abril, os temores relativos a diferentes países se acentuaram. Contudo, o risco de cada um pede avaliação mais criteriosa.
A Argentina, após sofrer intensa corrida contra sua moeda em maio, acaba de receber significativo apoio do FMI. No fim da semana passada, foi anunciado um “Stand-by Arrangement” (SBA) – a linha tradicional de empréstimos do Fundo – de US$ 50 bilhões a serem desembolsados ao longo dos próximos 36 meses após as usuais avaliações trimestrais. O montante do programa da Argentina equivale a 1.100% de sua cota no FMI, o que o caracteriza como “excepcional” de acordo com as diretrizes do organismo internacional – geralmente, o acesso aos recursos do FMI no âmbito de um SBA não deve exceder 435% da cota ao longo da vigência do programa.
Apenas para lembrar os leitores, a Argentina recorreu ao FMI no início de maio, após intensa especulação contra o peso. A turbulência teve origem na saída de investidores de países emergentes, porém ganhou intensidade no caso argentino pelas vulnerabilidades do país: déficit externo de 5,5% do PIB, reservas abaixo dos níveis considerados adequados pelo FMI, necessidade de dólares para cobrir pagamentos da dívida externa. Embora a situação argentina permaneça volátil, o tamanho do pacote do FMI negociado rapidamente revela o apoio da comunidade internacional às medidas e reformas econômicas do governo Macri, que tem penado para consertar anos de desvarios sob a tutela de Cristina Kirchner.
A Turquia, outro país severamente atingido pela onda de aversão ao risco dos mercados, tem situação semelhante à da Argentina, com graves riscos no balanço de pagamentos e no montante de reservas internacionais de que dispõe. Na verdade, a posição da Turquia assemelha-se à da Argentina, com déficit externo elevado, necessidade de divisas, e reservas abaixo dos níveis recomendados pelo FMI. Ao contrário do país sul-americano, entretanto, a Turquia não recorreu ao FMI – ao menos, não ainda. O Banco Central de lá elevou os juros e tem atuado nos mercados de câmbio para conter o deslize da lira.
O terceiro país que se viu forçado a elevar os juros para conter a forte desvalorização de sua moeda foi a Índia. O país tem vasto colchão de reservas internacionais – um excedente de cerca de US$ 200 bilhões usando-se a métrica do FMI – e um déficit externo de mais ou menos 2% do PIB. Contudo, as empresas indianas estão mais expostas do que as empresas de outros países emergentes a determinados riscos externos, conforme documentou recentemente um estudo do Fed, o banco central dos EUA. Portanto, a tentativa de frear a desvalorização da rupia por meio da alta de juros teve como um de seus objetivos evitar que empresas com dívidas em dólares sofressem uma elevação abrupta de seu passivo caso estivessem sem cobertura cambial.
Ao contrário desses três países, o Brasil não tem déficit externo elevado, não tem necessidades de divisas estrangeiras para fazer frente às suas obrigações externas, não tem dívidas corporativas em dólares tão elevadas como as da Índia, e dispõe de amplas reservas internacionais, conforme discuti em artigo da semana passada. Portanto, a turbulência brasileira teve origem não apenas na mudança de humor dos mercados internacionais em relação aos ativos de países emergentes, mas também nas ramificações políticas da crise dos caminhoneiros, e na tardia avaliação dos riscos políticos que o País enfrentará nos próximos meses.
A resposta célere do Banco Central no fim da semana passada, sublinhando a ausência de riscos no balanço de pagamentos, o comprometimento com o regime de câmbio flutuante, e a descrição transparente das medidas para acalmar os mercados de câmbio foi certeira. Não há dúvida de que, com a aproximação das eleições e a indefinição do quadro, mais surtos de turbulência hão de vir. No entanto, por ora, temos margem de atuação maior do que outros países, apesar do imenso rolo fiscal que o próximo governo terá de enfrentar. Cada qual com o risco que merece.
ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
Estado de São Paulo