quinta-feira, 21 de junho de 2018

"O euro pode ser salvo?", por Joseph E. Stiglitz

Os cidadãos querem permanecer na União Europeia, mas, também, o fim da austeridade e a volta à prosperidade


O euro pode estar perto de uma nova crise. Itália, a terceira maior economia da zona do euro, optou pelo que pode ser descrito como um governo eurocético. Isto não deveria surpreender ninguém. O retrocesso na Itália é mais um episódio previsível (e previsto) na longa saga de uma moeda mal projetada, em que o poder dominante, Alemanha, impede as necessárias reformas e insiste em políticas que exacerbam os problemas inerentes, mediante uma retórica aparentemente arquitetada para inflamar paixões.

A Itália tem tido um desempenho fraco desde o lançamento do euro. Seu PIB real (ajustado pela inflação) em 2016 foi o mesmo de 2001. Mas a zona do euro como um todo também não tem se saído bem. Entre 2008 e 2016, seu PIB real cresceu apenas 3% no total. Em 2000, um ano após a criação do euro, a economia americana era apenas 13% maior do que a da zona do euro; em 2016, essa diferença era de 26%. Após um crescimento em torno de 2,4% em 2017 — insuficiente para inverter os danos de uma década de fraco desempenho — a economia da zona do euro está vacilando novamente.

Se um país vai mal, culpe o país; se muitos países vão mal, culpe o sistema. E o euro foi um sistema praticamente desenhado para falhar. Ele anulou os principais mecanismos de ajuste dos governos (taxas de juros e de câmbio); e, em vez de criar novas instituições para ajudar as nações a lidarem com situações diversas, impôs novas restrições — em geral, baseadas em teorias econômicas e políticas desacreditadas — sobre déficits, dívida, e até mesmo políticas estruturais.

Esperava-se que o euro trouxesse uma prosperidade compartilhada, o que iria aumentar a solidariedade e avançar a integração europeia. No fim, fez o oposto, reduzindo o crescimento e alimentando a discórdia.

O problema não é uma ausência de ideias sobre como avançar. O presidente francês, Emmanuel Macron, em dois discursos, na Sorbonne, em setembro passado, e quando recebeu o Prêmio Charlemagne pela Unidade Europeia, em maio, articulou uma visão clara do futuro da Europa. Mas a chanceler alemã, Angela Merkel, jogou água fria em suas propostas, sugerindo, por exemplo, pequenos investimentos em áreas onde são urgentemente necessários.

Defendi enfaticamente a necessidade de um esquema de seguro de depósito, para evitar especulações contra os sistemas bancários em países debilitados. A Alemanha parece reconhecer a importância de uma união bancária para o funcionamento da moeda única, mas, como Santo Agostinho, sua resposta tem sido: “Oh senhor, torne-me puro, mas não ainda.” A união bancária aparentemente é uma reforma para ser implementada em algum momento no futuro, independentemente das mazelas do presente.

O problema central numa área de moeda comum é como corrigir os desalinhamentos da taxa de câmbio como o que está afetando agora a Itália. A resposta da Alemanha é colocar o fardo nas nações fracas, que já estão sofrendo com alta taxa de desemprego e baixos níveis de crescimento. Sabemos bem para onde isso caminha: mais dor, mais sofrimento, mais desemprego e uma expansão ainda menor. Mesmo se o crescimento se recuperar, o PIB nunca alcançará o patamar que teria atingido se uma estratégia mais sensível tivesse sido adotada. A alternativa é substituir o fardo do ajuste sobre as nações mais fortes, com maiores salários e demanda robusta apoiada por programas públicos de investimento.

Já assistimos ao primeiro e segundo atos desta peça várias vezes. Um novo governo é eleito, prometendo fazer um trabalho melhor, negociando com os alemães para acabar com a austeridade e desenhar um programa de reforma estrutural mais razoável. Mesmo que os alemães se movam, não será o suficiente para mudar o curso econômico. Sentimentos antigermânicos emergem, e qualquer governo, seja de centro-esquerda ou de centro-direita, que insinue as reformas necessárias será posto para fora do mandato. Vendem os partidos antiestablishment. Impasses emergem.

Por toda a zona do euro, líderes políticos estão se movendo rumo a um estado de paralisia: os cidadãos querem permanecer na União Europeia, mas também desejam o fim da austeridade e a volta à prosperidade. A eles é dito que não podem ter os dois. Sempre esperançosos de uma mudança de posição no Norte da Europa, os governos com problemas se mantêm no curso, e o sofrimento de sua população aumenta.

O governo português liderado pelo primeiro-ministro socialista, António Costa, é uma exceção deste padrão. Costa conseguiu liderar seu país de volta ao crescimento (2,7% em 2017) e obteve um alto grau de popularidade (44% dos portugueses acham que o governo estava atuando acima das expectativas em abril de 2018).

A Itália também poderá representar outra exceção — embora num sentido muito distinto. Lá, o sentimento antieuro está voltando tanto pelo lado da esquerda como da direita. Com a Liga de extrema-direita agora no poder, Matteo Salvini, o líder do partido e um político tarimbado, pode encarnar os tipos de ameaças que neófitos em outros países tiverem medo de implementar. A Itália é grande o suficiente, com um número suficiente de economistas bons e inteligentes, para administrar uma saída de facto — estabelecendo uma dupla moeda flexível que pode ajudar a restituir a prosperidade. Isto violaria as regras do euro, mas o ônus de uma saída de jure, com todas as suas consequências, seria deslocado para Bruxelas ou Frankfurt, com a Itália contando com a paralisia da UE para evitar um rompimento final. Qualquer que seja o desfecho, a zona do euro ficará em farrapos.

Não é preciso chegar a isso. Alemanha e outros países do Norte da Europa podem salvar o euro, demonstrando mais humanidade e mais flexibilidade. No entanto, tendo visto os primeiros atos desta peça tantas vezes, não estou contando com uma mudança da trama.

Joseph E. Stiglitz é vencedor do Prêmio Nobel de Economia

O Globo