Caixa de surpresas e imprevistos, em que nem sempre o melhor vence, e o pior nem sempre perde, em que a lógica e o bom senso são desafiados até o último minuto num jogo em que não há justiça nem perdão, o futebol desperta tanta paixão que leva homens e mulheres educados e civilizados a se transformarem em torcedores selvagens enquanto a bola rola.
Com esses ingredientes, o violento esporte bretão inspirou cronistas e romancistas desde que começou a se popularizar no Rio de Janeiro. No início, era esporte de elite, de playboys cariocas e ingleses, o esporte do povão eram as regatas na Baía de Guanabara.
Na década de 20, o futebol provocava polêmicas. Para Lima Barreto, o maior escritor negro do Brasil depois de Machado de Assis, era o “esporte do pontapé”, uma boçalidade que tinha como única função “causar dissensões no seio da nossa vida nacional”. Para ele, o esporte nacional era a capoeira, e o futebol aumentaria o fosso social entre brancos e negros.
De fato, o racismo e a discriminação aumentaram com o profissionalismo nos anos 30, se agravaram culpando o goleiro Barbosa e o zagueiro Bigode pela derrota em 1950, e foram derrotados por Pelé e Garrincha em 1958. A saga sofrida e gloriosa de negros e mestiços que mudaram nossa história nos campos de futebol e no imaginário nacional foi contada pelo pernambucano Mário Filho no monumental “O negro no futebol brasileiro”, grande clássico sócio-antropo-esportivo.
Irmão de Mário Filho, além de nosso maior dramaturgo, Nelson Rodrigues foi o Pelé da crônica esportiva, porque sua imaginação prodigiosa e seu talento para o drama e a comédia transformavam uma reles pelada em um épico grandioso. O futebol era um pretexto para textos geniais sobre a vida como ela é, sobre as grandezas e misérias, e sobre o ridículo, da condição humana.
Um dos melhores romances que li nos últimos anos foi o premiado “O drible”, de Sérgio Rodrigues, uma emocionante história de encontros e desencontros de pai e filho com o drama de um craque imaginado e de um país real em movimento, narrada com a elegância de um Didi e a explosão de um Ronaldo Fenômeno.
O Globo