terça-feira, 1 de maio de 2018

Abbas gera revolta ao insinuar que 'usura de judeus' motivou Holocausto


Mahmoud Abbas fala durante rara sessão do Conselho Nacional Palestino, em Ramallah - Majdi Mohammed / AP


O Globo

RAMALLAH, JERUSALÉM E WASHINGTON - O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, gerou revolta ao insinuar que o Holocausto teve como motivação a "usura" dos judeus na Europa. As declarações foram consideradas antissemitas por políticos e ativistas de direitos israelenses e judaicos, além de representantes dos EUA e também dos próprios palestinos.

Numa rara reunião do Conselho Nacional Palestino — o órgão legislativo da Organização para a Libertação Palestina (OLP) — em Ramallah, na Cisjordânia, Abbas afirmou que o genocídio de judeus europeus pelos nazistas foi o resultado de suas atividades financeiras.

Gravado ao vivo, o encontro teve um momento no qual o líder palestino disse que a História do judaísmo europeu foi construída a partir de "autores sionistas judeus". Mas admitindo que "os judeus do Leste Europeu e Europa ocidental foram periodicamente submetidos a massacres ao longo dos séculos", culminando no Holocausto.

— Mas por que isso costumava acontecer? Eles (judeus) dizem: "É porque somos judeus" — afirmou Abbas. — Esta é uma questão diferente. A questão judaica que foi difundida em toda a Europa não foi contra a sua religião, mas contra sua função social, que se relaciona com a usura e com atividades bancárias e afins.

Abbas também negou que os judeus ashkenazis — da Alemanha e do Nordeste da Europa — fossem na verdade semitas. Este grupo constitui uma das maiores comunidades de Israel, como uma longa fila de primeiros-ministros que inclui o atual líder, Benjamin Netanyahu.

REVOLTA EM ISRAEL E DE REPRESENTANTES DOS EUA

Esta não foi a primeira vez que as opiniões do líder palestino sobre o Holocausto causaram revolta. Uma dissertação que ele escreveu no início dos anos 1980 argumentava que havia uma "relação secreta entre o nazismo e o sionismo" antes da Segunda Guerra Mundial e questionou o número de seis milhões de mortos. Em 2003, ele minimizou alegações de que negasse o Holocausto, dizendo que ele foi um "crime terrível e imperdoável contra a nação judaica, um crime contra a Humanidade que não pode ser aceito".


Netanyahu cumprimenta Abbas antes do enterro de Shimon Peres em Jerusalém - REUTERS TV / REUTERS

Um porta-voz de Netanyahu disse que as declarações são "antissemitas e patéticas".
"Um homem que nega a conexão do povo judeu à Terra de Israel, que é de milhares de anos, culpa os judeus pelo Holocausto e afirma que Hitler ajudou judeus perdeu toda conexão com a realidade e não quer a paz", tuitou Ofir Gendelman.

Michael Oren, vice-ministro para a diplomacia de Israel (Netanyahu é também ministro das Relações Exteriores), comentou: "Mahmoud Abbas diz que os judeus emprestadores de dinheiro provocaram o Holocausto. Que grande parceiro de paz", ironizou no Twitter.

Fora de Israel, embaixadores de diferentes governos dos EUA se uniram em críticas:

"A todos que acham que Israel é a razão pela qual não temos paz, repensem", comentou o atual embaixador americano, David Friedman, designado por Donald Trump.

"Acabou para Abbas. Que tom nojento", disse Dan Shapiro, embaixador no governo de Barack Obama.

E outros setores pró-palestinos também não hesitaram em condenar o presidente da ANP, que, aos 82 anos, governa na Cisjordânia desde 2005:

"70% dos palestinos na Cisjordânia e em Gaza querem que Mahmoud Abbas renuncie", disse Yousef Munayyer, diretor executivo da US Campaign for Palestinian Rights, coalizão de mais de 330 grupos a favor de políticas mais pró-palestinos nos EUA. "É difícil pensar em alguém que considere Abbas seu líder nacional, exceto talvez quem é empregado pela ANP."

UNIÃO DE ESPECTROS POLÍTICOS

Grupos de diferentes espectros políticos judeus e sionistas tiveram uma rara união ao questionarem Abbas:

"Mais uma vez, o discurso de Abbas incluiu declarações antissemitas, que são completamente inaceitáveis e inconsistentes com os esforços para alcançar a paz israelense-palestina", criticou em comunicado Ori Nir, da Americans For Peace Now, organização que tentar promove a paz entre Israel e os palestinos.

O grupo judeu de esquerda J Street divulgou uma declaração contra o discurso de Abbas, dizendo que "não há absolutamente nenhuma desculpa para esse tipo de retórica incendiária":

"Abbas apenas mina as legítimas aspirações e preocupações do povo palestino e desvia a atenção da necessidade de ação internacional para ajudar a aliviar a crise em Gaza e promover a solução de dois Estados."

Outra denúncia veio da Trua'h, organização de rabinos que trabalha para promover os direitos humanos, que frequentemente critica os assentamentos de Israel e a ocupação na Cisjordânia.

"É preocupante que, em 2018, tenhamos de lembrar às pessoas que os judeus não são os culpados pelo Holocausto e que temos uma conexão histórica com a terra de Israel", protestou a organização.

A Liga Anti-Difamação, um dos principais grupos de direitos civis do mundo, afirmou que "a mais recente diatribe do presidente palestino reflete mais uma vez a profundidade e persistência das atitudes antissemitas que ele nutre"

"Com discursos públicos como esses, não é surpresa que, sob a liderança de Abbas, a Autoridade Palestina não tenha renunciado e combatido o incitamento antisemita palestino, incluindo narrativas de que os judeus são culpados pelo Holocausto e outras perseguições que negam ou diminuem a presença judaica milenar e a conexão com a Terra de Israel", acusou seu diretor executivo, Jonathan Greenblatt.


Abbas é saudados por colegas em Ramallah - ABBAS MOMANI / AFP