sábado, 9 de maio de 2015

Tentativas de assassinato em conflitos no campo crescem 273% sob Dilma

David Shalom - iG


Dados da Comissão Pastoral da Terra mostram que também houve aumento de assassinatos e despejos em todo o País


Quando foram compilados os dados de 2014 sobre conflitos de campo no Brasil, os coordenadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) se depararam com um número curioso e ainda sem explicação. Pela primeira vez após três décadas de produção de relatórios sobre violência, a CPT percebeu uma explosão de tentativas de assassinatos praticadas por empresários, pistoleiros e proprietários de terras contra indígenas, posseiros, sem terra, quilombolas e seringueiros.
Protesto de indígenas na Câmara, em 2014: falta de terras e atenção do governo geram conflitos
Alan Sampaio / iG Brasília
Protesto de indígenas na Câmara, em 2014: falta de terras e atenção do governo geram conflitos
De acordo com o relatório, o aumento desses casos foi de 273% no ano passado em todo o Brasil, chegando a indíces de mais de 3.000% em algumas regiões brasileiras, caso do Pará. Enquanto em 2013 os números da violência se mostravam relativamente mais baixos do que em anos anteriores, 2014 registrou um total de 56 tentativas de homicídio no campo – contra 15 em 2013.
"É realmente difícil tirar uma conclusão a respeito baseada no histórico que temos. Nem sequer arriscamos uma interpretação para isso, algo que só poderá ser feito com análises de outros anos", afirma ao iG Ruben Siqueira, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra. "Claramente, é uma forma de se intimidar as pessoas a deixarem terras ocupadas e impedir novas ocupações. Mas ainda não temos uma explicação específica para este aumento."
Apenas no Centro-Oeste registrou redução nas tentativas de assassinato – de 7 para 3. No Norte, onde em 2013 não houve casos do tipo, o aumento foi de 3.200%, com um total de 32 registros, sendo 28 somente no Pará; no Sudeste, de 600%, com 7; no Nordeste, de 120%, com 11; e no Sul, de 50%, com 3. Assim como as ameaças de morte e os homicídios, as tentativas de assassinato são comumente praticadas por pistoleiros, contratados por grandes fazendeiros para forçar famílias a deixarem as terras que esses empresários pretendem explorar.
"É preciso ver se neste ano esses números caem ou sobem para, aí sim, buscarmos uma interpretação mais plausível do que está por trás do latifúndio, das empresas, de não consumar esses assassinatos. Algo pode ter atrapalhado a consumação desses crimes, mas é uma conclusão a se tirar futuramente", diz Siqueira.
Assassinatos, despejos
Não foram apenas as tentativas de assassinato que aumentaram nos conflitos de campo em 2014. Apesar de terem se mantido na média dos últimos anos, os homicídios também cresceram no País, de 34 em 2013 para 36 no ano passado. Entre os casos está o do líder camponês do território de Campestre Alegria, no Maranhão, Raimundo Rodrigues da Silva, de 42 anos. Ele foi morto em 25 de fevereiro, em uma emboscada.
Apesar de sua posição social na região, as autoridades locais rechaçaram a ligação do crime com conflitos por terra, afirmando que o assassinato não passou de “vingança motivada por uma rixa entre famílias que residem no povoado de Bondaça”, no município de Timbiras.
Relatório mostra relação entre violência contra índios e demarcação de terras:
Apesar dos números alarmantes de violência contra indígenas no MS, o governo Dilma ainda não fez homologação de demarcações no Estado. Foto: Ibama
No total, a presidente homologou 11 demarcações, todas na região Norte, que concentra quase 100% das terras indígenas - mas só 48% da população. Foto: Reprodução / YouTube
Relatório anual do Conselho Indigenista Missionário mostra como a violência continua alta no País. Foto: André D’Elia
Em Mato Grosso do Sul, onde há conflitos entre índios e empresários ligados ao agronegócio, os números são os mais altos. Foto: Vincent Carelli
Desde o início do governo Dilma Rousseff, 102 indígenas foram assassinados no MS - mais de 60% do total no País. Foto: PEDRO GONTIJO / O TEMPO
Os números de suicídios também são bastante altos entre os índios - e especialistas também os ligam à falta de demarcações. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Só no ano passado, 73 indígenas cometeram suicídio em MS - a maior parte deles - 72 - foi cometida por índios da etnia Guarani-Kayowá. Foto: Facebook/Reprodução
Para a CIMI, o governo precisa ser responsabilizado pela trágica realidade vivida pelos povos indígenas. Foto: Reprodução
Índios protestam no Congresso contra a discriminação e por demarcação de terras, em maio. Foto: Agência Brasil
Apesar dos números alarmantes de violência contra indígenas no MS, o governo Dilma ainda não fez homologação de demarcações no Estado. Foto: Ibama
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Casos semelhantes são comuns em território maranhense. Somente em 2014, a CPT registrou 117 conflitos no campo no Estado, todos envolvendo, de um lado, posseiros, quilombolas, populações ribeirinhas, sem terra e pescadores, e, do outro, empresários do agronegócio, do latifúndio e da mineração, que expulsam milhares de famílias de suas casas com o objetivo de explorar as terras com seus negócios.
"Os interesses do agronegócio, das mineradoras e a aposta em grandes projetos como o de construção de barragens e outras obras de energia se sobrepõem aos direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, das comunidades de fundo e fecho de pasto, dos pescadores artesanais, dos faxinalenses, dos extrativistas e de outras comunidades tradicionais, e até de assentados e assentadas da reforma agrária,
que são expulsos da terra com o consequente desenraizamento das famílias", diz Dom Enemésio Lazzaris, presidente da CPT, no relatório da comissão. "Os conflitos e a violência só tenderão a crescer se for mantida a inoperância e a corrupção em muitos órgãos governamentais, ao par do que fazem ou deixam de fazer o Legislativo e o Judiciário."
Professor de Etnologia Indígena da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), de Foz do Iguaçu (PR), o antropólogo Spensy Pimentel cita justamente a falta de interesse das autoridades, bem como a força da oposição à reforma agrária e demarcação de terras por parte de muitos políticos ligados à exploração do campo, como principal fator para a continuidade da violência no interior do Brasil. Especialista na questão indígena, o estudioso vê um descaso geral já que mesmo a ajuda social a índios, como o Bolsa Família, é dificultada por uma série de burocracias, mantendo etnias na miséria.
"Até hoje, nenhum político conseguiu resolver a questão da violência no campo, que é absurda no Brasil. Na época do governo Lula, foi encaminhada pelo presidente a solução definitiva para a questão, que era a demarcação de terra. Mas, no fim, ele não fez nada. Assim como os governos anteriores, e que se repete com Dilma, todos falharam", analisa Pimentel. "É por isso que estão ocupando terras há mais de 30 anos – e não há indício de que isso vá parar. O tempo passa, a população cresce num ambiente deteriorado, sem condições de reproduzir sua cultura e é continuamente pressionada a se manter pobre. É a pressão que o próprio sistema vai exercendo sobre as pessoas."
Ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: grupo promete intensificar atos
Marcelo Camargo / Agência Brasil
Ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: grupo promete intensificar atos
Para o coordenador do CPT, Ruben Siqueira, a falta de ações do governo, aliada à crise atual e ao aumento do assédio das empresas a essas populações, levará a um grande aumento de conflitos de campo pela reforma agrária em 2015. Ele cita o crescimento de 92% no número de famílias despejadas por ordem judicial no ano passado – um total de 12.188 no País – como ilustrativo de que o Estado acaba sendo cúmplice de toda a violência que assola o interior brasileiro.
"É o modelo econômico do Brasil que causa isso. Por um lado, temos o Estado que incentiva e facilita novos empreendimentos [hidrelétricas, mineradoras] em lugares com conflitos. Este é um processo que acontece em todos os Estados. Por outro, temos o Estado que não pune os crimes, que não investiga", diz Siqueira. "É uma situação que só favorece a multiplicação da violência."
Conforme mostrou o iG em março, apenas 108 dos 1.270 casos de homicídio registrados na última década foram a julgamento. Em três décadas, foram assassinadas ao menos 1.700 pessoas em conflitos de campo no País.
Relatório da ONG Global Witness, divulgado no mês passado, mostra que, pelo quarto ano consecutivo, o Brasil liderou o ranking de violência no campo, superando Colômbia, Filipinas e Honduras em 2014.