Mário César Carvalho - Folha de São Paulo
Fernando Donasci - 7.set.2007/Folhapress | ||
A advogada Dora Cavalcanti, que defende a Odebrecht |
As sucessivas acusações de delatores da Operação Lava Jato contra a Odebrecht são uma estratégia para atingir a empresa, segundo a advogada da empreiteira, Dora Cavalcanti. As acusações do ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef contra a empresa apontam, segundo ela, para uma armação para atingir "de forma intencional" a empreiteira, já que não há provas de que ela tenha pago propina ou integrado cartel. "Isso pode ser um grito de desesperado ou uma armação maior", disse a advogada à Folha.
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Folha - Durante dois dias seguidos, dois delatores fizeram acusações contra a Odebrechet. Paulo Roberto Costa afirmou que a empresa integrava cartel e Alberto Youssef disse ter recebido para pagar propina em obra da Petrobras.
Dora Cavalcanti - O que assusta é que no momento em que o Supremo restabelece as regras do jogo, de que ninguém vai ser preso antecipadamente, dois delatores voltam suas baterias de forma artificial para a Odebrecht.
Por que artificial?
Todos os acordos de delação têm uma cláusula de que ela será anulada diante da constatação de mentira. Há mais de seis meses a empresa é nocauteada com acusações gravíssimas de propina e de cartel sem uma acusação formalizada. O Youssef diz que recebeu representantes da empresa cujos nomes ele não lembra. Isso aconteceu logo depois da decisão do Supremo, que é um divisor de águas nessa operação.
A leitura que eu faço, gravíssima, é de que houve uma mudança de rumo para atingir, de forma intencional, a Odebrecht. Um dos mais duros ministros da nossa história forense, que é o Gilson Dipp, escreve que a omissão dolosa de fatos que era de conhecimento do delator, para ir ajustando conforme favores que ele precisa buscar, equivale à mentira. Isso já é motivo para invalidar a delação.
Os procuradores não podem ter guardado essa informação, para usar conforme a conveniência da investigação?
Considero que isso é irregular, se ele falou sobre a Odebrecht. Esse sigilo só se justifica no caso da fase velada de uma operação. Tem também o protagonismo que foi dado à Odebrecht. A empresa e nenhum de seus funcionários são réus. Os executivos estão submetidos a um estado de terror.
Por que terror?
Eles sofreram busca e apreensão, a prisão deles foi requerida e negada, de forma ponderada, com a justificativa de que não havia provas. Hoje [30] entregamos uma petição ao juiz Sergio Moro, dizendo que a empresa está disposta a colaborar. Nós estamos num cenário da verdade da Emília do Monteiro Lobato, que é a mentira bem contada. O cara vai ajustando o que diz e não há contraponto.
Você acha que há uma armação contra a Odebrecht?
A tônica desses últimos depoimentos dá essa conotação. Eu não gosto de conjecturas negativas em desfavor de ninguém. Isso pode ser um grito de desesperado ou uma armação maior. Quero crer que as pessoas que trabalham na operação são bem intencionadas. Delação tem de ser analisada com reserva.
Isso não está ocorrendo?
A delação a conta gotas não pode ser admitida. Nenhum sistema permite que as versões do delator sejam ajustadas. Quando passei um período no Innocent Projetc [projeto nos EUA que trata de erros judiciais], uma das duas causas mais frequentes de erros são investigações baseadas na palavra de delator.
Na Lava Jato, no entanto, muitas delações são comprovadas por provas materiais.
Que me conste, nada do que foi dito sobre a Odebrecht foi confirmado.
A força-tarefa está sendo leniente com os delatores?
Eu não usaria leniente. Pode ser um passo em falso atribuir esse peso todo à palavra de alguém que confessadamente praticou crimes e em 2004 obteve um benefício da Justiça e voltou a delinquir. Ele quebrou a delação em 2006 e essa quebra da palavra não foi levada ao ministro Teori Zavascki na chancela da nova delação [de 2014].
De quem seria o interesse da suposta armação?
Não faço especulação.
A acusação de Youssef tem relação com a decisão do Supremo?
É uma coincidência sui generis, mas não gosto de teoria conspiratória. A Odebrecht não fazia parte das ações daquele dia. É espantoso que se continue a dar qualquer valor à palavra de Youssef. Achar que ele fala a verdade depois de dez anos de ruptura? Isso é inadmissível.