Como um assunto tão sério acabou cercado de tantas ideias erradas, tantos defeitos lógicos e tantas atitudes ridículas?
D epois de uma semana acompanhando a COP30, deixo Belém intrigado com uma pergunta: como um assunto tão sério acabou cercado de tantas ideias erradas, tantos defeitos lógicos e tantas atitudes ridículas?
Emissões de carbono são um problema que teremos de enfrentar — talvez não com a urgência histérica dos militantes, mas enfrentar em algum momento, sim. Mas ao ouvir debates, protestos e entrevistas dos burocratas climáticos, tive a sensação desconfortável de que alguém ali perdeu contato com a realidade: ou eu, ou eles.
A seguir, vou desfiar o que considero três grandes delírios da COP30 — e deixo ao leitor a tarefa de decidir quem, afinal, está enlouquecendo.
Delírio 1: “Ou protegemos a vida ou a indústria do petróleo” No centro da roda de jornalistas, o cientista Carlos Nobre decreta: “A COP30 tem uma escolha a fazer: ou proteger as pessoas e a vida, ou proteger a indústria de combustíveis fósseis”.
Perto dali, um manifestante reforça o enredo com um cartaz: “Fim dos fósseis já!”.
Seria curioso (e instrutivo) se, logo após essas falas, todos ali resolvessem obedecer ao apelo. Contra o petróleo e seus derivados, desmontariam carpetes, lonas e telas de nylon das instalações. Retirariam todos os alimentos cultivados com fertilizantes artificiais (fabricados à base de gás natural).
E desligariam os geradores a diesel e os aparelhos de ar-condicionado industriais que tornavam o pavilhão minimamente habitável. Se alguém insistisse em permanecer por ali, sem eletricidade, sem comida, sem refrigeração, seria mesmo uma escolha “pela vida”? Ou a primeira baixa de quem optou por viver sem materiais fósseis?
A frase de Carlos Nobre carrega uma dicotomia duplamente falsa. Não precisamos escolher entre vida e petróleo — e, no mundo de hoje, não podemos escolher apenas um deles. Os combustíveis fósseis garantem energia barata, confiável e versátil para bilhões de pessoas terem condições básicas de vida. Sustentam desde o carro com arcondicionado até o plástico das bolsas de sangue das UTIs, passando, ironicamente, por instalações provisórias como as da COP30.
Por trás do protesto contra a “indústria do petróleo” está a fantasia de que petroleiras poluem por maldade, porque são perversas e colocam o lucro acima da natureza. Seria reconfortante acreditar nisso: escolhe-se um inimigo, aplica-se uma penitência e pronto, a justiça climática está restaurada. Ocorre que as petroleiras não extraem petróleo porque são más.
Extraem porque querem ganhar dinheiro suprindo necessidades dos outros. Extraem porque existe demanda — inclusive a dos próprios manifestantes (que, no cúmulo da ironia, chegaram a organizar um protesto com 200 barcos movidos a óleo diesel). Seria ótimo ter acesso imediato a uma energia tão barata, confiável e versátil quanto o petróleo, só que livre de emissões de carbono.
Claro que seria.
Mas ela ainda não existe em escala. E, enquanto não existir, gritar “fim do petróleo” dentro de um prédio inteiramente sustentado por derivados de petróleo será um gesto inútil — e um tanto ridículo.
Delírio 2:
A “dívida climática” dos países ricos Noventa e sete trilhões de dólares: um estudo do Ipea lançado esta semana afirma que os países ricos têm uma “dívida climática” de US$ 97 trilhões com os países pobres por terem emitido mais carbono do que teriam direito. Para dar uma ideia, todo o mercado de ouro do planeta vale cerca de US$ 28 trilhões.
A tal dívida climática seria mais de três vezes todo o ouro do mundo — e equivalente a 45 PIBs do Brasil, encostando perigosamente no próprio PIB global, hoje por volta de US$ 110 trilhões. É verdade que os pobres sofrem mais com o clima. Isso é um tanto óbvio: no passado e ainda hoje, enriquecer resulta quase sempre em ficar menos exposto a enchentes, deslizamentos, à chuva e ao calor.
Também é verdade que os países ricos emitiram muito mais carbono (e aqueceram mais o planeta) do que os pobres. A partir desses fatos, até seria possível discutir uma reparação — se os países pobres estivessem hoje morrendo mais por causa do clima do que no passado.
Mas o que vimos nas últimas décadas foi o contrário. As tecnologias que reduziram a vulnerabilidade climática mundial nasceram quase todas nos países ricos: o cimento que torna prédios resistentes, o concreto armado que permite barragens, canais e drenagem, o motor a combustão que leva do sertão ao hospital, o arcondicionado que salva vidas em ondas de calor, os fertilizantes que garantem segurança alimentar mesmo durante secas.
Foram invenções altamente poluidoras, criadas em empresas que buscavam lucro — e justamente por isso se espalharam pelo mundo inteiro, inclusive pelos países pobres.
Ministros e cientistas expressaram uma obsessão com povos originários — disseram que os “conhecimentos tradicionais são fundamentais para combater a mudança climática”
O resultado disso é ignorado nas conversas sobre “justiça climática”: as mortes causadas por eventos climáticos despencaram ao longo do século. Despencaram não porque o clima melhorou, mas porque a humanidade ficou mais protegida. Enchentes que matavam milhões na China hoje matam centenas. Secas que causavam tragédias bíblicas na Índia deixaram de produzir fomes massivas. Países pobres, que teriam sido os maiores atingidos por catástrofes climáticas em qualquer outro século, foram justamente os que mais se beneficiaram dessas tecnologias.
É por isso que a lógica da “dívida climática” me parece um delírio: ela simplesmente não se baseia na história real das pessoas com o clima. Sim, os ricos poluíram mais. Mas também foram eles que criaram as ferramentas que tornaram o mundo — inclusive o “Sul Global”, seguindo o jargão dos ativistas — menos vulnerável ao clima.
Delírio 3:
A mistureba da pauta climática com a agenda woke Há 250 milhões de anos, erupções vulcânicas despejaram cerca de 100 mil gigatoneladas de CO2 na atmosfera, elevando a concentração desse gás para algo como 2,5 mil partes por milhão — seis vezes o nível atual. O aquecimento resultante foi suficiente para criar a maior extinção em massa de toda a história da Terra.
Como hoje emitimos 35 gigatoneladas de CO2 por ano, levaríamos quase 3 mil anos para despejar na atmosfera a mesma quantidade da Extinção do Cambriano-Triássico. Mas veja bem: aquele salto absurdo de carbono ocorreu em centenas de milhares de anos, talvez mais de um milhão de anos. O nosso acontece há apenas 150 anos, mas é quase 100 vezes mais rápido.
As emissões de carbono, como se vê, são um problema real. Montamos a civilização sob combustíveis e materiais espetaculares e, décadas depois, viemos a descobrir que eles podem mexer com o clima. Se o desafio agora é arranjar substitutos tão bons e baratos, então por que tanta gente na COP30 preferia dar atenção a outros temas? Um lugar-comum da conferência foi: “A questão climática não é só sobre o clima; também é uma questão de…”.
A frase era logo completada com alguma bandeira da esquerda identitária: empoderamento feminino, aborto, saberes tradicionais dos povos originários, decolonialismo, Palestina Livre, racismo ambiental, ecossocialismo, entre outras.
Não foi só um delírio de jovens ativistas. Nas salas de negociação, a ONU organizou reuniões oficiais sobre empoderamento feminino; também defendeu mais ambição no “Plano de Ação de Gênero”. Ministros e cientistas expressaram uma obsessão com povos originários — disseram que os “conhecimentos tradicionais são fundamentais para combater a mudança climática”. Mas não explicaram como. Eu realmente gostaria de saber quais contribuições dos povos da floresta podem descarbonizar o transporte, a produção de aço, de alumínio ou de fertilizantes.
A mistura da agenda woke com o clima traz pelo menos dois prejuízos ao meio ambiente. O primeiro é a aposta em soluções erradas. O mundo está gastando centenas de bilhões de dólares em ONGs, projetos e movimentos que tratam de tudo, menos de inovações viáveis que substituam os combustíveis fósseis.
O segundo prejuízo é afastar da pauta ambiental a população mais à direita, que não tem paciência para desvarios identitários. Em todo o mundo, políticos estão percebendo que investir demais na pauta ambiental pode dar errado nas urnas. Não à toa, esta COP teve a presença de metade dos chefes de Estado da COP anterior. Entenderam que, diante de um manicômio repleto de delírios climáticos, o melhor a fazer é ficar de fora.
Leandro Nsrloch - Revista Oeste