sexta-feira, 21 de novembro de 2025

'In Trump we trust', - Eugênio Esser

Projeto antifacção aprovado na Câmara empurra o país na direção do combate ao PCC e ao CV, mas o Senado e o STF podem desidratar a lei. Resta contar com Washington e seus aliados na fronteira com o Brasil 



O presidente dos EUA, Donald Trump, aguarda para cumprimentar o príncipe herdeiro e primeiro-ministro saudita, Mohammed bin Salman, durante uma cerimônia de chegada no gramado sul da Casa Branca, em Washington, D.C., EUA, em 18 de novembro de 2025 - Foto: Reuters/Kevin Lamarque


E nquanto o Brasil se divide entre aplaudir o endurecimento das penas para organizações criminosas e lamentar que o texto aprovado na Câmara não permita chamar PCC e Comando Vermelho do que são — facções terroristas —, convém aos brasileiros prestar atenção no xerife da América. Não me refiro apenas ao presidente norte-americano, Donald Trump, que deslocou para o Caribe venezuelano uma impressionante força militar para asfixiar o Cartel de los Soles e, de quebra, o regime de Nicolás Maduro. 

A estrela de seis pontas empodera também o sistema judicial norte-americano. E é lá, nas barras da justiça dos Estados Unidos, que se desenrolam alguns capítulos fundamentais para o efetivo combate ao narcoterrorismo no continente. Um dos protagonistas, o ex-general venezuelano Hugo Carvajal, já foi apresentado no artigo de capa da edição 293 da Revista Oeste. Extraditado da Espanha para os Estados Unidos, Carvajal ouvirá sua sentença em fevereiro, e até lá trata de entregar tudo o que sabe para escapar da prisão perpétua. Outro pássaro engaiolado, e que já abre o bico para o Departamento de Justiça dos EUA, é Ovidio “El Chapito” Guzmán López, que tem este apelido por ser filho do legendário Joaquín “El Chapo” Guzmán, chefão do Cartel de Sinaloa que cumpre pena nos Estados Unidos. 

A depender do que for revelado por ambos em seus acordos de colaboração, Trump sairá no encalço das facções brasileiras, que já operam em mais de dez estados norte-americanos. Portanto, é bom que o Brasil faça funcionar, de fato, o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado, previsto no texto do relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), que agora segue para votação no Senado.


Ovidio “El Chapito” Guzmán López, que tem este apelido por ser filho do legendário Joaquín “El Chapo” Guzmán, chefão do Cartel de Sinaloa que cumpre pena nos Estados Unidos - Foto: Reprodução/Redes Sociais

No papel, o PL Antifacção aprovado na Câmara propõe avanços importantes ao fixar penas mais duras, de 20 a 40 anos, proibir fiança e tornar insuscetíveis de anistia, graça, indulto ou livramento condicional o crime de “domínio social estruturado”. É o caso de grupos que controlam com violência e intimidação a vida dos moradores, além de enfrentar a Polícia, como faz o Comando Vermelho no Rio de Janeiro. Aliás, pelo texto aprovado, os integrantes destas facções são considerados “organização criminosa ultraviolenta” — três palavras para substituir uma que está na boca do povo, “terroristas”. 

A possibilidade de apreensão dos bens de uma facção ainda na fase de inquérito, e não só depois da condenação definitiva, é outro ponto a ser saudado, assim como a divisão dos recursos apreendidos entre a Polícia Federal e os órgãos estaduais de segurança, conforme o nível de envolvimento de cada instância na operação. 

Para os líderes, o projeto impõe o cumprimento de pena em prisão federal de segurança máxima — e, dependendo dos agravantes da condenação, eles podem pegar 66 anos. A progressão para o regime semiaberto só se torna possível após, no mínimo, 65% do cumprimento da pena — a exigência pode chegar a 85%, conforme a gravidade do crime cometido.



O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, durante anúncio do projeto de lei Antifacção. | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil 


“Agora vai?”, você deve estar se perguntando.


Antes de celebrar a vitória do clamor popular por um basta à criminalidade, é preciso ter em conta que o projeto sobe para o Senado, uma casa controlada pelo governo. É ali que o petismo, e seus satélites, podem dar o troco pela derrota que tiveram na votação da matéria na Câmara. Mas não acredito que os governistas estejam otimistas. Dois terços do Senado serão renovados na eleição de 2026, e poderá custar caro, eleitoralmente, enfraquecer um projeto que tem amplo apoio da sociedade e, especificamente, da massa trabalhadora, a mais exposta aos abusos da bandidagem. Partidos que se dizem “de esquerda” não terão o atrevimento de afrontar os brasileiros mais vulneráveis. Não abertamente, ao menos. Sua estratégia para desidratar a lei antifacção é outra. É recorrer a quem não depende de votos. 

Ainda que passe pelo Senado, e que o Congresso derrube eventuais vetos de Lula, a lei deve ser imediatamente judicializada pelos guardiões do crime organizado. Medidas como a proibição de “visitas íntimas” e o fim do auxílio-reclusão darão origem a uma destas ADPFs (ação de descumprimento de preceito fundamental) ou ADIs (ação direta de inconstitucionalidade) que nascem em partidos minúsculos e ONGs influentes. Costumam perder a disputa no Congresso, mas não conhecem derrota quando recorrem ao STF. Lembremos da chamada “ADPF das Favelas”, que dificultou a ação policial nas favelas do Rio e vigoraria apenas durante a pandemia de covid-19. Está em vigência até hoje, e foi graças a ela que o Comando Vermelho se fortaleceu nos últimos anos, rearmando-se e construindo barricadas em seus principais territórios no Rio de Janeiro. 

Foi ao abrigo da mesma ADPF lavrada por Edson Fachin que o ministro Alexandre de Moraes iniciou uma investigação que fulmina a Operação Contenção, deflagrada pelo governador fluminense, Cláudio Castro, no dia 28 de outubro, com grande aprovação popular dos brasileiros e, principalmente, entre os cariocas. 


Só o Brasil, ou melhor, o establishment brasileiro, fecha os olhos para as evidências de que perdeu o controle sobre o crime organizado — e, o que é pior, parece consorciar-se com ele.


É previsível, também, que a OAB, tão conivente com os abusos cometidos pelo STF desde 2019, mobilize-se agora para contestar o direito que o projeto de lei confere ao sistema prisional de gravar as conversas de advogados e presos no parlatório — sabidamente uma das formas pelas quais os líderes de facções transmitem ordens criminosas para seus comparsas em liberdade. Em resumo, não festeje antes da hora a goleada que a oposição infligiu à base do governo na votação entre os deputados. 

O regime STF-PT dispõe dos meios para desidratar a mais vigorosa tentativa de libertar o Brasil, ou partes importantes do território brasileiro, do jugo dessas multinacionais do crime. A grande esperança para a população é o cerco internacional à leniência das autoridades brasileiras. 

Logo que a polícia do Rio de Janeiro travou um confronto armado com o Comando Vermelho, que resultou em 121 mortos, incluindo quatro policiais, e 113 presos, o presidente paraguaio, Santiago Peña, declarou, em decreto, que PCC e CV são organizações terroristas, o que permite penas mais severas, cooperação internacional — o que interessa diretamente a Trump — e reforço na fronteira com o Brasil.



O presidente do Paraguai, Santiago Peña | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


Em ato semelhante, Javier Milei, presidente da Argentina, incluiu as duas facções no Registro de Pessoas e Entidades Vinculadas a Atos de Terrorismo, medida anunciada pela ministra da Segurança Nacional, Patricia Bullrich. É mais um país prontamente inclinado a colaborar com a guerra contra o “narcoterrorismo”, nos termos utilizados por Trump, e também por Milei.

Só o Brasil, ou melhor, o establishment brasileiro, fecha os olhos para as evidências de que perdeu o controle sobre o crime organizado — e, o que é pior, parece consorciar-se com ele. Depois que a Operação Carbono Oculto revelou que até mesmo fintechs e fundos de investimento moviam as engrenagens da lavagem de dinheiro do PCC, a imprensa passou a ventilar uma preocupação de fontes anônimas da Avenida Faria Lima, coração financeiro de São Paulo. Receavam tais fontes que, caso houvesse o reconhecimento das facções como grupos terroristas, o Brasil poderia sofrer sanções internacionais e se tornar menos atrativo para capitais estrangeiros. É o raciocínio de um país doente. 

Agora que o escândalo do Banco Master (veja matéria nesta edição de Oeste) expõe as vísceras da corrupção interinstitucional no Brasil, é possível que as descobertas da Operação Carbono Oculto voltem ao noticiário e, com elas, o dilema brasileiro: ou acabamos com nossas máfias, ou elas tomam conta do país. 

No meio do caminho, porém, há Donald Trump, há também um sistema judicial que não se deixou infiltrar pelo crime organizado e há, ainda, “colaboradores” latino-americanos interessados em contar aos investigadores norte-americanos tudo o que sabem sobre o Cartel de Sinaloa, o Cartel de los Soles e seus comparsas brasileiros. 


Eugênio Esser - Revista Oeste