segunda-feira, 30 de agosto de 2021

"Não haverá ruptura, mas sim a defesa da Constituição", por Marcelo Carvalho - Professor da Universidade Federal de Santa Catarina

 

Do lado do poder executivo, o Presidente da República fez um pronunciamento contundente em um encontro com lideranças do Estado de Goiás no último Sábado (28):

“...Agora, um fato bastante preocupante que todos vocês tem que tomar conhecimento, porque não vai ser um homem apenas que vai mudar o destino do nosso Brasil. O Brasil de amanhã é aquele que cada um de nós fizer no dia de hoje.
O Supremo Tribunal ia votar essa semana e passou para a semana que vem o novo Marco Temporal. Resumindo, ... o que é isso? Pela Constituição, as terras ocupadas pelos índios até 88 não se discute, são deles. Essa proposta no Supremo [da revisão do Marco Temporal] já tem dois votos contrários a nós, contrários, portanto, a Constituição.
Querem um novo marco temporal que seria o que vivemos hoje em dia. Isso, caso aprovado ao arrepio da nossa Constituição, podemos de imediato ter uma decisão judicial para que se demarque no Brasil uma área equivalente a região Sul do nosso Brasil. Imagine mais uma área, ... somando são 14% de território já demarcado, [...] que seria equivalente aos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Isso simplesmente inviabilizaria o nosso agronegócio.
Nós praticamente deixaríamos de produzir, de exportar e entendo, pela dimensão do fato, sequer teríamos como garantir nossa segurança alimentar. Tenho certeza, caso isso seja aprovado, eu tenho duas opções, ... não vou dizer agora, mas já está decidida qual é essa opção. É aquela que interessa ao povo brasileiro, ... é aquela que está ao lado da nossa constituição.
Não é fácil decidir. [...] Pior do que uma decisão mal tomada é uma indecisão. O que for decidido lá pelo outro poder tem reflexo nos outros dois poderes: legislativo e executivo, e nós representamos sim, de verdade, de fato, pelo voto, a população brasileira. Tenho certeza que o poder executivo e o poder legislativo, em sua grande maioria, estará ao lado do povo brasileiro.
Assim sendo, meus senhores e minhas senhoras, é uma honra e uma satisfação voltar novamente a esse nosso querido Estado de Góias, que está no coração do Brasil. Tenho certeza que estaremos juntos, não importa o problema que, por ventura, tenhamos pela frente. A nossa união, o nosso entendimento, a nossa força, a garra e fé, [...] fará diferença. [...]
Os problemas que nós podemos resolver, nós resolveremos. Aqueles que nos parecem não ter soluções, Ele estará do nosso lado para buscarmos solução. [...] Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Iiiihuuuu!!!”

Do lado do judiciário, Ricardo Lewandoski, ministro do STF, escreveu em artigo publicado em um jornal da grande mídia no último Domingo (29) que:

“No Brasil, como reação ao regime autoritário instalado no passado próximo, a Constituição de 88 estabeleceu, no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, que ‘constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático.
[...] E aqui cumpre registrar que não exclui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da Lei Maior, para a defesa da lei e da ordem’ quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes.’’

Uma vez que ambas declarações expressam visões antagônicas que acreditam estar em acordo com a Constituição, apenas uma delas é verdadeira, assim, decidir entre elas torna-se o ponto crucial que determinará o efeito e o alcance das medidas que serão tomadas por um lado e outro.

O antagonismo das declarações é imediato. O Presidente Jair Bolsonaro tem reiteradamente afirmado que agirá dentro das “quatro linhas da Constituição”, algo que fica explícito quando diz que sua decisão “é aquela que interessa ao povo brasileiro, ... é aquela que está ao lado da nossa constituição”.

Já o ministro do STF enfatiza ser “crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático” e particulariza sua fala incluindo como crime a aplicação do artigo 142 “fora das hipóteses legais”.

No antagonismo envolvendo o Executivo e o STF, surge um impasse na declaração do ministro do STF em relação a quem define se uma ação está fora das hipóteses legais.

Com efeito, mesmo que o STF advogue o direito de “interpretar” a constituição, há um elemento novo aqui, pois a corte é uma das partes envolvidas na contenda e, assim, esse direito interpretativo perde sua força normativa.

Na verdade, havendo a percepção de que o STF age ao arrepio da Constituição, como disse o Presidente da República, o povo entende que a suprema corte só conseguirá impor sua interpretação se dispor de uma hipotética guarda pretoriana pronta para prender cidadãos em suas residências sob a alegação de terem emitido opiniões que alguns ministros consideram crimes e que são “embasados” em inquéritos “do fim do mundo”, como disse um ex-ministro da corte.

Em contraste com a forma arbitrária e autoritária como o STF e o TSE tem agido contra o cidadão comum (com prisões arbitrárias, a proibição de produtores de conteúdo receberem a justa remuneração pelo seu trabalho, etc.) a situação muda quando o outro lado é o Executivo, mais precisamente, a pessoa do Presidente da República, que a Constituição coloca como comandante supremo das Forças Armadas.

A questão angustiante que surge é óbvia:

“Se artigos da constituição só se impõem normativamente pelo respaldo de quem detém a força, o que acontecerá se o Presidente entender que o STF extrapolou limites constitucionais e decidir agir, segundo ele, dentro das 'quatro linhas da constituição' contra alguns ministros do STF, tendo nesta movimentação o apoio das Forças Armadas que a própria Constituição lhe confere o comando? Quem vai impor contra o Presidente as sanções que o ministro Lewandowski aponta como 'fora das hipóteses legais'?"

Estamos diante de uma situação sem volta opondo dois lados que se apresentam diante do povo como seguindo a Constituição. O que fazer?

A saída pacífica desse imbróglio não se dará pela imposição de uma força coercitiva, mas sim pela força moral de uma consciência que exige ser livre e que é o povo brasileiro, aquele que legitima todo o poder constituído.

E o povo brasileiro estará em massa nas ruas celebrando o dia 7 de Setembro e indicando tanto para o Executivo quanto para o STF o que ele deseja que seja feito.

Marcelo Carvalho. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina.

Jornal da Cidade