- Índice terminou o semestre em alta após um início de ano cheio de incertezas
- Valorização das commodities foi questão central para afastamento de risco fiscal
- No segundo semestre, o foco dos especialistas são as empresas ligadas à reabertura econômica
O Ibovespa terminou a primeira metade de 2021 com valorização de 6,54%, aos 126.801,66 pontos, e uma trajetória de extremos. Os 119.024 pontos registrados no primeiro pregão do ano, em 4 de janeiro, baixaram aos 110 mil pontos entre fevereiro e março. Por trás da forte queda, estavam o vírus chinês, o processo de vacinação ainda lento e o risco fiscal alardeado por analistas.
Segundo dados do Ministério da Saúde, uma em cada cinco mortes pelo vírus chinês no Brasil ocorreu em março deste ano. A imunização iniciada em 17 de janeiro corria a passos lentos nos primeiros meses de 2021 devido à escassez de vacinas. A dúvida sobre a capacidade de controle da dívida pública, que bateu 90% do PIB em 2020, também estava no radar dos investidores.
“Começamos o semestre com uma dívida praticamente insustentável, quase 100% de Dívida/PIB, caminhando para o precipício”, explica João Beck, economista e sócio da BRA. “Com os embates do Comitê de Orçamento nós chegamos ao fundo do poço em relação à debate fiscal.”Reflexo da situação caótica, o real chegou a ganhar o título de quarta moeda mais desvalorizada do mundo até 8 de março, após uma queda de 10.2% frente ao dólar. A divisa norte-americana, por sua vez, chegou perto dos R$ 6. Nos primeiros três meses do ano, o fluxo capital estrangeiro na B3 ficou negativo em R$ 12 bilhões, sem contar a movimentação referente a IPOs e Follow Ons.
A partir de abril a vacinação se acelerou no País e o Orçamento de 2021 foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. “Foi a partir da aprovação do Orçamento que começamos a ver a Bolsa subir”, explica Beck.
Commodities são protagonistas
Só entre o início de abril e o final de junho, o Ibovespa valorizou 9%. A recuperação iniciada no 2º trimestre fez o indicador bater a máxima histórica nominal de 130.776 mil pontos em maio e emendar, pela primeira vez, oito pregões seguidos de alta.
O início da organização das contas públicas contribuiu para esse cenário, mas um dos ingredientes que mais intensificaram essa alta foi o desempenho do segmento de commodities da B3. Com os países mundo afora iniciando as respectivas retomadas econômicas, a necessidade de materiais básicos de infraestrutura e consumo aumentou expressivamente.
O minério de ferro negociado em Qingdao (China), por exemplo, deu um salto de 35,75% desde janeiro e chegou ao patamar de US$ 200 a tonelada. A demanda externa aliada ao dólar mais alto, criaram as condições perfeitas para as companhias ligadas a matérias primas na Bolsa.
“O Índice Bovespa passou o 1º semestre basicamente sendo puxado por commodities, todas elas. Falamos de Klabin, Suzano, setor de frigoríficos, petróleo, Usiminas, CSN, Petrobrás, Vale e etc”, afirma Rafael Bombini, especialista em Renda Variável da EWZ Capital. “De forma geral, o que puxou a Bolsa para o patamar de antes da pandemia foram as commodities.”
As ações da Vale (VALE3) e Gerdau (GGBR4) cumulam valorizações de 37,41% e 22,81% no acumulado do ano, cotadas a R$ 112,95 e R$ 29,56 até o fechamento desta quarta-feira (30). O descolamento desse setor exportador também refletiu na arrecadação do Governo e nas contas públicas.
A Balança Comercial (diferença entre exportações e importações do País) registrou superávit (saldo positivo, quando as exportações superam as importações) de US$ 9,291 bilhões em maio, maior saldo da história para o mês, segundo dados do Ministério da Economia.
“Com esses superávits gerados por conta do dólar [mais alto] e das commodities, a gente arrecadou tanto dinheiro, além de termos controlado a dívida, que encerramos o semestre projetando chegar a 80% de Dívida/PIB. É uma diferença muito relevante, significa dizer que em um ou dois anos podemos ter a mesma dívida que no período pré-covid, mesmo tendo sido um dos países que mais gastou dinheiro”, afirma Beck.
Dólar em queda e foco na reabertura
Paralelamente ao controle da dívida e o boom das commodities, o Banco Central iniciou o ciclo de alta dos juros. A taxa Selic, então, saiu do patamar de 2% ao ano para os atuais 4,25% ao ano, com a autoridade monetária adotando um tom mais duro em relação ao controle da inflação.
Tudo isso fez o dólar arrefecer perante o real. Na última semana, a divisa chegou a ficar abaixo dos R$ 5 pela primeira vez. Hoje, a moeda está cotada a R$ 4,97. O movimento de retorno dos estrangeiros para a Bolsa já é facilmente notado, com o saldo positivo de R$ 65,2 bilhões no 1º semestre, em uma alta de 200% em relação ao mesmo período do ano passado.
“A gradual melhora dos indicadores de crescimento da economia aumenta a arrecadação e diminui o risco fiscal. Esse é um dos fatores que tem atraído o investidor estrangeiro de volta para a Bolsa”, afirma José Cataldo, superintendente de research da Ágora Investimentos. “Temos as expectativas de um PIB maior para esse ano, o que pavimenta um caminho mais positivo para o Ibovespa.”
Com os imbróglios do início do ano no retrovisor, as atenções se voltam para a retomada econômica após o controle da crise do coronavírus no 2º semestre. “Estamos enxergando as empresas que vão se beneficiar da reabertura, como as empresas do setor de varejo, shoppings, construtoras e etc”, explica Bombini.
As empresas que são muito ligadas à mobilidade estão bastante descontadas perto dos preços pré-pandemia – por isso, são oportunidades. “As companhias ligadas a commodities e os bancos já correram bastante”, afirma Bombini. “Já estão muito menos descontados perto de empresas de reabertura. Aqui na casa mantemos o olhar para elas.”
Política e pacote tributário
Para a próxima metade do ano, o medo político continua no radar do investidor. A proximidade das eleições eleva o risco de ampliação de gastos fiscais. Por outro lado, o pacote tributário do ministro Paulo Guedes, cuja segunda fase foi entregue ao Congresso na última sexta (25), trouxe alguns pontos que desagradou parte do mercado.
“Taxar em 20% os dividendos, extinção dos Juros Sobre Capital Próprio (JCP), tudo isso afeta o mercado”, explica Cataldo. “Como qualquer reforma, ela pesa a mão, é muito abrangente, é um tema complexo. Ainda é cedo para fazermos afirmações, mas do jeito que foi reportado a proposta, é negativa para as empresas, já que acaba com benefícios fiscais.”
Além da taxação dos dividendos, haveria também o fim da isenção sobre rendimentos pagos a pessoas físicas. O impacto mais contundente seria sobre os fundos mobiliários (FIIs), que despencaram na data em que a proposta foi apresentada. O temor é que a taxação dos proventos desestimule o investimento nesses produtos e, com isso, o financiamento do setor.
“Eu vejo os fundos imobiliários como muito importantes, acredito que essa questão possa ser revista. Isto é, o Governo incluir outras questões, para não passar essa taxação dos Fiis”, ressalta Beck. “Mas em linhas gerais, a reforma é muito positiva em aspectos de arrecadação e alinhamento.”
Jeanne Andrade, O Estado de São Paulo