No mínimo são cinco, os fatores que justificam a introdução do voto impresso auditável nas urnas eletrônicas tupiniquins:
1 – a vulnerabilidade já demonstrada do sistema quanto à possibilidade de fraude na programação da cédula-fonte do software de registro dos votos, com a consequente adulteração dos resultados nos boletins de urna;
2 – a constatação de que o sistema eletrônico brasileiro é assaz obsoleto, ainda de primeira geração (década de 1990), já tendo sido ultrapassado por ferramentas bem mais sofisticadas e seguras de apuração eleitoral (adotadas, inclusive, em países como o Paraguai e a Argentina);
3 – a exigência legal (constitucional!) da publicidade do escrutínio das votações (o que não é atendido pelo obscuro sistema eletrônico atual);
4 – o fato de que nenhum país do mundo, dentre os mais democráticos e tecnologicamente desenvolvidos, aceitou adotar o sistema eletrônico tal-qualmente utilizado no Brasil (sem o voto impresso acoplado), justo pela impossibilidade de transparência e auditagem da etapa originária de registro e totalização dos votos;
5 – o sem-número de evidências de irregularidades detectadas nos painéis das urnas eletrônicas em momentos de votação e denunciadas Brasil afora por cidadãos de todos os naipes, de todas as regiões e em todos os pleitos havidos ao longo das últimas décadas.
Ademais, em reforço aos motivos anteriores, somam-se outros cinco, igualmente preocupantes, que impelem a sociedade a suspeitar, com toda a razão, da intencionalidade dos gestores oficiais do sistema (Congresso Nacional, que legisla a matéria, e TSE, que administra seu processamento e julga as ocorrências):
1 – a intromissão, no mínimo indecorosa (para não dizer criminosa), de ministros do TSE e do STF na questão, com envolvimento político direto num assunto que, do ponto de vista legislativo, não lhes compete (abuso de autoridade);
2 – a reunião a portas fechadas dos ministros L. R. Barroso e Alexandre de Moraes com líderes partidários, com o intuito de reverter a tendência de aprovação, na Comissão Especial da Câmara, da PEC que introduz o voto impresso nas urnas eletrônicas (ativismo judicial);
3 – a mudança repentina (após tal reunião) dos membros dos partidos na Comissão Especial em favor de representantes radicalmente contrários à medida (oportunismo casuístico);
4 – a negação abrupta (e não justificada) ao voto impresso auditável por parte de partidos e políticos que, outrora, em 2015, já haviam elogiado e aprovado a medida por larga margem de votos, em sessões do Congresso Nacional (contradição desfaçada);
5 – a propaganda inaceitável, na mídia (inclusive com veiculação de fake News), contra o voto impresso por parte de juízes do TSE, cuja função não é fazer política, senão executar suas tarefas do ponto de vista exclusivamente técnico (anomia institucional).
São todos sinais gravíssimos de que algo de muito estranho e alarmante permeia o atual cenário político nacional, com sérias ameaças à democracia e às instituições republicanas!
Não há nenhuma razão lógica consistente, portanto, uma vez instalado um clima de suspeição aos habituais procedimentos eleitorais (como ocorre hoje), para não se considerar a adoção de mecanismos tecnológicos que melhor assegurem a transparência e lisura de todo o processo (base fundamental de validação do Estado de Direito), tendo-se em mira, antes de tudo, a sua máxima legitimação e o apaziguamento do conturbado ambiente político prevalente.
Esta teria que ser a urgentíssima atitude, ética e isenta, de um Tribunal Eleitoral cuja única e nobre função repousa, justamente, na certificação do cumprimento absoluto e imparcial da vontade popular por intermédio de dispositivos que atribuam segurança – e não incertezas – ao eleitor e cidadão.
É à população, aos cidadãos que deveriam estar sensíveis e prestar contas de suas atitudes e decisões o Congresso Nacional e as Cortes Superiores – e não aos pares, corporações ou grupos de pressão; de vez que, numa democracia (ainda que representativa), ao povo é que pertence (deveria pertencer) a soberania – como reza a Constituição “Cidadã” de 1988 e toda a tradição moderna ocidental.
Por conseguinte, face a tanta celeuma, tanta dúvida, tanta agitação, a manutenção do voto eletrônico sem controle público e possibilidade de auditoria acaba soando como manipulação, contrafação, golpe. Uma tamanha irresponsabilidade que, ao invés de contribuir para o saneamento dos ânimos e o armistício dos espíritos, conduzirá ao engendramento inevitável da instabilidade contínua, do conflito permanente, da ingovernabilidade incontornável. Em suma, à implantação do caos e do estado de guerra.
Sim, a democracia brasileira está ameaçada! E os seus vilões, declarados! Esses, vestem togas e gravatas. É fácil de identificar!
Touché!
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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