Por que os institutos de pesquisas, alardeados pelo 'mainstream' como termômetro das ruas, erram tanto nas eleições — e sempre para o mesmo lado?
O eleitor de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, saiu de casa no último domingo, 29 de novembro, rumo à seção eleitoral com uma certeza: a candidata do Partido Comunista do Brasil, Manuela D’Ávila, havia virado o jogo e seria eleita prefeita naquela noite.
Ele não imaginou isso sozinho.
Ouviu no rádio, leu nos portais na internet dos grandes veículos de imprensa e assistiu aos apresentadores da TV Globo anunciarem “os mais novos números da pesquisa Ibope” na noite anterior.
De acordo com os dados do instituto, Manuela tinha ultrapassado o oponente, Sebastião Melo (MDB), naquela semana e venceria por 51% a 49%.
Ao votar, por volta das 10 horas do domingo, a candidata chegou a dizer em entrevista: “Nossa cidade vai construir um caminho novo, inspirado na verdade”.
Naquela noite, a mesma TV Globo informaria que Sebastião Melo ganhara a corrida por 55% a 45%. O Ibope havia errado — errado feio.
Os entendedores do jornalismo político no mainstream quase pegaram em armas para sustentar que o eleitorado gaúcho é imprevisível, afinal nunca reelegeu um governador, e o atual prefeito, inclusive, foi alijado do segundo turno, argumentaram.
Mas a tese ruiu quando saíram os resultados em São Paulo e no Recife.
Como explicar que os 55% a 45% de Bruno Covas (PSDB) contra Guilherme Boulos (Psol), este em proa de subida para eles, tenham se convertido em praticamente 60% a 40% nas urnas — uma distância de 1 milhão de dedos nas urnas.
Ou que os 50% a 50% de Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB), com viés de crescimento da petista, claro, tenham virado 56% a 44% a favor do eleito?
Não é exagero dizer que em todos os casos citados até agora o erro só teve um lado.
Na segunda-feira, dia seguinte ao do segundo turno, a diretora do Ibope, Márcia Cavallari, pediu desculpas pela pisada na bola em Porto Alegre em entrevista à Rádio Gaúcha, do Grupo RBS.
“A gente não teve um bom desempenho na última pesquisa. Inclusive, pedimos desculpas aos porto-alegrenses”, disse.
À Folha de S.Paulo, ela sugeriu que o instituto deveria refletir sobre a barbeiragem.
“Será que precisamos entender melhor os perfis dos eleitores que se abstiveram? Será que a nossa amostragem foi pequena para representar a cidade como um todo?”, questionou — foram ouvidos 807 entrevistados; Porto Alegre tem 1,1 milhão de eleitores.
Uma pesquisa na internet também revela que o eleitor da capital do Espírito Santo dormiu confuso com a profusão de manchetes na véspera do pleito.
Conforme o Ibope, o ex-prefeito João Coser (PT) saltara de 47% para 50% na reta final e o Delegado Pazolini (Republicanos) perdia gás, recuando de 53% para 50%. Estava tudo igual no sábado à noite. Porém, segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) capixaba, Pazolini foi eleito no domingo com 58,5% dos votantes.
Em Belém, uma das cinco cidades — e a única capital — onde o Psol ganhou, Edmilson Rodrigues marcava 58% contra 42% do adversário, Delegado Eguchi (Patriota), no mesmo Ibope que apagou a luz de sábado. Mas os números finais mostram que a vitória, 24 horas depois, foi no laço: uma diferença de só 26 mil votos.
As regras para divulgação de pesquisas estão estabelecidas na Lei nº 9.504/1997. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “os portais da Justiça Eleitoral disponibilizam as informações das pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, uma vez que são realizadas para conhecimento público. Os dados publicados são fornecidos, integralmente, pelas entidades e empresas que as realizam.
“Nesse contexto, o tribunal não realiza qualquer análise qualitativa, não defere nem homologa o teor, método ou resultado das pesquisas e não altera os dados, prerrogativa e responsabilidade das empresas e entidades. A finalidade do registro é apenas uma: dar publicidade às informações prestadas”.
Tecnicamente, há três tipos de erro em sondagens eleitorais, segundo o especialista em planejamento de governo e veterano em campanhas políticas Luis Carlos Burbano.
“Os erros amostrais têm a ver com a definição do tamanho e da distribuição da amostra — a correta deve ser proporcional ao número de eleitores, à composição por sexo, idade e distribuição geográfica. Em muitos casos, essas exigências técnicas não são cumpridas adequadamente. Os erros não amostrais acontecem quando os dados são coletados, registrados e processados — por exemplo, quando os entrevistados, simplesmente, mentem. E há os erros de interpretação”, diz Burbano.
Ao analisar as manchetes que surgiram dessas pesquisas nos portais de grandes veículos, contudo, Oeste ouviu de especialistas que pode ter ocorrido um quarto fator: o erro de torcida.
“É fake news mesmo. Ter pesquisas não é o problema, mas sim a credibilidade que os grandes veículos de imprensa dão a elas. E pesquisa não pode ser usada para alavancar candidaturas”, afirma o advogado Arthur Rollo, especialista em Direito Eleitoral, que obteve uma vitória histórica neste ano ao conseguir suspender na Justiça a publicação de um levantamento do Datafolha na capital paulista, segundo ele, repleto de erros — como as balizas de situação econômica e grau de escolaridade dos entrevistados.
Nesse caso, Rollo defendia a candidatura de Celso Russomanno (PRB).
“Não era um erro da pesquisa não, era para beneficiar o Guilherme Boulos”, completa o advogado.
Com a palavra, o diretor de pesquisas do Datafolha, Alessandro Janoni, sobre o motivo de os números da casa não baterem com os das urnas: “Depois que a pesquisa de véspera é divulgada, muitos eleitores observam o resultado desse levantamento, articulam-se e, somado a outros fatores, mudam de voto”.
Definitivamente, essa é uma daquelas respostas além da margem de erro.
Revista Oeste