O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) reduziu a taxa básica de juros, a Selic, de 3% ao ano para 2,25% na reunião desta quarta-feira.
Este é o menor patamar já registrado na História e o oitavo corte seguido na taxa, que iniciou a trajetória de queda em junho de 2019. Com isso, reduzem-se ainda mais os rendimentos de investimentos em renda fixa.
No comunicado, o Copom sinalizou que há espaço para mais cortes, mas pondera que eventual ajuste futuro "será residual", ou seja, o corte, se ocorrer deve ser de 0,25 ponto.
Para analistas, a nova redução nos juros, mesmo num cenário em que a Selic já estava muito baixa, ajuda a amortecer a recessão esperada para este ano, com encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) em ao menos 6,5%. Mas o efeito no crédito para empresas e pessoas físicas ainda vai demorar a chegar.
Ainda no comunicado, o Comitê afirmou que a pandemia continua causando "uma desaceleração pronunciada do crescimento global".
Diante desse cenário, o Copom entede que apesar dos pacotes de estímulo econômico lançados por governos ao redor do mundo, o ambiente para economicas emergentes, como a brasileira, é "desafiador".
Sobre a atividade econômica, o Copom destacou que o primeiro trimestre teve a maior queda desde 2015, mas que os indicadores econômicos sugerem uma contração ainda maior no segundo trimestre.
Com isso, a incerteza "permanece acima do usual" sobre o ritmo de recuperação da economia no restante do ano.
O corte de 0,75 pontos percentuais já tinha sido sinalizado pelo Copom na última reunião, em maio. O resultado ficou em linha com o estimado pelo mercado.
Para Gilmar Lima, economista sênior do banco BMG, a sinalização de um possível novo corte se deu por conta da piora na economia no último mês.
— Ocorre que da última reunião pra cá os números da atividade econômica vieram piores do que o esperado, o que mostra que a economia brasileira vai ser atingida mais fortemente do que o esperado em relação a crise da Covid-19.
Antes do início da crise trazida pelo coronavírus, o Copom sinalizou que havia encerrado o movimento de corte no custo do dinheiro e que manteria a Selic em 3,75%.
No entanto, com o freio na economia imposto pela pandemia e as consequências mais evidentes na economia em maio, o BC anunciou o primeiro corte de 0,75 pontos como uma forma de auxiliar o país a aguentar o impacto da crise.
Com o corte desta quarta-feira, o BC já reduziu a taxa em 1,5 ponto percentual em apenas duas reuniões.
Efeito no crédito
A Selic é a taxa em que bancos, administradoras de cartões e instituições financeiras se baseiam para calcular os juros que serão cobrados de seus clientes nas diferentes modalidades oferecidas. Com uma Selic mais baixa, outras taxas tendem a cair também, o que torna o crédito mais barato.
- A novidade da política monetária agora é o patamar dos juros. Nunca pensamos em ter juros nominais de 2,25% ao ano. Mas os efeitos são os mesmos: ajuda a melhorar o consumo, ajuda no financiamento de empresas, especialmente pata atravessar este momento de crise, e melhora as expectativas - diz a economista-chefe da BNP Paribas Asset Management, Tatiana Pinheiro.
Para ela, diante do desemprego e da perda de renda provocados pela crise do coronavírus, o estímulo dos juros mais baixos no consumo pode não atingir a “potência máxima esperada” neste momento. Mas, passado este cenário de isolamento social e incerteza, a tendência é que as pessoas voltem a comprar e tomar crédito, segundo ela.
A economista avalia que há espaço ainda para cortar mais os juros no Brasil, e no pós-pandemia esse cenário de taxas baixas será importante para a retomada. Por isso, ao cortar ainda mais a Selic, o BC já tem no foco o crescimento de 2021, na visão dela:
- É consenso que o país voltará a crescer em 2021. Não se sabe quanto, já que isso depende também da melhora do cenário externo. Mas os juros baixos ajudam.
Para Fábio Astrauskas, professor do Insper e presidente da Siegen Consultoria, o novo corte na Selic não significa que as taxas de juros cairão acentuadamente a partir de agora para quem busca crédito, sejam empresas ou pessoas físicas. Segundo ele, embora a Selic seja uma taxa referencial, ela é apenas um dos componentes do crédito:
- Os juros cobrados das empresas e das pessoas são compostos por outros fatores, como carga tributária, inadimplência e oferta e demanda. E esses fatores estão pressionando, no momento, para que os juros continuem a subir para o tomador final.
Reflexo no câmbio
No dólar, uma nova baixa da Selic também não terá efeitos tão significativos, neste momento, avalia o analista da Toro Investimentos, Lucas Carvalho. Para ele, o mercado já vinha precificando uma nova baixa da Selic, fazendo com o que a moeda americana operasse no patamar de R$ 5,20 nos últimos dias.
Quanto mais baixa a taxa de juros, menor a atratividade para o investidor estrangeiro vir buscar ganhos no Brasil e, portanto, há menos entrada de moeda estrangeira. Isso pressiona o câmbio para cima.
- Não acredito em mudanças significativas no câmbio, a menos que haja algum fato inesperado no cenário externo. A moeda americana deve continuar acima de R$ 5. Para cair abaixo desse patamar, será preciso que surja um remédio ou uma vacina que seja efetiva contra o Covid-19 - diz Carvalho.
Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho, avalia que o corte na taxa de juros pelo Banco Central (BC) tem mais relação com um movimento para dar suporte à retomada da economia, quando os problemas de saúde pública forem solucionados, do que com uma tentativa de mitigar uma queda do Produto Interno Bruto (PIB).
— Há uma defasagem de cerca de seis a nove meses entre as decisões de política monetária e os efeitos na política econômica. A redução nos juros não tem como papel conter a queda da atividade. A decisão do BC visa dar fôlego para que, mais à frente, a economia tenha condições mais favoráveis para a retomada. Este processo pode se dar, por exemplo, com condições mais vantajosas para o crédito para famílias e empresas.
Rostagno também pondera que ainda não é possível descartar cortes nos juros nas próximas reuniões do Copom.
— A grande dúvida é sobre a reunião de agosto, se vai ter queda de juros ou não. Dada a deterioração do mercado de trabalho, a limitação dos gastos do governo e o dólar mais perto de R$ 5 do que R$ 6, é possível que haja um novo corte na reunião futura — diz. — A incerteza sobre o impacto total da pandemia e as recentes revisões para baixo das projeções de crescimento do Brasil também devem ser lavados em consideração.
Gabriel Shinohara, Eduardo Campos, João Sorima Neto e Gabriel Martins, O Globo