Era uma vez um avião que, há muito tempo, não conseguia decolar. Todos sabiam que ele tinha motores fortes e grande capacidade de voo, mas ninguém conseguia tirá-lo do solo.
Certa vez, então, um piloto desbocado, com uniforme desalinhado e modos pouco corteses, disse que o colocaria no ar.
No começo, poucos acreditaram e não queriam lhe dar o comando. Com o tempo, porém, vendo aquela bela aeronave fora dos céus, resolveram lhe dar uma chance.
Querendo participar daquele momento histórico, muitos membros de outras tripulações embarcaram com o novo capitão. Todos prometendo ajudar-lhe a fazer voo tranquilo.
No começo, foi impressionante. Aquele avião, há tanto tempo parado, começou a ganhar velocidade e, aos poucos, foi levantando do solo.
Enquanto o público comemorava, os antigos pilotos, que foram incapazes da mesma proeza, torciam para que algo desse errado. A inveja lhes consumia. Sabiam que, desse jeito, nunca mais conseguiriam assumir o manche.
À medida que ganhava altitude, a própria tripulação, que jurou fidelidade ao comandante, também começou a invejar o seu desempenho, desejar o seu lugar e, então, se amotinou.
Alheio à crise com os traidores, porém, o Capitão continuou sua decolagem. Subindo cada vez mais.
Eis que, então, um bando de pássaros, que migravam de um país distante, chocou-se contra as turbinas e explodiu os motores, causando danos irreparáveis. A aceleração acabou, o nariz embicou para o solo e a queda tornou-se inevitável.
O comandante continuou firme, tentando fazer um pouso de emergência e minimizar a tragédia. Apesar das avarias nos motores, queria, ao menos, salvar a fuselagem. Os tripulantes amotinados, porém, esquecendo que estavam dentro do mesmo avião, passaram a tentar forçar a queda sobre alguma cidade.
Para eles, não importava se tudo explodisse e atingisse um número incalculável de pessoas. O único objetivo, ainda que sendo uma missão suicida, era o insucesso do piloto.
Os que assistiam, em solo, se dividiam em 3 grupos:
O primeiro, composto pelos ex-pilotos e seus amigos, comemorava, efusivamente, a cada metro perdido. As mídias noticiavam cada detalhe da manobra, criticando até os palavrões que o comandante dizia, em seus momentos de maior desespero. Assim como a tripulação ensandecida, estes queriam que a tragédia fosse a maior possível.
O segundo, inclusive com muitos daqueles que queriam que aquele Capitão assumisse o controle, correu para suas casas e se escondeu debaixo das camas, tremendo de medo, como se os frágeis telhados, sob suas cabeças, fossem lhes proteger, caso atingidos.
O terceiro, dos poucos ainda fiéis ao comandante, que ignorava histeria das notícias divulgadas pelos amigos dos inimigos, berrava sozinho, pedindo que todos viessem ajudar pelo menos a recolher os escombros. Queriam que os sobreviventes pudessem ser prontamente resgatados; que o incêndio, caso acontecesse, não se alastrasse.
Por tudo isso, eram taxados como loucos e irresponsáveis.
Adivinhem, então, quando a aeronave bateu no solo, qual o único grupo útil, que inclusive impediu, não sem prejuízo, que muitas casas dos covardes que se escondiam, fossem devastadas durante a tragédia...
"Cada época é salva por um punhado de homens que têm a coragem de não serem atuais." (CHESTERTON, Gilbert K.)
Felipe Fiamenghi
O Brasil não é para amadores.
Jornal da Cidade