sexta-feira, 17 de abril de 2020

"Arthur Lira, 'O Sombra'", por Wilson Lima

Há um novo nome que atua com notável desenvoltura no Congresso Nacional. O alagoano Arthur Lira (PP–AL) consolida seu poder e, com astúcia e habilidade, passa a mandar tanto, e às vezes até mais, quanto os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Lira foi um dos articuladores-chave para o avanço da pauta-bomba que tem potencial para destroçar as finanças públicas pelos próximos anos. Ele já é chamado por muitos de seus colegas de Eduardo Cunha 2.0.
Um inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual a Revista Oeste teve acesso com exclusividade, poderá levar O Sombra — outro de seus apelidos — a deixar os bastidores para ter de se explicar às claras à Justiça. Em documentos reunidos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela Polícia Federal (PF), Lira é apontado como receptor de R$ 1,59 milhão. De acordo com as investigações de procuradores e policiais, o dinheiro, com origem em propina paga pela empreiteira Queiroz Galvão e em movimentações ilegais do Fundo Partidário do PP, foi distribuído por Lira a companheiros de partido.
Em apenas um ano, Arthur Lira conseguiu, com uma mistura de terrorismo político e apadrinhamento de aliados, preencher as brechas deixadas pela articulação do governo federal. Passou a acumular poder e consolida-se como um forte candidato a substituir Rodrigo Maia na presidência da Câmara, quando o carioca deixar o comando da Casa, em fevereiro de 2021. Lira acelera a tramitação de emendas, consegue travar pautas que não são de seu interesse, domina como poucos o regimento interno e dá as cartas na distribuição dos apartamentos funcionais, escolhendo quem ocupará os melhores imóveis.
A votação da pauta-bomba de ajuda financeira a Estados e municípios, que abre margem para a elevação do endividamento sem contrapartidas na gestão fiscal, foi encampada por Maia, mas com a bênção de Lira. A Câmara deu uma demonstração clara de desapreço pela responsabilidade na gestão das contas públicas, com 431 votos em favor do descalabro financeiro. A articulação comandada por Lira foi fundamental para esse resultado e remete à velha política. Em ano eleitoral, liberar o caixa para prefeituras é passaporte para manter-se no poder a longo prazo. É o jogo dos parlamentares adeptos do fisiologismo. “O Centrão assumiu o comando político da Câmara. E com o apoio do PT”, afirma um líder de partido, que prefere não se identificar por temer represálias de Lira.
O plenário da Câmara já havia testemunhado a habilidade de Arthur Lira durante a votação relacionada ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), programa social que atende a idosos, deficientes físicos e pessoas que não contribuíram para a Previdência. Ao articular em favor da ampliação do BPC — medida obviamente populista, útil aos políticos em ano eleitoral —, Lira impôs uma derrota ao Planalto que custará R$ 20 bilhões por ano aos cofres públicos.

Apesar de não admitir, Lira trabalhou pelo protagonismo do Congresso, com o propósito de ofuscar o Executivo. Não gostou do que definiu como “passividade” de Rodrigo Maia. Lira quer comandar a reação do Parlamento e liberar emendas e recursos extraordinários diretamente por meio do Ministério da Saúde.
Antes disso, O Sombra já era visto entre seus pares como um dos parlamentares a favor do impeachment do presidente Bolsonaro. Contudo, mesmo entre amigos, ele evita o assunto. Alega que poderia gerar uma crise institucional. Nos corredores da Câmara, a situação é bem diferente. Parlamentares ouvidos por Oeste admitem, sempre reservadamente, que, se eleito presidente da Casa, Lira tenderá a aceitar pedidos de impedimento — ou, hipótese também provável, engavetar as solicitações em troca de espaços de poder em ministérios, estatais e secretarias. O Planalto sabe disso. Justamente por essa razão, procura dar fôlego à candidatura de Baleia Rossi, outro hábil articulador político, tido como o único nome capaz de ressuscitar o “Poderoso MDB” — Rossi, ironicamente, uniu-se a Lira para possibilitar o aumento do limite do BPC, contrariando o Executivo.

Youssef puxa a cortina

O homem que, por ora, prefere continuar atuando nos bastidores terá de vir a público para explicar seu envolvimento no caso documentado no inquérito 4631, hoje no STF. Os documentos e depoimentos reunidos pela PGR e pela PF, aos quais a reportagem de Oeste teve acesso com exclusividade, dão conta de que Lira teria recebido ilegalmente R$ 1,59 milhão em 2012 e distribuído o dinheiro a correligionários, como Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Eduardo da Fonte (PP-PE) e o senador Ciro Nogueira (PP-PI). O pagamento, segundo apuraram procuradores e agentes da PF, seria uma recompensa ao partido pela atuação em favor da manutenção de Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da Petrobras no período em que ele era o operador de propinas na estatal.
Além de documentos que registram uma série de complexas operações financeiras, PGR e PF contam ainda com o conteúdo de três delações premiadas: a do doleiro Alberto Youssef; a do empresário Leonardo Meireles, ex-dono do Laboratório Labogen e parceiro de Youssef em várias operações; e a do próprio Paulo Roberto Costa. Os três cumprem pena em regime aberto.
Consta do laudo da PF: “Com o aprofundamento da investigação, foi possível colacionar aos autos elementos de prova que se consubstanciam em prova da materialidade do delito no tocante à existência de fraudes financeiras e dissimulação de contratos para o pagamento de vantagem indevida a agentes políticos [sic]”. Em português claro: a PF está segura de que Lira recebeu e repassou propina. Esse processo contra o deputado faz parte da Lava Jato. PGR e PF correm contra o tempo para concluir as investigações. No fim do ano passado, o ministro do STF Edson Fachin estabeleceu o mês de abril como prazo final.
Há outros dois inquéritos tramitando contra ele no Supremo, além de uma ação penal da qual já é réu, anterior à Lava Jato. Na ação, o deputado é acusado de ter recebido R$ 106 mil em espécie do então presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos, Francisco Colombo, que buscava apoio político para permanecer no cargo.

As provas contra Lira

O Airbnb da Câmara

Enquanto o inquérito segue seu curso, Lira movimenta-se e estabelece as regras do jogo. Em 2019, mostrou não se atemorizar diante da possibilidade de criar “inimigos pessoais”. Durante as negociações pela reforma da Previdência, a maioria dos parlamentares na bancada do PP recebeu entre R$ 12 milhões e R$ 18 milhões em recursos de emendas articuladas por Lira, já no papel de líder do partido. O deputado Evair de Melo (ES) sentiu-se prejudicado por ficar com R$ 7 milhões para sua base eleitoral. Ao questionar o motivo, Melo ouviu de Lira um desaforo. “Achou ruim?! Vai lá pedir para seu amigo Ramos!”, disse o líder, referindo-se ao ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
Na tramitação da reforma da Previdência, Lira cresceu e ampliou sua teia de influência na Câmara e na Esplanada dos Ministérios. Ele foi um dos responsáveis por negociar o acordo para a aprovação da matéria com o ex-ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni e também com Joice Hasselmann (PSL-SP), na época líder do governo no Congresso. O acerto consistia em pagamentos anuais de R$ 50 milhões, divididos em R$ 20 milhões para a Câmara e R$ 30 milhões para o Senado. A promessa era válida para 2019 e 2020.
O poder de Lira vai de temas relacionados às grandes reformas estruturais a assuntos comezinhos, como a distribuição de apartamentos funcionais. De acordo com as normas da Câmara, o arranjo é de competência da quarta-secretaria, um setor não cobiçado e tido como pouco relevante. Porém, conhecedor do regimento interno, Lira articulou para seu correligionário André Fufuca (PP-MA) tornar-se o quarto-secretário. Assim, na prática, foi o próprio Lira quem definiu os parlamentares que seriam agraciados com imóveis novos, reformados e com vista bacana — os da Quadra 302 da Asa Norte, por exemplo — e aqueles que teriam de se acomodar em imóveis antigos e sem charme, nas quadras 111 e 311 da Asa Sul. Os deputados reeleitos que moram na Quadra 302 Norte só conseguiram vaga porque correligionários permaneceram nos imóveis, segurando o espaço para os atuais ocupantes.
Como uma espécie de Airbnb parlamentar, Lira virou as regras de ponta-cabeça, ao desrespeitar a tradição segundo a qual os deputados reeleitos têm prioridade na escolha dos apartamentos. Deu preferência àqueles que conquistaram o primeiro mandato em 2018, mais suscetíveis à influência de quem entende bem as normas da Casa. “Quem chega não sabe nada. Demora um ano para entender apenas o básico. Lira pega o sujeito pelo braço, orienta, vira um mentor”, diz um parlamentar estreante.
Como vem reagindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, diante do avanço consistente e metódico de Lira? As observações predominantes dão conta de que Maia estaria meio paralisado, sem ação, diante do fenômeno. O combate explícito se dará em fevereiro de 2021, na eleição do próximo presidente da Casa. Lira articula em silêncio sua candidatura e empenha-se em ampliar o capital político no baixo e no médio clero. Maia quer ver no cargo Aguinaldo Ribeiro, paraibano do mesmo partido de Lira, o PP. E Baleia Rossi (MDB–SP), como já foi dito, poderá ser o candidato do Planalto.

Medo e fascínio

Lira é um homem que atua nas sombras e conhece a natureza humana. Tem um estilo ríspido e centralizador. É conhecido por cumprir acordos e ser leal a seus pares, que por ele têm medo e fascínio. A reportagem de Oeste conversou com aproximadamente quarenta deputados. Poucos se dispuseram a falar abertamente sobre o colega, mesmo em caráter reservado. Homem de personalidade forte, Lira é apontado como alguém que dificilmente muda seus posicionamentos, mesmo nos casos em que é minoria. Nascido em 1969, é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas — formação que certamente contribui para seu excepcional domínio do regimento interno da Câmara.
Normalmente brincalhão entre os repórteres, Lira se irrita basicamente com três coisas: ser contrariado em público, ser chamado de líder do Blocão e ser questionado sobre seus processos na Lava Jato — talvez essa seja a razão pela qual sua assessoria de imprensa se recusou a responder, durante um mês, aos pedidos de entrevista de Oeste.
Na vida pessoal, o parlamentar é reservado. Não gosta de eventos com os colegas, como as peladas promovidas por senadores e deputados às terças-feiras, após as sessões parlamentares. Tem hábitos simples. Gosta de beber cerveja em bares de Maceió e de ficar com a família — tanto que disse a amigos ter ficado triste com o distanciamento dos filhos durante duas semanas no fim do ano passado, durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Seu grande ídolo é o pai, o senador Benedito de Lira (PP-AL).
Toda vez que um parlamentar do Centrão precisa de ajuda, a recomendação é simples: “Procura o Arthur, ele vai desenrolar isso para você”. Segundo os aliados, Lira tem como principal característica a fidelidade aos acordos firmados. O detalhe é confirmado até mesmo entre deputados eleitos na esteira do discurso lava-jatista, antipetista e na defesa da segurança pública.
Em Alagoas, a fama é outra. Alguns adversários o chamam nos bastidores de “caloteiro”, exatamente por não honrar o combinado. No Estado, há uma disputa entre o grupo político de Lira e a turma dos Calheiros. “Aqui, não temos adversários. Temos inimigos pessoais”, costuma repetir o governador Renan Filho (MDB). O deputado alagoano Sóstenes Cavalcante (DEM–RJ), integrante da Frente Evangélica da Câmara, adiciona uma característica ao perfil do todo-poderoso do Congresso: “A política [de Lira] é baseada mais no mal que pode fazer a seus inimigos e não necessariamente no bem proporcionado aos aliados. Apesar disso, é sem dúvida o homem mais forte da Câmara na atualidade”.
O controle das finanças públicas do país e o futuro de nossa economia passam pelos desejos, ambições e artimanhas de Arthur Lira, O Sombra.

Revista Oeste