Há um novo nome que atua com notável desenvoltura no Congresso Nacional. O alagoano Arthur Lira (PP–AL) consolida seu poder e, com astúcia e habilidade, passa a mandar tanto, e às vezes até mais, quanto os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Lira foi um dos articuladores-chave para o avanço da pauta-bomba que tem potencial para destroçar as finanças públicas pelos próximos anos. Ele já é chamado por muitos de seus colegas de Eduardo Cunha 2.0.
Um inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual a Revista Oeste teve acesso com exclusividade, poderá levar O Sombra — outro de seus apelidos — a deixar os bastidores para ter de se explicar às claras à Justiça. Em documentos reunidos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela Polícia Federal (PF), Lira é apontado como receptor de R$ 1,59 milhão. De acordo com as investigações de procuradores e policiais, o dinheiro, com origem em propina paga pela empreiteira Queiroz Galvão e em movimentações ilegais do Fundo Partidário do PP, foi distribuído por Lira a companheiros de partido.
Em apenas um ano, Arthur Lira conseguiu, com uma mistura de terrorismo político e apadrinhamento de aliados, preencher as brechas deixadas pela articulação do governo federal. Passou a acumular poder e consolida-se como um forte candidato a substituir Rodrigo Maia na presidência da Câmara, quando o carioca deixar o comando da Casa, em fevereiro de 2021. Lira acelera a tramitação de emendas, consegue travar pautas que não são de seu interesse, domina como poucos o regimento interno e dá as cartas na distribuição dos apartamentos funcionais, escolhendo quem ocupará os melhores imóveis.
A votação da pauta-bomba de ajuda financeira a Estados e municípios, que abre margem para a elevação do endividamento sem contrapartidas na gestão fiscal, foi encampada por Maia, mas com a bênção de Lira. A Câmara deu uma demonstração clara de desapreço pela responsabilidade na gestão das contas públicas, com 431 votos em favor do descalabro financeiro. A articulação comandada por Lira foi fundamental para esse resultado e remete à velha política. Em ano eleitoral, liberar o caixa para prefeituras é passaporte para manter-se no poder a longo prazo. É o jogo dos parlamentares adeptos do fisiologismo. “O Centrão assumiu o comando político da Câmara. E com o apoio do PT”, afirma um líder de partido, que prefere não se identificar por temer represálias de Lira.
O plenário da Câmara já havia testemunhado a habilidade de Arthur Lira durante a votação relacionada ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), programa social que atende a idosos, deficientes físicos e pessoas que não contribuíram para a Previdência. Ao articular em favor da ampliação do BPC — medida obviamente populista, útil aos políticos em ano eleitoral —, Lira impôs uma derrota ao Planalto que custará R$ 20 bilhões por ano aos cofres públicos.
Apesar de não admitir, Lira trabalhou pelo protagonismo do Congresso, com o propósito de ofuscar o Executivo. Não gostou do que definiu como “passividade” de Rodrigo Maia. Lira quer comandar a reação do Parlamento e liberar emendas e recursos extraordinários diretamente por meio do Ministério da Saúde.
Antes disso, O Sombra já era visto entre seus pares como um dos parlamentares a favor do impeachment do presidente Bolsonaro. Contudo, mesmo entre amigos, ele evita o assunto. Alega que poderia gerar uma crise institucional. Nos corredores da Câmara, a situação é bem diferente. Parlamentares ouvidos por Oeste admitem, sempre reservadamente, que, se eleito presidente da Casa, Lira tenderá a aceitar pedidos de impedimento — ou, hipótese também provável, engavetar as solicitações em troca de espaços de poder em ministérios, estatais e secretarias. O Planalto sabe disso. Justamente por essa razão, procura dar fôlego à candidatura de Baleia Rossi, outro hábil articulador político, tido como o único nome capaz de ressuscitar o “Poderoso MDB” — Rossi, ironicamente, uniu-se a Lira para possibilitar o aumento do limite do BPC, contrariando o Executivo.
Youssef puxa a cortina
O homem que, por ora, prefere continuar atuando nos bastidores terá de vir a público para explicar seu envolvimento no caso documentado no inquérito 4631, hoje no STF. Os documentos e depoimentos reunidos pela PGR e pela PF, aos quais a reportagem de Oeste teve acesso com exclusividade, dão conta de que Lira teria recebido ilegalmente R$ 1,59 milhão em 2012 e distribuído o dinheiro a correligionários, como Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Eduardo da Fonte (PP-PE) e o senador Ciro Nogueira (PP-PI). O pagamento, segundo apuraram procuradores e agentes da PF, seria uma recompensa ao partido pela atuação em favor da manutenção de Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da Petrobras no período em que ele era o operador de propinas na estatal.
Além de documentos que registram uma série de complexas operações financeiras, PGR e PF contam ainda com o conteúdo de três delações premiadas: a do doleiro Alberto Youssef; a do empresário Leonardo Meireles, ex-dono do Laboratório Labogen e parceiro de Youssef em várias operações; e a do próprio Paulo Roberto Costa. Os três cumprem pena em regime aberto.
Consta do laudo da PF: “Com o aprofundamento da investigação, foi possível colacionar aos autos elementos de prova que se consubstanciam em prova da materialidade do delito no tocante à existência de fraudes financeiras e dissimulação de contratos para o pagamento de vantagem indevida a agentes políticos [sic]”. Em português claro: a PF está segura de que Lira recebeu e repassou propina. Esse processo contra o deputado faz parte da Lava Jato. PGR e PF correm contra o tempo para concluir as investigações. No fim do ano passado, o ministro do STF Edson Fachin estabeleceu o mês de abril como prazo final.
Há outros dois inquéritos tramitando contra ele no Supremo, além de uma ação penal da qual já é réu, anterior à Lava Jato. Na ação, o deputado é acusado de ter recebido R$ 106 mil em espécie do então presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos, Francisco Colombo, que buscava apoio político para permanecer no cargo.
As provas contra Lira
- Depoimento de ex-assessor do PP mostra que Arthur Lira “recebia grandes valores em seu apartamento funcional”
- A PF identificou em planilha apreendida que Rafael Ângulo Lopes destinou recursos a políticos do PP
- PF apreendeu registros de vôos em nome de Ceará, auxiliar de Yousseff tido como intermediário na entrega de propina
- Segundo a PF, vôos do Ceará são “plenamente convergentes” com entrega de valores ao PP
- Análise da PF mostra como Lira teria atuado para entregar propina a aliados políticos. Para os investigadores, valores foram pagos como recompensa à manutenção de Paulo Roberto Costa na Petrobrás
- Registros de vôos em nome de Ceará, auxiliar de Yousseff tido como intermediário na entrega de propina, mostram que ele estava em Brasília nos dias apontados na planilha de Rafael Lopes
O Airbnb da Câmara
Enquanto o inquérito segue seu curso, Lira movimenta-se e estabelece as regras do jogo. Em 2019, mostrou não se atemorizar diante da possibilidade de criar “inimigos pessoais”. Durante as negociações pela reforma da Previdência, a maioria dos parlamentares na bancada do PP recebeu entre R$ 12 milhões e R$ 18 milhões em recursos de emendas articuladas por Lira, já no papel de líder do partido. O deputado Evair de Melo (ES) sentiu-se prejudicado por ficar com R$ 7 milhões para sua base eleitoral. Ao questionar o motivo, Melo ouviu de Lira um desaforo. “Achou ruim?! Vai lá pedir para seu amigo Ramos!”, disse o líder, referindo-se ao ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
Na tramitação da reforma da Previdência, Lira cresceu e ampliou sua teia de influência na Câmara e na Esplanada dos Ministérios. Ele foi um dos responsáveis por negociar o acordo para a aprovação da matéria com o ex-ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni e também com Joice Hasselmann (PSL-SP), na época líder do governo no Congresso. O acerto consistia em pagamentos anuais de R$ 50 milhões, divididos em R$ 20 milhões para a Câmara e R$ 30 milhões para o Senado. A promessa era válida para 2019 e 2020.
O poder de Lira vai de temas relacionados às grandes reformas estruturais a assuntos comezinhos, como a distribuição de apartamentos funcionais. De acordo com as normas da Câmara, o arranjo é de competência da quarta-secretaria, um setor não cobiçado e tido como pouco relevante. Porém, conhecedor do regimento interno, Lira articulou para seu correligionário André Fufuca (PP-MA) tornar-se o quarto-secretário. Assim, na prática, foi o próprio Lira quem definiu os parlamentares que seriam agraciados com imóveis novos, reformados e com vista bacana — os da Quadra 302 da Asa Norte, por exemplo — e aqueles que teriam de se acomodar em imóveis antigos e sem charme, nas quadras 111 e 311 da Asa Sul. Os deputados reeleitos que moram na Quadra 302 Norte só conseguiram vaga porque correligionários permaneceram nos imóveis, segurando o espaço para os atuais ocupantes.
Como uma espécie de Airbnb parlamentar, Lira virou as regras de ponta-cabeça, ao desrespeitar a tradição segundo a qual os deputados reeleitos têm prioridade na escolha dos apartamentos. Deu preferência àqueles que conquistaram o primeiro mandato em 2018, mais suscetíveis à influência de quem entende bem as normas da Casa. “Quem chega não sabe nada. Demora um ano para entender apenas o básico. Lira pega o sujeito pelo braço, orienta, vira um mentor”, diz um parlamentar estreante.
Como vem reagindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, diante do avanço consistente e metódico de Lira? As observações predominantes dão conta de que Maia estaria meio paralisado, sem ação, diante do fenômeno. O combate explícito se dará em fevereiro de 2021, na eleição do próximo presidente da Casa. Lira articula em silêncio sua candidatura e empenha-se em ampliar o capital político no baixo e no médio clero. Maia quer ver no cargo Aguinaldo Ribeiro, paraibano do mesmo partido de Lira, o PP. E Baleia Rossi (MDB–SP), como já foi dito, poderá ser o candidato do Planalto.
Medo e fascínio
Lira é um homem que atua nas sombras e conhece a natureza humana. Tem um estilo ríspido e centralizador. É conhecido por cumprir acordos e ser leal a seus pares, que por ele têm medo e fascínio. A reportagem de Oeste conversou com aproximadamente quarenta deputados. Poucos se dispuseram a falar abertamente sobre o colega, mesmo em caráter reservado. Homem de personalidade forte, Lira é apontado como alguém que dificilmente muda seus posicionamentos, mesmo nos casos em que é minoria. Nascido em 1969, é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas — formação que certamente contribui para seu excepcional domínio do regimento interno da Câmara.
Normalmente brincalhão entre os repórteres, Lira se irrita basicamente com três coisas: ser contrariado em público, ser chamado de líder do Blocão e ser questionado sobre seus processos na Lava Jato — talvez essa seja a razão pela qual sua assessoria de imprensa se recusou a responder, durante um mês, aos pedidos de entrevista de Oeste.
Na vida pessoal, o parlamentar é reservado. Não gosta de eventos com os colegas, como as peladas promovidas por senadores e deputados às terças-feiras, após as sessões parlamentares. Tem hábitos simples. Gosta de beber cerveja em bares de Maceió e de ficar com a família — tanto que disse a amigos ter ficado triste com o distanciamento dos filhos durante duas semanas no fim do ano passado, durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Seu grande ídolo é o pai, o senador Benedito de Lira (PP-AL).
Toda vez que um parlamentar do Centrão precisa de ajuda, a recomendação é simples: “Procura o Arthur, ele vai desenrolar isso para você”. Segundo os aliados, Lira tem como principal característica a fidelidade aos acordos firmados. O detalhe é confirmado até mesmo entre deputados eleitos na esteira do discurso lava-jatista, antipetista e na defesa da segurança pública.
Em Alagoas, a fama é outra. Alguns adversários o chamam nos bastidores de “caloteiro”, exatamente por não honrar o combinado. No Estado, há uma disputa entre o grupo político de Lira e a turma dos Calheiros. “Aqui, não temos adversários. Temos inimigos pessoais”, costuma repetir o governador Renan Filho (MDB). O deputado alagoano Sóstenes Cavalcante (DEM–RJ), integrante da Frente Evangélica da Câmara, adiciona uma característica ao perfil do todo-poderoso do Congresso: “A política [de Lira] é baseada mais no mal que pode fazer a seus inimigos e não necessariamente no bem proporcionado aos aliados. Apesar disso, é sem dúvida o homem mais forte da Câmara na atualidade”.
O controle das finanças públicas do país e o futuro de nossa economia passam pelos desejos, ambições e artimanhas de Arthur Lira, O Sombra.
Revista Oeste






