domingo, 28 de abril de 2019

"Brasil, país do amanhã ou depois", por Deonísio da Silva

Deonísio da Silva
Na semana passada não celebramos apenas mais um Descobrimento do Brasil. Celebramos 509 anos de muitas procrastinações.
A primeira deu-se ainda antes de nosso país vir ao mundo e chamar-se Brasil. Liderando uma frota ou esquadra de treze naus, Pedro Álvares Cabral ia partir no domingo, dia 8 de março, depois da missa solene e das demais cerimônias de despedida para a longa viagem.
Mas surgiu o imprevisto do mau tempo e ele só deixou a costa na segunda-feira, dia 9 de março de 1500,  para descobrir uma terra cuja existência os sabidos portugueses já não ignoravam.
Deu-se ali a primeira procrastinação e provavelmente o primeiro faz de conta, percebido nestas linhas da segunda das três cartas enviadas ao rei Dom Manuel I contando do “descobrimento” ou “achamento”: “Quanto, Senhor, ao sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra”.
Já as duas outras narrativas, a Carta de Pero Vaz de Caminha, e o Relato do Piloto Anônimo, disfarçam melhor ou ajudam o poder metropolitano a esconder ou a omitir, tarefas de resto mais do que justificáveis como estratégias da diplomacia. As cortes católicas para as quais trabalhavam sabiam quem mandava e tinham diplomatas altamente qualificados para trabalhar nos bastidores.
Não vai cair no Enem o que é procrastinação, mas os leitores que não sabem o que é procrastinação têm que ir ao dicionário, pois não há outra palavra tão precisa para designar o adiamento, a transferência ou qualquer outro nome pelo qual o evento seja conhecido. Afinal, “cras” em latim quer dizer “amanhã”.
Desde então o Brasil vive sob o carma da procrastinação. Tudo é deixado para amanhã, advérbio substituído também por depois… E a reforma da previdência? Depois, amanhã ou, melhor ainda, depois de amanhã na semana que vem ou no próximo século.
Mas tem havido alguma exceção. O ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, hoje na prisão, depois de procrastinar 18 pedidos de impeachment para afastar a então presidente da República, enfim aceitou um deles e deu-se a acachapante derrota de Dilma Rousseff, mais dilatada do que a goleada de 7 x 1 imposta pela Alemanha ao Brasil dois anos antes.
Foi ele também quem advertiu colegas e amigos, depois do processo de cassação de seu mandato, que (hoje) ele seria cassado e preso, mas (amanhã) seria vez de muitos outros.
O escritor judeu-austríaco Stefan Zweig, sobre cujo suicídio, dele e da esposa Charlotte Altmann, aliás, escrevi o romance “Lotte & Zweig”, já publicado também na Itália, dizia que o Brasil era o país do futuro.
Era. Sempre foi. Desde o berço. Mas tomara que o futuro chegue logo e não seja mais procrastinado. Afinal, cantamos em nosso hino, na letra de Joaquim Osório Duque-Estrada, professor do Colégio Pedro II: És belo, és forte, impávido colosso,/ E o teu futuro espelha essa grandeza”.
O autor e professor morreu em 1922 e parecia, de fato, que o futuro estava chegando. Mas atrasou e ainda não chegou, passados tantos anos até o presente 2019.
*Deonísio da SilvaDiretor do Instituto da Palavra & ProfessorTitular Visitante da Universidade Estácio de Sá
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