quinta-feira, 3 de maio de 2018

"Os juros e a espantosa transparência da Febraban", por Ascânio Seleme

O Globo

O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, não podia ter sido mais claro. Na audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na semana passada, Portugal disse que não é a falta da concorrência que mantém altos os juros bancários. “Caso não existisse competição no setor bancário, isso se refletiria em taxas de lucro abusivas, muito superiores às taxas de outros setores da economia, ou muito superiores às taxas de lucro dos setores bancários de outros países”, disse ele, segundo nota da própria Febraban.

Com incrível transparência, o presidente da instituição, nomeado para a função pelos principais banqueiros do país, admite que os bancos são inescrupulosos. Murilo Portugal disse, em outras palavras, que os bancos enfiariam mesmo a faca no consumidor de crédito, eu, você e nossos vizinhos, se não houvesse alguém fungando no seu cangote e pisando no seu calcanhar. Ocorre que a concorrência se dá entre amigos bem organizados, e os lucros dos grandes bancos são contados, ano após ano, na casa das dezenas de bilhões. Em 2017, o Itaú lucrou R$ 25 bilhões. No primeiro trimestre deste ano, o Bradesco anunciou resultado de R$ 5,1 bilhões.

Esses números grandiloquentes não permitem dizer que os lucros são abusivos, mas representaram margem de 23,3% no ano passado, segundo o Banco Central. Um lucro espetacular para qualquer setor da economia. Num ranking de margens feito pela “Forbes” com as 20 maiores empresas do mundo, a dos titãs do setor financeiro varia de 17,3%, do Bank of America, a 23,6%, do J.P. Morgan. Mostra que os brasileiros ocupam o topo da pirâmide global. Se comparados a outros gigantes da economia, os bancos compatriotas ganham da Apple, que tem margem de 23%, da Toyota, com 8,2%, e da Exxon, com 6,8%.

Na audiência, Murilo Portugal culpou a inadimplência alta dos tomadores de crédito como a principal razão para o enorme spread, que é a diferença entre o que os bancos pagam e o que cobram de juros de seus clientes. Enquanto grandes bancos praticam spreads de até 1,5% em países como Japão, Suécia, Nova Zelândia, Itália, Chile e Malásia, nossos conterrâneos operam com taxa de 21,5%. A inadimplência, de acordo com a Febraban, representa 55,7% do custo da intermediação financeira.

Se algumas iniciativas forem aprovadas no Congresso, o crédito pode ser expandido e o custo dos empréstimos pode cair, disse o presidente. Ele citou o PLP 441/77, que mexe no Cadastro Geral de Crédito, facilitando o conhecimento do cliente. Curioso. Por que os próprios bancos não cuidam dos seus cadastros? Ninguém melhor do que eles para conhecer a saúde financeira de seus usuários. Bancos não precisam de autorização judicial para quebrar sigilo de correntistas e conhecem o perfil de cada um deles.

Outra explicação da Febraban para os juros estratosféricos são os custos trabalhistas e o volume de investimentos em tecnologias. Um deles existe entre vários motivos, e talvez o principal, para reduzir os gastos do outro. A tecnologia empregada reduziu mão de obra e cortou custos na medida em que digitalizou quase todas as interações entre clientes e bancos. Aliás, talvez seja por isso que os bancos perderam o controle de seus clientes e passaram a operar com uma horda de caloteiros.

Os juros também poderiam ser reduzidos se os bancos fossem poupados pelo braço forte da Receita Federal. Foi o que sugeriu o presidente da Febraban na audiência da CAE.

“Outras medidas contribuiriam para a redução dos juros no Brasil, como a redução ou a eliminação de impostos na intermediação financeira”, disse Portugal aos senadores. Isso é fácil de resolver, ora, basta a União parar de cobrar impostos dos bancos. Simples.

E com mais algumas “inovações institucionais”, o problema estará solucionado. Murilo Portugal também pensou nisso. Ele disse que os senadores poderiam ajudar “a diminuir os riscos trabalhistas e legais que impactam os custos operacionais dos bancos” como parte da fórmula para reduzir os juros. Então, estamos resolvidos. Os bancos param de pagar impostos, fazem desaparecer contenciosos na Justiça do Trabalho, contornam algumas leis e, pronto, os juros caem. Genial. Como ninguém pensou nisso antes?

Ascânio Seleme é jornalista