O Estado de S.Paulo
Antônio Palocci já foi de tudo na vida: sanitarista, funcionário público, guerrilheiro, prefeito, deputado federal, coordenador de campanhas eleitorais de candidatos vitoriosos à Presidência da República, ministro da Fazenda e chefe da Casa Civil. E, justiça seja feita, nunca foi santo.
Ao contrário, quando se tornou a mão direita do todo-poderoso padim Lula, já tinha uma capivara notória de denúncias de corrupção. Em 9 de março de 2006, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos, o delegado seccional de Ribeirão Preto, Benedito Antônio Valencise, relatou detalhes das investigações sobre irregularidades em contratos e licitações da prefeitura daquela cidade com a empresa de varrição urbana Leão & Leão. De acordo com o depoente, os inquéritos policiais contêm provas e indícios do envolvimento dos ex-prefeitos do rico município paulista Antônio Palocci e Gilberto Maggioni no comando do esquema, em conjunto com o presidente da Leão & Leão, Luiz Cláudio Leão. O rei dos animais passou, desde então, a sujar sua ficha de mau gestor.
Nada disso manchou a fama do ex-militante da trotskista Libelu e diligente servidor da Secretaria de Saúde do Estado que se elegeu duas vezes prefeito de sua cidade e deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), cuja alta hierarquia nunca cobrou dele malfeitos de que era acusado. Galgou a escada do poder e da glória bem ao lado do paxá dos petistas e foi parlamentar com discursos e projetos típicos do delírio soit-disant socialista, ao gosto do PT de antes do poder.
Em 2002, o protagonista do escândalo de corrupção na prefeitura de Santo André, Celso Daniel, foi executado por criminosos, impunes por mercê de uma penada do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski. E Palocci assumiu a coordenadoria do projeto de governo de Lula. Nessa condição, inspirou e conduziu a guinada liberal, manifestada na célebre Carta aos Brasileiros, que cimentou a rampa de subida do chefão ao ápice do poder.
Aí, o xodó de papai Lula virou os quindins de banquetes de ioiôs da plutocracia patronal. Na Câmara e na militância petista ele pregava o calote da dívida externa e o rompimento com o mercado financeiro internacional, além de ter autorizado a abertura em seu município de escritório das Farc, guarda pretoriana marxista dos cartéis colombianos do narcotráfico. Como avalista da guinada do favorito à Presidência, passou a ser visto, recebido e mimado por banqueiros, empreiteiros e pensadores liberais como baluarte da moeda estável e da negociação de dívidas tomadas no exterior. E como garante de estabilidade se opôs ao companheiro de armas José Dirceu, que era chefe da Casa Civil de Lula.
No auge da república da farsa socialista do PT, Palocci logo deixou claro que sua verdadeira vocação era a extraordinária capacidade de transformar proximidade do poder em moeda sonante, não a medicina social, a militância política ou a gestão pública. Frequentou em Brasília uma mansão na qual prostitutas de fino trato e malas de propina eram distribuídas a ele e a alguns dos membros da patota dos tempos de Ribeirão Preto.
Sua presença foi denunciada pelo caseiro Francenildo Santos Costa, o Nildo, em entrevista ao Estado, confirmada na CPI dos Bingos, iniciando um episódio que cobriu de infâmia todas as suas personagens. O repórter Vladimir Netto revelou na revista Época que a principal testemunha dispunha então de saldo de R$ 38.860, quantia incompatível com sua renda, numa conta na Caixa Econômica Federal (CEF). Informados pela jornalista Helena Chagas, Palocci e Jorge Mattoso, então presidente da CEF, quebraram sem autorização judicial o sigilo bancário do caseiro, pretendendo provar que este havia recebido o dinheiro de interessados em prejudicá-lo. E o dinheiro fora depositado pelo pai biológico do destinatário, um segredo de família.
A reação dos petistas à folha corrida de Palocci foi, como de hábito, asquerosa: o senador Tião Viana (PT-AC) obteve do então ministro do STF César Peluso liminar para barrar o depoimento do caseiro na CPI dos Bingos. Demitido do governo, o beneficiário dessa sórdida fábula voltou à Câmara e às relações espúrias com a fina-flor da burguesia. Relatório da Receita Federal informou que seu alter ego jurídico, a Projeto Consultoria Empresarial e Financeira, recebeu R$ 81,3 milhões de 47 empresas.
Sua volta à cúpula não tardou. Com todo esse prontuário policial, Palocci coordenou a campanha vitoriosa de Dilma Rousseff em 2010 e tornou-se chefe da equipe de transição e, depois, da Casa Civil da sucessora estepe de Lula.
As figurinhas carimbadas desse álbum de horrores não recomendam: PT, MDB, PSDB, a cúpula do Judiciário e amigos ocultos do acordão que sabota o combate à corrupção no Brasil. Tião Viana governa o Acre e não disputará a reeleição: preferiu apoiar a permanência do irmão Jorge no Senado. Nildo, o único cidadão honrado do caso, sobrevive em empregos mal remunerados.
O protagonista foi apanhado pelo vendaval da Lava Jato. Condenado a 12 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e preso desde setembro de 2016, Palocci lutou com dificuldades para obter uma delação premiada, negociada a duras penas com o Ministério Público Federal (MPF), sabe-se lá por quê. E a firmou com a Polícia Federal.
Enquanto Palocci espera a homologação do TRF-4 e eventuais confirmações dos tribunais superiores, os petistas, que sempre o perdoaram, passaram a difamá-lo em cínico benefício próprio. Lula sugeriu que seu xodó de antes o acusa de ilícitos para sair da prisão. E Dilma Rousseff, em nota, garantiu que o chefe da Casa Civil de seu governo criou “peças de ficção” ao contar reuniões dos dois em que propinas foram citadas. Quem leu este texto sabe que até agora, se alguém mentiu, não foi só ele.
José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor.