São precárias as declarações de despesas e a identificação dos prestadores de serviço, em nível municipal, estadual e federal
Os partidos políticos terão nas próximas eleições R$ 2,6 bilhões provenientes de recursos públicos. O valor corresponde à soma dos Fundos Partidário (R$ 888,7 milhões) e Eleitoral (R$ 1,7 bilhão). Além disso, se considerado o montante que o governo abre mão de arrecadar em impostos por conta da veiculação do horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio (R$ 1 bilhão), o dinheiro público que sai do Orçamento ou que deixa de entrar no caixa da União ultrapassa R$ 3,6 bilhões.
Os R$ 3,6 bilhões equivalem às despesas integrais somadas dos ministérios do Meio Ambiente e do Turismo em 2017. É muito dinheiro repartido sempre entre os mesmos. Nos últimos dez anos, os partidos brasileiros renovaram apenas um de cada quatro dirigentes, segundo análise da consultoria Pulso Público. A empresa avaliou a composição das Executivas e Diretórios Nacionais das legendas registradas na Justiça Eleitoral neste período. Como diziam as avós, muda a marmelada, mas as moscas são as mesmas.
Há dois meses, o Movimento Transparência Partidária divulgou relatório com balanço sobre o nível de transparência dos partidos no Brasil. O resultado foi contundente. Dos 35 partidos registrados na Justiça Eleitoral, o mais bem colocado no ranking obteve a nota 2,5 em escala que vai de 0 a 10. São precárias, por exemplo, as declarações de despesas e a identificação dos prestadores de serviço, em nível municipal, estadual e federal, e a publicação de dados em formato aberto, de forma a permitir que os cidadãos possam analisar as informações. Também não há clareza na relação dos filiados com os respectivos dados pessoais e no histórico de dirigentes, com as datas de ocupação dos cargos e a forma de escolha. Além disso, é difícil descobrir quais são as regras para ocupação de cargos nos partidos e como se dá a escolha dos candidatos nas eleições. São raras as listas de funcionários, suas funções, salários, agendas de atividades etc.
Pela legislação atual, os partidos são obrigados a declarar suas contas para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma vez por ano. Mas a análise e o julgamento dessas contas são bizarros. Há poucos dias, foram julgadas pela Corte, pasmem, as contas referentes ao ano de 2012. A defasagem é tal que sobre essas contas pairavam o risco e o vexame da prescrição, já consumada em anos anteriores. Os processos relativos aos anos subsequentes avolumam-se no TSE. Há cerca de 1.200.000 páginas pendentes de julgamento.
Ainda que tardios, os julgamentos trazem à tona enormes absurdos. Nas contas de 2011, analisadas em 2017, estavam notas fiscais de barris de chope, vinhos, caipirinha, uísque, jatinhos, banda de rock e até o pagamento a uma consultoria, pertencente a um funcionário do partido, para a realização de um “estudo”, copiado da internet.
Ao julgar as contas de 2012 no início deste mês, o TSE determinou que os partidos devolvam mais de R$ 13,3 milhões em virtude de irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Partidário. Os maiores ressarcimentos ao Erário terão de ser feitos por PSDB (R$ 5,4 milhões), PT (R$ 1,53 milhão), DEM (R$ 1 milhão), PMN (R$ 922 mil) e PP (R$ 726 mil).
Vale lembrar que para diminuir a papelada, aprimorar e agilizar as análises, em 2006 a Justiça Eleitoral tentou implementar um sistema eletrônico para prestação de contas partidárias, semelhante ao utilizado pela Receita Federal para a declaração do Imposto de Renda. A proposta acabou engavetada devido à forte resistência das legendas. Os partidos continuaram a enviar suas prestações de contas em papel, usando classificações genéricas para justificar os gastos, como “serviços técnicos”, “manutenção da sede” ou “transporte”, dificultando a identificação exata de como os recursos foram utilizados.
No ano passado, finalmente, as receitas e despesas dos partidos políticos passaram a ser informadas ao TSE por meio do chamado Sistema de Prestações de Contas Anuais (SPCA). Ainda assim, em 3 de abril deste ano, em reunião no TSE, os partidos políticos solicitaram ao presidente do tribunal a suspensão do uso do sistema eletrônico, com o que, felizmente, não concordou o ministro Luiz Fux. Além de manter a ferramenta como obrigatória, o ministro manteve o prazo — que se esgotou em 30/4 — para que os partidos completassem as declarações no sistema.
Pessoalmente, entendo que as informações prestadas pelos partidos devem ser imediatamente divulgadas na internet, em formato que facilite a pesquisa, inclusive em dados abertos.
Afinal, o dinheiro dos partidos políticos é da nossa conta.
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas