quinta-feira, 3 de maio de 2018

Entenda o sistema que doleiros usaram para movimentar US$ 1,6 bilhão



Agentes cumprem mandados da Operação Câmbio, Desligo - Eliane Neves/Fotoarena / Agência O Globo

Daniel Biasetto e Júlia Coplem O Globo 


Para driblar a fiscalização dos órgãos de controle financeiro, as organizações criminosas passaram a desenvolver sofisticados esquemas de movimentação de recursos, no Brasil e no exterior. O sistema de compensação permite aos grupos praticar crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira, por exemplo, por meio de uma rede de doleiros. Nesta quinta-feira, a Lava-Jato mandou prender, em cinco estados brasileiros, no Uruguai e no Paraguai 45 doleiros que fizeram circular US$ 1,652 bilhão.

Por meio dessas operações, detalhadas pelo Ministério Público Federal (MPF), a organização criminosa consegue "gerar" reais em espécie no Brasil sem sacar o valor de bancos e também consegue alimentar contas no exterior sem um contrato de câmbio registrado no Banco Central. O dinheiro vivo é um dos meios mais usados nas transações, por encobrir rastros e vinculações entre corruptor e corrupto.

Para controlar as transações, os colaboradores da rede recorriam a um sistema paralelo online próprio, chamado de "Bank Drop", que guardava os registros de transações internacionais, dados de contas, bancos, beneficiários, datas e valores. O transporte, a custódia e a liquidação de tantos recursos se tornaram um desafio: outro sistema informatizado, de nome "ST", funcionava como uma conta corrente e controlava a movimentação de dólares e reais. Os doleiros também usavam transportadores e alugavam salas comerciais com controle de acesso, durante curtos períodos, para armazenar o dinheiro, em nome de empresas de fachada ou seus funcionários.

Um exemplo dos artifícios criados para escapar dos órgãos de controle é a operação "dólar cabo". O sistema dos doleiros, por exemplo, contava com mais de 3 mil offshores em 52 países. Trata-se de uma relação de confiança entre os doleiros e os clientes. A transação pode ocorrer por meio da "compra de dólares" ou da "venda de dólares".



CABRAL: R$ 1 MILHÃO POR DIA

O MPF considera o ex-governador do Rio Sérgio Cabral um exemplo de agente público comprador de dólares e usuário do sistema paralelo para enviar recursos de propina ao exterior. O político enviou mais de US$ 101 milhões pelo sistema de dólar cabo. Quando assumiu o Palácio da Guanabara, o esquema de Cabral ficou tão grande que se dividiu entre doleiros. O volume diário de operações ligadas ao ex-governador entre 2010 e 2016 chegava a R$ 1 milhão, de acordo com as delações de Juca Bala e Tony.


















Já na operação de "venda de dólares", o doleiro recebe a moeda estrangeira no exterior em suas contas e entrega ao cliente o valor correspondente em reais no Brasil. O serviço é usado para entrar com recursos no país sem o controle oficial. Trata-se da ponta oposta ao esquema de "compra de dólares". As empresas que necessitam de reais em espécie para corromper os agentes públicos se utilizam desse esquema. Em vez de sacar os recursos de suas contas no Brasil, conseguem "gerar" o dinheiro em solo nacional via doleiros. O melhor exemplo da prática, segundo o MPF, é a Odebrecht.

Para liquidar as operações, os recursos no exterior tradicionalmente ficavam em "contas de passagem", registradas no nome dos doleiros. As contas recebiam os recursos de dólares dos "vendedores" e transferiam aos clientes "compradores" a moeda, quando recebiam a quantia equivalente em reais no Brasil. Tais contas começaram a ser fechadas pelos bancos depois do atentado de 11 de setembro de 2011, sob o argumento de que movimentavam altos valores sem justificativa econômica.

DOLEIROS INTERMEDIÁRIOS

A partir deste ponto, os doleiros mudaram as operações: passaram a fazer o "casamento" entre contas de clientes, de acordo com o objetivo de comprar ou vender dólares. As transações de compra e venda seriam intermediadas pelos doleiros, que cobravam uma taxa de cada parte da negociação. O doleiro era responsável por indicar os dados das contas, a logística no Brasil e o transporte do dinheiro vivo.



Doleiro Vinicius Claret, também conhecido como Juca Bala - 05/03/2017



Tal esquema propiciou a formação de uma rede de doleiros, afinal nem sempre era possível que apenas um possuísse grande quantidade de clientes para casar as operações. Os doleiros passaram a usar outros doleiros se não tivessem opções disponíveis.

Os doleiros Claudio Barboza, o "Tony", e Vinicius Claret, o "Juca Bala", entregaram o esquema em delação premiada. Do Uruguai, os dois emitiam ordens de transferências internacionais e coordenavam entregas de reais no Brasil por meio de programas criptografados para evitar a intercepção das autoridades. Eles funcionavam, segundo o MPF, como "verdadeira instituição financeira".