Martha Beck, O Globo
O calote da Venezuela e de Moçambique no governo brasileiro pode ter repercussão sobre todo o comércio exterior do país. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, explicou que, caso o governo não consiga autorização do Congresso para reforçar o Fundo de Garantia à Exportação (FGE) até o dia 8 de maio e cobrir o calote, o banco ficará impedido de aceitar qualquer operação feita por meio do FGE.
“Enquanto o Fundo fica inadimplente, o banco suspende as operações”, explicou Oliveira, acrescentando:
“O risco é o FGE paralisar. Aí, as nossas exportações vão sofrer enormemente”. Segundo dados do banco, isso afetaria operações num total que varia de US$ 500 milhões a US$ 1,5 bilhão.
Ele adiantou ainda que o banco trabalha num novo produto pelo qual será investidor âncora de fundos voltados para infraestrutura. Indagado se o BNDES deveria trabalhar para o crescimento em 2018, ele afirmou que o papel do banco não é se preocupar e nem influenciar a conjuntura momentânea da economia:
“Ele (BNDES) cuida do investimento. Estamos tentando fazer uma coisa que pode ajudar nisso (crescimento), mas que não tem isso como objetivo”.
Por que o governo está tão preocupado em aprovar o projeto de lei para reforçar o FGE e cobrir o calote da Venezuela e de Moçambique em importações do Brasil? O presidente Michel Temer até adiou uma viagem à Ásia para mobilizar a base e votar o texto esta semana...
- As exportações do Brasil são garantidas pelo FGE. São aeronaves, bens de capital (máquinas e equipamentos) e serviços. Esses dois países estão com 60 dias de atraso (no pagamento de financiamentos para importar do Brasil). Venezuela já tem US$ 135 milhões (em atraso) e Moçambique, US$ 16 milhões. Mas o valor total de vencimentos dos dois países este ano soma US$ 450 milhões. Vai ter necessidade de o Tesouro (via FGE) pagar isso aí.
O que acontece se o FGE não conseguir aval do Congresso para arcar com esse pagamento?
- Enquanto o FGE fica inadimplente, o banco suspende as operações com o Fundo. Ainda não estamos nisso porque estamos na perspectiva de aprovação do projeto de lei. Mas caso isso não ocorra, o banco não pode aceitar as garantias. É uma norma de prudência bancária. O risco é o FGE paralisar. Aí nossas exportações vão sofrer enormemente.
E por que o Congresso precisa autorizar recursos para o FGE?
- Como a inadimplência do FGE é muito baixa historicamente, o Orçamento previsto para 2018 era baixinho. Mas, este ano, vai ter um valor mais alto (para cobrir). Então precisa de autorização para ampliar. Esse valor vai ser recuperado. Não é que perdeu definitivamente. Venezuela está em atraso, mas com o petróleo em alta, o país conseguirá normalizar a situação com o Brasil. Até lá, o FGE tem que cobrir.
O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, disse que o papel do BNDES não é dar crédito barato para os brasileiros. O papel é dar crédito caro?
- Ele quis dizer que não é papel dar crédito subsidiado. As taxas de juros hoje são baixas. Não tem espaço nem teria efeito hoje em dia ter taxa subsidiada para empresas. Até porque o diferencial seria muito pequeno. Com a Selic na faixa de 6% ao ano, uma empresa está captando a 110%, 115% do CDI, o que seria uma taxa de 7% ao ano. Mesmo que o governo desse um subsídio, ele seria de 1%, 1,5%. Não seria suficiente para provocar uma definição de investimento da empresa.
Qual é o papel do banco hoje?
- Estruturar projetos importantes para o país, principalmente na área de infraestrutura, desenvolver o mercado de capitais de longo prazo, apoiar pequenas empresas, tecnologia e inovação e apoiar o comércio exterior. Na infraestrutura, a ideia é apoiar o desenvolvimento, modelar, fazer estudos jurídicos e econômicos antes de os projetos irem para o mercado.
Isso facilita a interlocução com o Tribunal de Contas da União (TCU)? O tribunal tem colocado uma série de entraves nas concessões...
- Sim. O banco tem capacidade técnica de fazer avaliações detalhadas e precisas. Isso vai reduzir o retrabalho, que é fruto de estudos e documentos que não atendem plenamente aos critérios do TCU. Isso pode ser melhorado enormemente.
Como o BNDES trabalha para estimular a área de inovação?
- Já temos uma série de instrumentos. Vamos ampliar os produtos de venture capital (capital de risco), mas ainda não temos bons mecanismos para tratar com empresas nascentes. Estamos estudando como o banco pode chegar naquele garoto que está na universidade e desenvolveu um aplicativo que é o novo unicórnio da tecnologia. Hoje, o BNDES está na fase final do investimento. O venture capital entra para o sujeito que precisa deslanchar seu negócio. Queremos incentivar a fase inicial desses projetos.
O BNDES não deve ser um banco de indução de crescimento?
- A indução é por meio da infraestrutura, do financiamento à compra de equipamentos, de bens de capital, de comércio e serviços. Isso o banco vai continuar fazendo sem aquele foco de apoiar empresas gigantes. O banco não tem mais esse foco. Mas vai continuar sendo o maior financiador de infraestrutura, de bens de capital. Isso são linhas tradicionais do banco. O banco aplica 40% em infraestrutura.
O crescimento pode ficar abaixo de 3% este ano. O BNDES não poderia contribuir para que essa taxa fosse atingida?
- O BNDES não tem preocupação nem é função do BNDES influenciar na conjuntura momentânea da economia. Ele cuida do investimento. Estamos tentando fazer uma coisa que pode ajudar nisso (crescimento), mas que não tem isso como objetivo. Estamos tentando tornar o banco mais eficiente. É importante mudar a maneira de operar. A grande estratégia é a digitalização. O banco ainda opera muito em papel. As empresas têm que levar um monte de papel para fazer as operações. O banco vai se tornar pelo menos mais fácil de trabalhar porque vai ser tudo digitalizado.
Ao reduzir sua atuação no mercado, o BNDES empurra as empresas para a busca de financiamento externo, que é mais arriscado, não?
- Diria que esse é o caminho correto. Uma empresa que pode tomar dinheiro no mercado, com balanço, com histórico, com capacidade financeira, também pode tomar dinheiro no mercado privado internacional. Diria que não vale a pena ela tomar dinheiro no BNDES. Não faz sentido. Esse sujeito não pode depender do BNDES. O que vai acontecer daqui para frente é isso, essas empresas deixando de buscar o BNDES, e o BNDES ficando nas empresas que realmente têm dificuldade para ter acesso a crédito.
O BNDES vai repassar R$ 130 bilhões ao Tesouro para cobrir o descasamento da regra de ouro em 2018. Ele pode ajudar em algo em 2019?
- Isso não está em discussão. Até porque o descasamento é tão grande que não há o que BNDES possa fazer para contribuir de maneira efetiva para resolver o problema. Tem que seguir o que está na Constituição. Ela diz que não pode haver operações de crédito acima das despesas de capital salvo com autorização específica do Congresso. É usar essa autorização que está prevista na Constituição.
A regra de ouro tem de ser revista?
- A regra tem que ter uma discussão no ano que vem. Ideal é a gente fazer uma regra como a do teto do gasto (pela qual o governo tem que cortar gastos em caso de descumprimento). A regra de ouro não tem mecanismo que ajude a cumpri-la.
O BNDES tem previsto algum produto novo para incentivar o mercado de capitais?
- A gente está trabalhando com a ideia de o BNDES entrar em emissões de fundos de investimento na área de infraestrutura num formato em que o banco garante a compra de uma parte minoritária. Uma parte relevante, mas minoritária. Um gestor quer fazer um fundo para investir em energia eólica. O banco garante que compra 30% das cotas do fundo. O sujeito vai a mercado e, se conseguir os 70%, a gente compra 30%. A gente vira uma espécie de investidor âncora. O banco dá uma segurança para o investimento. Temos condição de lançar isso em 90 dias.