sexta-feira, 1 de maio de 2015

"Viva a covardia", por Tati Bernardi

Folha de São Paulo


Já terminei namoro toda misteriosona por mensagem de texto: "Pra que falar o que já sabemos em silêncio?". Já terminaram comigo por "inbox": "Tô tão mal que não consigo nem te ligar". Teve também um figuraça que terminou comigo fazendo um post aberto no Facebook: "Nossa, depois de ontem, acho que vou casar" (só que ele estava em outra cidade). As muitas formas tecnológicas de comunicação são refúgios estupendos para os covardes. A gente manda o recado sem que ninguém nos veja aos prantos, nadando numa piscina facial de muco ou, pior, escrevendo linhas dolorosas enquanto pausa o "Mad Men" e pega mais um pedaço de quiche –pouco se importando com mais um naufrágio amoroso (flerto com esses dois polos –quase morrer ou nem sequer bocejar– por toda uma existência).

Pois eu sou pelos covardes. Acho terminar ao vivo a maior das crueldades: coisa de gente egoica, sádica, leoninos com ascendente em touro. Se o seu ex ou a sua última "moreca" mandaram um "fui" pela internet, melhor pra você, pra ele e até para os ursos polares. Dói, mas, sinceramente? Doeria de qualquer jeito. Quanto mais rápido puxarem o emplastro do seu peito, melhor.

Fim de amor não é coisa para se discutir em um jantar. "Eu vou querer essa lasanha vegetariana e que você tire todas as roupas do meu armário". "Ah, já eu vou querer esse risoto carbonara e que você morra queimada". "Pensando bem, eu vou querer só uma saladinha, porque eu vou ficar bem gostosa e passar o rodo nos seus amigos". Encerrar uma relação não é coisa que mereça "uma saída". Tem gente (eu fico besta!) que se arruma inteira, passa perfume, bota calcinha nova, se depila, pra chegar na frente do cara e falar "cabô". Filha, até a burocracia brasileira, das piores do universo, já teve a ideia do Poupatempo. Se você acha e-mail algo frio demais (no caso de um bem escrito e honesto, acho das coisas mais íntimas do mundo), o telefone se presta maravilhosamente a esse tão recorrente serviço de cancelamento.

Certa feita, um namoradinho muito metido a macho resolveu declamar em tempo real e a cores exatamente o que eu já tinha ouvido de outros tantos menos metidos a machos. As frases eram aquele desfile intragável de clichês: "Você é tão incrível que faz eu me sentir pouco homem", "você é muito independente, me sinto um inútil ao seu lado" e ainda (a mais clássica e a única que acredito) "você piora a minha angústia, preciso de uma anta ao meu lado, que saiba meu queijo branco preferido em vez de me trazer questões profundas".

Ele pediu vinho caro, foi com a camisa que eu mais gostava, marcou no "nosso" restaurante, chorou, falou sobre uma "coleção de CDs de jazz" eternamente guardada ainda com o plastiquinho da embalagem, porque ele lidava mal em "abrir espaço para belezas, pois precisava sobreviver nessa selva de pedras" e blá-blá-blá. Por Deus, eu fui achando que ele ia dizer algo como "desculpa aí o sumiço de 15 dias, andei trabalhando demais, mas agora passou, partiu transar?" (eu vivia "trabalhando demais" nesse mesmo trabalho dele e entendia como funcionavam as coisas, tava tudo certo), mas não. Ele queria o palco. Ele queria ar-condicionado com ventinho nas madeixas, luzes taciturnas para o derradeiro momento em que ele seguraria a minha mão e me avisaria, do alto de sua cadeira de rei do mundo, que eu não havia sido a cortesã escolhida. Trilha dramática, lente grande-angular em minhas massacradas pupilas. Ai, que preguiça! O vaidoso busca o tempo todo ser a melhor pessoa do mundo para o outro, mas nada disso tem a ver com o outro. Já o covarde, humilde e boa gente, nos brinda, sem receio, com sua insignificância.