segunda-feira, 11 de maio de 2015

"Redes antissociais", por Marcelo Leite

Folha de São Paulo


Jamais pensei que toparia com o filósofo alemão Jürgen Habermas citado nas páginas do periódico "Science", muito menos em conexão com o Facebook (FB). Para ver de tudo acontecer, porém, basta viver o bastante.

A citação está num artigo de David Lazer, da Universidade Harvard, que comentava pesquisa publicada na mesma revista por Eytan Bakshy, da empresa FB.

Lazer comparou o uso das redes sociais com a função que Habermas atribuíra aos salões parisienses do século 19. Nessas rodas elegantes a discussão de temas públicos era intensa, e dessa ebulição se destilava aos poucos alguma dose de convicções convergentes, a opinião pública.

Sim, na Belle Époque ela cabia inteira em alguns salões seletos. O FB é muito mais democrático –com alguns senões.

Qualquer pessoa pode ter conta nessa rede social e ali divulgar o que pensa e escreve –ou reproduzir ideias e textos de outros. Basta ter um telefone celular.

O que as pessoas encontram e leem no FB são outros 500. Como elas têm centenas ou milhares de "amigos" na rede social, sua linha do tempo se converteria numa Babel enervante se as notas não fossem selecionadas de alguma maneira.

Esse trabalho é feito por algoritmos, rotinas informatizadas desenvolvidas pela empresa que tentam adivinhar os interesses do cliente e dar-lhes prioridade na exibição. Chega à tela de cada um só aquilo que o FB escolheu mostrar.

Cada vez mais as pessoas veem só as informações que encontram nas redes sociais. O risco disso, sob o império dos algoritmos, é que acabem ouvindo apenas as ideias semelhantes às suas, como numa câmara de eco.

Aí entra o estudo de Eytan Bakshy. Dando o devido desconto para o fato de ele trabalhar no FB, seu trabalho parece sério. E vem chancelado pela Universidade de Michigan, onde também trabalha Lada Adamic, um dos três autores.

Eles tiraram proveito do fato de vários clientes da rede social declararem voluntariamente sua orientação política. Na polarizada cena ideológica dos EUA, a maioria ou é conservadora ou é liberal (progressista).

O primeiro passo foi reunir seis meses de interações na rede por mais de 10 milhões desses internautas autorrotulados. A equipe deixou de lado as postagens de entretenimento, como bichos fofos, e se concentrou em coisas sérias, como notícias.

O passo seguinte foi categorizar politicamente essas notas, como conservadoras ou liberais. Usou-se o seguinte critério: o link precisava ser compartilhado por pelo menos 20 pessoas de mesma ideologia. Restaram 226 mil itens na amostra.

A primeira providência foi analisar quantos dos posts que apareciam na linha do tempo de cada usuário tinham origem política diferente da sua. Ou seja, se os algoritmos estavam ou não impedindo um coxinha de topar com uma nota de jeitão petralha.

A segunda medida foi registrar a orientação dos links em que os conservadores e liberais decidiam clicar. Para resumir a ópera, eles verificaram que ocorre muito menos "censura" por ação dos algoritmos do que nas próprias escolhas do cidadão.

Não são tanto as redes as antissociais, mas sim quem as usa. Os salões virtuais da Nouvelle Époque estão lotados de gente surda, e a opinião pública anda meio calada.