Patrick Cockburn, do jornal The Independent, de Londres, é um veterano correspondente internacional, calejado na cobertura de paixões nacionalistas e dissoluções de estados no Oriente Médio e na finada União Soviética. Em trânsito entre a Catalunha, na Espanha, e o Curdistão iraquiano, ele deu uma refletida sobre eventos mais perto de casa: as eleições de quinta-feira passada no Reino Unido (ok, Cockburn nasceu na República da Irlanda, que se desgarrou do Reino Unido há pouco menos de um século).
Tivemos a grande e inesperada vitória dos conservadores do primeiro-ministro David Cameron, mas a conversa de Cockburn é mais sobre o cenário de uma “little England”. Cockburn sabe que a fragilidade do estado-nação fica patente quando ele confronta nacionalismos locais profundamente enraizados. Como no caso irlandês há um século, os conservadores britânicos souberam lidar agora melhor com o desafio nacionalista escocês do que os trabalhistas e os liberais (que estiveram entre os grandes derrotados nas eleições de quinta-feira)
O Partido Nacional Escocês foi outro grande vencedor na quinta-feira e os conservadores fizeram o possivel para inflar o nacionalismo inglês e demonizar o escocês. David Cameron na campanha dizia que a líder escocesa Nicole Sturgeon era a “mulher mais perigosa na Grã-Bretanha”. Ironicamente, os nacionalismos na Inglaterra e na Escócia se alimentam mutuamente. Os trabalhistas apanharam duplamente: dos conservadores na Inglaterra e dos nacionalistas escoceses nos seus tradicionais bastiões ao norte.
Em comum, a esquerda e a direita na Inglaterra misturam lamentos e atitudes de pânico sobre a perspectiva de dissolução do estado unitário britânico com o triunfo do Partido Nacional Escocês, que ao conquistar 56 das 59 cadeiras escocesas na Câmara dos Comuns se tornou praticamente um partido único, meses depois da proposta de independência ter sido derrotada por 55% a 45% em referendo.
Patrick Cockburn adverte que controlar a dose nacionalista depois que é espalhada é muito difícil. Assim, não será fácil para Cameron convencer os escoceses que parte de sua retórica nacionalista era jogada eleitoral e que ele está realmente disposto a “devolver” autonomia para a Escócia. Já para os nacionalistas escoceses (que vivem na fantasia de um país independente e com estado inchado, integrante da União Europeia) sempre haverá a válvula de escape que é culpar Londres pelas mazelas.
Cockburn observa que o poder emocional de nacionalismos na Catalunha e no Curdistão é fortalecido pelas memórias de massacres recentes e opressão política pelo estado central, algo que não existe há séculos no caso da Escócia. Portanto, o que o impressiona no caso da dissolução total ou parcial do estado britânico que se avizinha (este é o cenário que ele desenha) é a falta de resistência do establishment em Londres. No diagnóstico de Cockburn, é mais um elemento do declínio do poder britânico.
E se a gente acrescentar a possiblidade (que eu ainda minimizo) de saída da Grã-Bretanha da União Europeia no referendo a ser realizado até o final de 2017, conforme prometido por Cameron em caso de vitória, os nacionalistas ingleses terão realmente motivo para celebrar o triunfo da pequena Inglaterra.