O Globo
Em vez de política urbana de longo prazo, Rio focou seus objetivos em um programa de obras destinado especificamente a cumprir exigências das Olimpíadas de 2016
Não se assustem, pois este artigo não irá tratar de nenhuma competição esportiva e muito menos de um relatório técnico comparando o Rio com Medellín. O que está em pauta é uma reflexão sobre os modelos de planejamento urbano adotados nessas duas cidades.
Enquanto o Rio recebia da Unesco o título de Patrimônio Mundial da Humanidade na categoria paisagem cultural urbana, Medellín era eleita a “Cidade do Ano 2014” pela forma inovadora como foram planejadas e executadas as suas transformações urbanas. Esse reconhecimento oficial afastou o estigma de ela ser considerada uma das cidades mais violentas do mundo e palco de conflitos permanentes entre as tropas do governo, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), os grupos paramilitares e as facções do narcotráfico.
A estratégia adotada pela prefeitura de Medellín para reverter o quadro de violência que predominava na cidade consistiu, prioritariamente, em adotar uma política de enfrentamento da desigualdade social. Através de um modelo de planejamento urbano de longo prazo, com ênfase no transporte público de qualidade, procurou atender, especialmente, as necessidades da população de menor poder aquisitivo.
Com a finalidade de elaborar e implantar um novo Plano de Ordenamento Territorial (POT), constituiu a Empresa de Desenvolvimento Urbano (EDU) e, simultaneamente, criou a Empresa Pública de Medellín (EPM) para planejar e gerenciar os serviços de distribuição de água, esgoto, energia elétrica e gás, especialmente nas regiões mais pobres da cidade. Essas iniciativas serviram de contraponto à ação clientelista dos cartéis do narcotráfico que atuavam nas favelas da cidade.
A melhoria da qualidade de vida nas aglomerações urbanas mais carentes é um fato inegável. Desigualdade social, degradação ambiental, baixo investimento em educação, saúde e infraestrutura urbana foram algumas entre as muitas questões enfrentadas com seriedade e rigor. Os moradores das localidades mais pobres, ao serem tratados com dignidade e respeito, passaram a ter orgulho de viver nas suas comunidades. A elevação da autoestima dessas populações repercutiu em outras áreas da cidade também contempladas com projetos de urbanização, de pavimentação de ruas e calçadas, de renovação paisagística de praças, parques e jardins. A resposta dada pela sociedade foi zelar pela integridade do patrimônio público recuperado.
Ao contrário desse modelo de política urbana de longo prazo, o Rio focou os seus objetivos em um programa de obras destinado especificamente a cumprir as exigências de organização das Olimpíadas de 2016. Apesar das inúmeras e importantes obras que estão sendo realizadas na cidade, é notória a inexistência de uma estrutura de planejamento integrada como a que existia no Instituto Pereira Passos (IPP). A desconstrução desse setor especializado resultou em uma perda na visão de conjunto da cidade. A inexistência de um órgão responsável pelo planejamento urbano favorece a aplicação de investimentos públicos em obras idealizadas sob a ótica de interesses políticos de ocasião. Perde-se a perspectiva de longo prazo.
Um bom exemplo disso é o desinteresse em promover a urbanização de favelas como método para enfrentar a desigualdade social e a violência urbana que persiste na cidade. Em contrapartida, privilegiou-se o programa Minha Casa Minha Vida, que repete, de forma piorada, a má qualidade dos conjuntos residenciais construídos nas décadas de 1960 e 1970.
Sem urbanização de qualidade e investimentos em equipamentos sociais, culturais e recreativos, a degradação urbana tende a se agravar irremediavelmente. Quem sabe, as nossas autoridades públicas se inspirem na bem-sucedida experiência de política urbana de Medellín para propor alternativas inovadoras para o planejamento urbano das nossas cidades.
Luiz Fernando Janot é arquiteto e urbanista