Não se tem notícia de uma fase como esta dos 12 anos de hegemonia do PT, em que o Itamaraty tenha estado tão distante das formulações da diplomacia do país. Desde 2003, tornou-se impossível qualquer desalinhamento entre ideologia dos inquilinos do Planalto e a política externa, mesmo para defender interesses nacionais estratégicos. O Itamaraty passou a ser guiado pelas visões terceiro-mundistas e antiamericanistas do partido. Não se trata de uma mudança de eixo neutra e isolada, porque estas visões fazem parte de um todo, articulam-se com outras políticas, como o protecionismo, que reativou a tendência ao fechamento da economia, uma das razões da perda de competitividade da indústria.
O comércio exterior, em boa medida, passou a refletir as opções ideológicas de Brasília.
Atreladas ao Mercosul, no qual a visão autárquica do governo brasileiro foi temperada pelo chavismo venezuelano e anabolizada pelo populismo argentino, as exportações brasileiras, principalmente de manufaturados, tiveram perigosamente ampliada a dependência ao bloco de comércio sul-americano. Em 2013, o peso do Mercosul, como destino das exportações, era maior que o do mercado americano: 12% contra 10%.
Enquanto se sedimentava esta dependência, cresciam as exportações de matérias-primas para a China, de minério de ferro e soja. O resultado foi a mudança de patamar das vendas brasileiras anuais de algo como US$ 100 bilhões para mais de US$ 200 bilhões. E o mercado chinês passou a disputar com a União Europeia qual o principal destino das vendas do Brasil, praticamente empatados em 19% do total das exportações cada um. Não é ruim o crescimento das exportações de matérias-primas. O problemático tem sido, por condicionamento ideológico, o Brasil se manter ligado a um Mercosul em crise, sem explorar as alternativas de acordos bilaterais que existem. O subproduto deste engessamento é a perda relativa de importância do mercado importador americano, ainda o maior do mundo, alternativa para as exportações de bens manufaturados e semimanufaturados barradas no Mercosul (menos aproximadamente quatro pontos percentuais de 2008 ao ano passado).
Passado o bom tempo para a economia mundial, as exportações brasileiras padecem com a diminuição de ritmo do crescimento chinês — de 10% para 7,5% ao ano. Reduz-se a pressão da China nos mercados, caem — ou sobem menos — as cotações de soja e minério, ajudando a gerar déficits na balança comercial do país, algo há muito tempo não visto. Importações não previstas de petróleo agravaram o quadro. E o cenário piora porque as exportações aumentaram a dependência para com as matérias-primas (de 28,9% do total em 2003 para 46,7% dez anos depois). A radiografia do comércio exterior chama a atenção do próximo presidente para reformas que precisará fazer na economia e a necessidade de gerenciar problemas técnicos sem partidarismos.
OS PONTOS-CHAVE
1
País passou a depender bastante do Mercosul, mas o bloco entrou em crise, devido à Argentina
2
Como a China ganhou grande importância para
o Brasil, o desaquecimento chinês preocupa
3
A queda de preços internacionais de matérias-primas contribui para déficits comerciais brasileiros
4
Crise à parte, descaso de fundo ideológico com
os EUA se reflete no comércio externo
5
Brasil voltou a ser essencialmente um
grande exportador de matérias-primas
Este é o primeiro editorial de uma série sobre problemas que terão de ser enfrentados pelo próximo presidente da República