sábado, 27 de setembro de 2014

O poder dos gestos de Felipe de Espanha, após 100 dias de reinado

NATALIA JUNQUERA,DO EL PAÍS - O Globo



MADRID - O rei não faz política, insiste o Palácio da Zarzuela. Em uma monarquia parlamentar está a seu serviço: viaja onde o governo manda e a maioria de seus discursos são redigidos em Moncloa, sede do governo espanhol. Suas funções estão delimitadas na Constituição, então sua margem de manobra se concentra nos gestos. E o rei Felipe usou em abundância nos primeiros 100 dias de seu reinado, completados ontem, com dois objetivos: frear a deterioração da instituição e aproximar a monarquia dos cidadãos, especialmente os que a rejeitam, os jovens.

Os primeiros gestos foram vistos na proclamação. Não houve missa, nem crucifixo, apesar do rei ser católico, deve-se se respeitar o Estado laico. Outra mudança é que já não se anuncia sua presença nas audiências, o rei agora é que espera seus convidados, e não o contrário.

O objetivo de seu reinado está em seu discurso de proclamação, preparado por Felipe e sua equipe.

— A coroa deve buscar aproximação com os cidadãos, saber ganhar a sua consideração, respeito e confiança e, para isso, velar pela dignidade da instituição e observar uma conduta íntegra, honesta e transparente. Só assim assim será credora da autoridade moral necessária para o exercício de suas funções — insistiu o rei.

Quase todos os gestos do rei desde sua proclamação tem a ver com essa parte do discurso. Ele proibiu que os membros da família real participem em negócios privados. Se esta norma estivesse em vigor antes, hoje a princesa Cristina não estaria sendo indiciada por corrupção. Também criou um código de conduta para os empregados do palácio e expulsou o ex-assessor de Cristina, Carlos García Revenga. Regulou sobre os presentes dados à família real, para evitar polêmicas, como a do iate Fortuna, comprado por um grupo de empresários por €18 milhões, e vendido em julho por €2,2 milhões. As contas da Casa real serão submetidas pela primeira vez a uma auditoria externa. O monarca passa a mensagem de que não vai cometer os mesmos erros do passado.

Outro grande objetivo, que ele pretende que seja “a marca” Felipe, é a aproximação. Convidou três mil pessoas em sua primeira recepção como rei — políticos, juízes, mas também científicos, cantores e esportistas — e abriu as portas do palácio para parte da sociedade que nunca antes tinham pisado ali, como os gays, por exemplo.
Em Mallorca, onde costuma passar as férias de verão, ampliou o tradicional jantar para as autoridades locais a 300 pessoas, incluindo estudantes com as melhores notas. Há exatos 100 dias é paciente e posa para qualquer selfie.

Sua primeira viagem foi à Catalunha, sua principal preocupação, onde está previso voltar este ano. Depois de visitar o Vaticano, Marrocos, França, Portugal e Estados Unidos, Felipe irá à Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Itália, Alemanha e México, nos próximos 3 meses. O palácio da Zarzuela rejeita fazer um balanço da gestão dos 100 primeiros dias.

— Isso corresponde aos cidadãos — dizem, mas advertem que agora “as coisas se fazem de outro modo” e que até os mínimos gestos tem um porquê.