domingo, 6 de julho de 2014

Balança no zero a zero

- O Globo

Com crise na Argentina e sem plataformas, comércio exterior pode ter superávit de só US$ 2 bi

 


Colheita de soja em Mato Grosso: para especialistas, balança ainda é extremamente atrelada a commodities
Foto: Paulo Fridman/Bloomberg/27-3-2012
Colheita de soja em Mato Grosso: para especialistas, balança ainda é extremamente atrelada a commodities - Paulo Fridman/Bloomberg/27-3-2012


O superávit de US$ 2,365 bilhões da balança comercial em junho mascara a crise no comércio exterior. A melhora só foi possível porque as importações estão caindo mais do que as exportações, reflexo da economia fraca. O déficit acumulado no primeiro semestre chega a US$ 2,490 bilhões, e o cenário para o segundo semestre é cada vez mais sombrio. Apesar do discurso otimista do governo, que aposta em um saldo positivo em torno de US$ 4 bilhões este ano, por contar com a melhora da conta petróleo (exportações e importações de petróleo e derivados), especialistas do setor privado estimam um resultado próximo de zero, que chegará, na melhor das hipóteses, a US$ 2 bilhões.

A perda de dinamismo nas vendas para a Argentina, por exemplo, fará com que o Brasil deixe de exportar cerca de US$ 3 bilhões ao país vizinho, de acordo com estimativa da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). E mais: ao contrário de 2013, o país não contará com sete plataformas de petróleo para embarcar ao exterior, o que garantiu US$ 7,7 bilhões em divisas. Isso evitou que o comércio exterior brasileiro apresentasse um déficit de US$ 5,2 bilhões no ano passado.

Outro fator é a queda generalizada nos preços das commodities metálicas e agropecuárias, responsáveis por mais da metade dos produtos exportados no mercado internacional. A redução da cotação do produto interfere na receita computada com exportação. Há, ainda, o aumento das encomendas no exterior, principalmente de alimentos, bebidas e bens de consumo no segundo semestre para as festas de fim de ano.

- Não sei se teremos déficit ou superávit, pois sabemos que as exportações estão caindo, mas as importações sinalizam que estão perdendo o fôlego também. O fato é que a situação é bastante complexa - disse o presidente da AEB, José Augusto de Castro.

A fragilidade no comércio exterior começou a ser sentida com mais força em 2013, quando a balança apresentou um superávit de US$ 2,6 bilhões, ante US$ 19,4 bilhões no ano anterior. Foi o pior saldo desde 2001, quando as exportações superaram as importações em US$ 2,7 bilhões. A última vez em que houve déficit anual foi em 2000, no valor de US$ 732 milhões, ou seja, há 14 anos.

- Se você projetar as exportações no mesmo nível do ano passado, e com alguma retração das importações, pode-se conjecturar que teremos um superávit bem pequeno, de US$ 100 milhões a US$ 2 bilhões, o que é insignificante para ajudar no balanço de pagamentos - disse o consultor internacional Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

O rombo estimado pelo próprio Banco Central nas contas externas brasileiras este ano é de US$ 80 bilhões.

Para o economista da Rosenberg Associados Rafael Bistafa, no caso do superávit registrado em junho, essa aparente melhora esconde um fator preocupante: a queda das importações é reflexo do baixo dinamismo da atividade doméstica. Das 23 categorias de importação, 17 registraram queda. Bistafa, que projeta resultado zero na balança de 2014, acredita que só haverá saldo positivo, ainda que pequeno, se a compras externas caírem ainda mais.

- Nossa projeção de saldo para a balança comercial este ano é zero desde o fim de 2013. Essa perda de dinamismo comercial assusta. A balança só ficou positiva no ano passado por causa das plataformas - observou Bistafa.

Ele destacou que, em junho, as importações totais recuaram 3,8% em relação ao mesmo mês de 2013. Não fosse o forte aumento, de 45%, nas compras externas de combustíveis, as importações teriam apresentado uma redução ainda maior, de 11,8%.

- A desaceleração das importações, principalmente em matérias-primas, bens intermediários e de capital, sinalizam perspectivas ruins para a atividade doméstica - completou o economista.
Na avaliação do MDIC, o déficit da conta petróleo, de US$ 20 bilhões em 2013, deverá cair para US$ 15 bilhões este ano. No primeiro semestre de 2014, o saldo estava negativo em US$ 8,7 bilhões. O aumento da produção de petróleo pela Petrobras anima o governo.

Por outro lado, o mundo assiste à recuperação da atividade industrial em países importantes, como Estados Unidos, Reino Unido e Japão. A disputa pelo mercado internacional de produtos manufaturados chega a ser cruel com os empresários brasileiros. O preço de um produto fabricado no Brasil custa 30% a mais do que um bem produzido pela concorrência, como os asiáticos.

- Nossa balança é extremamente dependente de commodities - ressaltou o presidente da AEB.
No primeiro semestre deste ano, houve queda nas exportações para África, América Latina - com uma redução de quase 20% das vendas para a Argentina - Oriente Médio e União Europeia. Por outro lado, cresceram os embarques para Estados Unidos, Europa Oriental e Ásia, com destaque para a China, que garantiu uma expansão de 4,9% em relação ao ano anterior.

As importações nos seis primeiros meses do ano só não caíram nos casos de Europa Oriental, África, Estados Unidos e Ásia. As compras do Mercosul tiveram uma queda de 14% e, da União Europeia, 5,3%.