Ministro Gilmar Mendes sugere que o STF e o governo Lula aprovem uma lei para impedir os EUA de sancioná-los, mesmo que isso custe o isolamento do País inteiro
Nesta semana, enquanto a Câmara dos Deputados empurrava a decisão sobre um dos temas mais importantes do país, a anistia aos presos pelo tumulto de 8 de janeiro, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, deu mais um exemplo de por que o Brasil virou uma bagunça institucional.
O ministro disse que pretende impedir os Estados Unidos de aplicar suas próprias leis. Gilmar Mendes respondia a perguntas depois de participar de um daqueles eventos que juntam políticos e empresários, em Brasília.
Cercado de microfones, ele afirmou que ministros da Corte e o advogado-geral da União, Jorge Messias, “trabalham num texto” para barrar os efeitos de sanções americanas no Brasil, especialmente a Lei Magnitsky (Global Magnitsky Act), aplicada contra Alexandre de Moraes e seus familiares por violação de direitos humanos. Citou ainda o cancelamento de vistos aos Estados Unidos, como se não fosse um direito do governo americano fazê-lo.
A fala de Gilmar Mendes, que parecia estar numa típica coletiva de imprensa destinada a políticos ou numa tribuna do Congresso Nacional, é cheia de problemas e beira o devaneio. Pode ser dividida em três partes.
Ele disse: “No Brasil, tivemos recentemente cassações de vistos de autoridades e a aplicação da Lei Magnitsky a um colega. Estamos nos debruçando sobre um debate de lei anti-embargos para proteger as autoridades e aquelas entidades que sofrem sanções secundárias, como bancos e prestadores de serviços.
E acho que o Congresso é o locus adequado para esse tipo de proteção.” Nesse trecho, infelizmente, os repórteres presentes não fizeram duas perguntas básicas:
1) Se ele mesmo reconhece que formular leis é uma tarefa do Legislativo, por que o STF e a AGU estão escrevendo o texto?; 2) Se o Brasil decidir não cumprir a lei americana, ficará isolado de negociações globais, já que os bancos do mundo inteiro integram um sistema chamado Swift (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais). E aí? Oeste produziu uma reportagem na edição 282 que explica o funcionamento do sistema Swift. Como as perguntas óbvias não foram feitas, o ministro disse: “Na Europa, já há várias discussões e decisões sobre esse tema, diante de embargos aplicados a países como Cuba”.
Ou seja, o decano da Corte realmente considera a possibilidade de o Brasil estar no mesmo caminho da ilha comunista? Detalhe: nenhum país europeu conseguiu anular totalmente os efeitos da Lei Magnitsky em tribunais. Há um estatuto e uma lei em vigor na União Europeia (Blocking Statute, número 2271/96) para amenizar as sanções. Contudo, nunca houve uma vitória real contra a jurisdição extraterritorial americana. Tampouco nenhum país arriscou um confronto direto com Washington.
O motivo é simples: os bancos e as empresas preferem seguir as sanções, porque o risco de ficar sem acesso ao dólar em transações é muito grande — nem que isso custasse uma multa europeia. Trocando em miúdos: o decano do Supremo não vê problemas se o Banco do Brasil, por exemplo, e sua carteira de clientes quebrarem, ou se bancos internacionais, bandeiras de cartões de crédito e gigantes de tecnologia deixarem de operar no Brasil.
Desde 2017, foram aplicadas 672 sanções com base na norma americana em mais de 50 países, tanto nos governos Donald Trump, como na administração Joe Biden. Só o Brasil de Lula e da toga quer brigar.
Uma pergunta ao ChatGpt, por exemplo, se indivíduos sancionados pelos Estados Unidos conseguiram manter negócios ou ativos na Europa, mesmo sob a lei Magnitsky, devolve a seguinte resposta: “Impedir totalmente os efeitos das sanções, não. Isso nunca ocorreu”. E cita dois raros exemplos ocorridos na Suíça e na Bulgária.
O Tribunal Suíço aceitou descongelar, depois de um longo processo, parte do dinheiro de três russos sancionados. Eles pegaram o dinheiro em moeda local e foi só. Jamais recuperaram acesso a bancos globais, cartões de crédito ou empresas estrangeiras. A conclusão oferecida pela inteligência artificial diz: “Esses exemplos não significam que um país europeu anulou a Lei Magnitsky americana”.
‘Neocolonialismo digital’
A compreensão do terceiro ponto na fala de Gilmar Mendes parece ser mais árdua. Ele decidiu lançar uma nova expressão midiática — e os comentaristas da velha imprensa adoraram. Depois de “extrema direita”, “neofascismo”, “golpistas” e uma fábrica de sufixos, o ministro disse que é preciso impedir o “neocolonialismo digital” pelos Estados Unidos. “Estamos vivendo esse fenômeno, da aplicação lamentável da Lei Magnitsky a juízes do Supremo. Isso se conecta ao domínio tecnológico e à nossa dependência nesse setor. Daí a importância de pensarmos em um dia da independência na soberania”, afirmou. Outra vez, faltaram as perguntas cruciais dos repórteres presentes: O ministro sugere um grito de independência do sistema mundial de internet? O Brasil criaria o seu próprio Google, Instagram ou X? Como ficam as contas de e-mail, os terabytes e os sites hospedados no exterior? O Brasil trocaria a segurança americana por um país do Leste Europeu ou da China? Se não foi isso, do que ele estava falando?
O Globo publicou duas reportagens sobre o tema. Segundo o jornal, a intenção de Gilmar Mendes é séria e tem o apoio dos colegas de toga — Luís Roberto Barroso, por exemplo, já revelou seu temor em ficar sem apartamento em Miami e deixar de frequentar a universidade de Harvard. Segundo o jornal, a base do texto em gestação é uma decisão recente de Flávio Dino contra ações judiciais movidas por municípios brasileiros na Inglaterra, ainda no âmbito das tragédias de Mariana (MG) e Brumadinho (MG). Ele proibiu “restrições de direitos ou instrumentos de coerção executados por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras, decorrentes de determinações constantes em atos unilaterais estrangeiros”. Se descontado o “juridiquês”, o que Dino fez em agosto foi preparar o terreno para a reação em curso agora. Detalhe: naquele dia, houve queda de R$ 42 bilhões no valor das ações dos bancos no País.
Além do terremoto para bancos e empresas, se a ideia for levada adiante, não é exagero afirmar que o Brasil poderia se tornar um paraíso para criminosos e terroristas. Ou seja, sem a exigência de cumprir as determinações dos Estados Unidos, cria-se um porto seguro para lavagem de dinheiro. Mais: fora dos radares americanos, a vida seria mais fácil para os terroristas inimigos do Ocidente — Irã, Hamas, Hezbollah e companhia.
O fato é que o devaneio do consórcio de poder STF-PT pode custar
caro aos brasileiros. O estrago causado por uma medida anti-Estados
Unidos levaria anos para ser revertido. Mas os ministros parecem
estar mais preocupados com seus milhões — alguns, em dólares.
Revista Oeste