Apertos de mãos e uma inabalável guerra contra as drogas
E m um mundo onde as cúpulas internacionais frequentemente se resumem a protocolos rígidos e declarações ensaiadas, Donald Trump continua a ser o agente imprevisível e, paradoxalmente, o mais eficaz. Sua turnê asiática, concluída nesta semana, exemplificou isso: uma sequência de encontros bilaterais que misturou afabilidade genuína com barganhas implacáveis, resultando em avanços concretos que escapam à burocracia multilateral.
No centro desta narrativa, dois momentos se destacam para quem está no Brasil: o encontro com Lula, na trilha da Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), em Kuala Lumpur, e o tête-àtête com o líder chinês Xi Jinping, em Busan, na Coreia do Sul.
Em ambos, Trump exibiu seu estilo característico — sorrisos largos, piadas que quebram o gelo e elogios efusivos —, mas sempre ancorado em uma agenda inegociável: a defesa dos interesses americanos, com ênfase na guerra contra o narcotráfico. Essa abordagem, que ele transformou em bandeira de campanha em 2024, não é mera retórica; é uma estratégia que, agora em ação, revela as contradições de uma diplomacia global ainda atônita com sua eficiência.
O encontro com Lula, ocorrido no domingo, 26 de outubro, foi um microcosmo dessa dinâmica trumpiana. Realizada nos corredores do Centro de Convenções de Kuala Lumpur, a reunião durou cerca de 45 minutos e transcorreu em um tom de cordialidade que beirava o teatral.
Trump, fiel ao seu repertório, abriu com um sorriso amplo e uma piada sobre o fuso horário, arrancando risos do presidente brasileiro e de suas equipes. Lula, por sua vez, retribuiu com um abraço e elogios à “energia inesgotável” do americano. Eles trocaram números de telefone diretos como se fossem velhos compadres de golfe. O gesto não era desprovido de cálculo: Trump elogiou abertamente a “paixão de Lula pelo Brasil”, chamando-o de “líder forte que entende o que é proteger seu povo” — palavras que ecoam sua própria diretriz de soberania nacional. Mas, por trás da camaradagem, o cerne era comercial e político: as tarifas de 50% impostas pelos EUA sobre produtos brasileiros que Trump vinculara na carta de 9 de julho a perseguições políticas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Lula chegou à mesa com uma agenda escrita em inglês, entregue pessoalmente a Trump, listando reivindicações para uma suspensão temporária das tarifas durante as negociações. “Estamos aqui para resolver, não para brigar”, disse o petista em coletiva posterior, descrevendo o encontro como “muito bom” e “amigável”, com uma “impressão positiva de que logo não teremos mais problemas entre EUA e Brasil”. Chega a ser curioso como Donald Trump passou de “fascista” a “amigo” em 39 segundos.
O presidente americano, por sua vez, foi igualmente otimista: “Vamos fazer acordos bem legais para os dois países; o Brasil é um parceiro fantástico”. Acordaram, então, em iniciar discussões imediatas entre as equipes — uma aparente vitória tática para o chanceler brasileiro Mauro Vieira, que havia pavimentado o terreno em visitas prévias a Washington.
No entanto, o resultado concreto, além da marcação de mais uma nova reunião em algum momento, foi opaco: nenhuma reversão imediata das tarifas, que continuam como ferramenta de pressão americana para concessões em minerais raros e críticos, essenciais para a indústria de defesa e tecnologia dos EUA. Os americanos seguem desenhando um jogo duro, com as tarifas servindo como alavanca para extrair mais do Brasil em setores estratégicos, além da pressão para que o Estado de Direito volte a ser respeitado no Brasil.
Esse padrão de afabilidade calculada se repetiu, em escala ainda maior, no encontro com Xi Jinping na Coreia do Sul, na quinta-feira, 30 de outubro. O encontro, que durou quase duas horas, foi descrito por Trump como “Incrível. De 0 a 10, eu diria que foi 12!”. Trump, em tom hiperbólico, enalteceu Xi como “um grande líder de um país poderoso e forte”. Os dois trocaram apertos de mãos firmes, sorrisos contidos e piadas sobre a “competição amigável” entre superpotências.
Xi, mais reservado, elogiou a “relação fantástica de longo prazo” que os dois cultivam. A estrutura acordada foi substancial: redução das tarifas totais sobre importações chinesas de 57% para 47%, com corte específico de 20% para 10% nas relacionadas ao fentanil; retomada de compras massivas de soja americana; e fim ao “bloqueio” chinês em exportações de terras raras, cruciais para baterias e semicondutores. Em troca, Pequim prometeu “trabalhar muito duro” para restringir precursores químicos do fentanil, fechando rotas que alimentam cartéis mexicanos e o fluxo para os EUA — uma praga que mata cerca de 100 mil americanos por ano.
Aqui, a consistência da diplomacia trumpiana emerge com clareza: educação e elogios como prelúdio a barganhas duras, onde o fentanil emerge não como pano de fundo, mas como fio condutor de uma cruzada pessoal. Essa cruzada remonta à campanha de 2024, quando Trump elevou a “guerra às drogas” a mantra eleitoral.
Em comícios lotados, ele prometeu impor tarifas ao México e à China se não pararem o fentanil, evocando imagens de “invasão química” pela fronteira sul. “Vamos acabar com a crise do vício; não descansaremos até vencer”, ele dizia, propondo pena de morte para traficantes, embargo naval a cartéis e uso de forças especiais para “infligir dano máximo”.
Agora, no poder, Trump operacionaliza essas promessas com ações concretas. E o encontro com Xi é significativo: a redução das “tarifas fentanil” de 20% para 10% é diretamente atrelada à promessa chinesa de ações fortes contra precursores — uma vitória que Trump celebrou como “um passo gigante para a segurança nacional”.
Em um discurso contundente na semana passada na Casa Branca sobre operações contra o tráfico de drogas na América Latina, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, comparou os cartéis mexicanos e sul-americanos à Al-Qaeda, afirmando que “estes são os terroristas estrangeiros designados, os Al-Qaeda do Hemisfério Ocidental”.
Hegseth enfatizou que, assim como a geração anterior dedicou duas décadas a caçar a Al-Qaeda e o Isis por meio de mapeamento de redes e eliminação implacável, os cartéis — que “intimidam, aterrorizam, extorquem e envenenam o povo americano” — serão tratados da mesma forma impiedosa. “Nossa mensagem a essas organizações terroristas estrangeiras é clara: nós os trataremos como tratamos a AlQaeda. Nós os encontraremos, mapearemos suas redes e os eliminaremos, sem refúgio ou perdão — apenas justiça”, declarou, justificando os recentes ataques militares contra embarcações de narcotraficantes no Caribe e Pacífico, que já resultaram em dezenas de mortes e salvam, segundo ele, “25 mil vidas americanas por navio destruído”. Essa postura reflete a plataforma de Trump para desamarrar as mãos do Exército e declarar guerra total ao narcoterrorismo, transformando o front contra as drogas em zona de combate sem concessões.
Paralelamente, a diplomacia com Lula ganha contornos regionais nessa guerra. Embora o bilateralismo em Kuala Lumpur não tenha tocado explicitamente no tema, o contexto é inescapável, principalmente depois das cenas de guerra que foram mostradas ao mundo esta semana: o Brasil, epicentro de rotas narcóticas sulamericanas, deveria ver nos EUA um aliado potencial contra facções como o PCC e o Comando Vermelho. Mas isso não acontece.
A administração Donald Trump já solicitou formalmente que cartéis de drogas sejam classificados como organizações terroristas internacionais, apoiada por seus especialistas em contraterrorismo. Mas esse avanço encontra resistência explícita no governo Lula, que se recusa a incluir facções criminosas na lista de grupos terroristas.
Amarrando os fios, o encontro com Lula esconde ares que não são mostrados na diplomacia pública. O Brasil, com suas fronteiras porosas e facções que controlam territórios inteiros, poderia ser pivô em uma aliança antinarcoterrorismo — mas deliberadamente escolhe não fazê-lo. As tarifas de 50% pressionam Brasília por concessões em minerais, mas também abrem portas para cooperação: inteligência compartilhada, operações conjuntas no Atlântico Sul e sanções a rotas que alimentam o fentanil via Paraguai e Bolívia.
No fim, a diplomacia de Trump revela-se uma arte que poucos mostram perspicácia em colocar em ação: educada na superfície, implacável no cerne. Seus sorrisos com Lula e Xi não são fraqueza ou abertura para território, mas uma ferramenta para desarmar adversários antes do golpe.
A guerra às drogas — da China ao Brasil — transcende a promessa de campanha de Trump: é uma visão de mundo em que a América não suplica permissão para se defender. Ao Brasil, o recado é inequívoco: sente-se, verdadeiramente, à mesa ou permaneça à margem das tarifas e das consequências da guerra contra o narcoterrorismo.
Em um hemisfério sitiado pelo caos químico, eis a barganha crua da era Trump: sem quimeras de multilateralismo barato, apenas acordos que salvam vidas.
Revista Oeste