Shay Salamon, organizador do Fórum Latino-Americano contra o Antissemitismo, que ocorrerá a partir deste sábado, no Rio de Janeiro., fala sobre o fenômeno em entrevista a Oeste
O acordo de cessar-fogo em Gaza foi estabelecido nesta semana. As comemorações, porém, são acompanhadas da convicção de que a guerra fez emergir uma onda de antissemitismo que permanecia oculto. Neste contexto, será realizada, entre este sábado, 11, e terçafeira, 14, no Rio de Janeiro, a quinta edição do Fórum LatinoAmericano contra o Antissemitismo.
O evento é organizado pelo Combat Antisemitism Movement (CAM) com o apoio da Prefeitura, da Confederação Israelita do Brasil (Conib), da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj) e do mandato do vereador Flávio Valle (PSD). Contará, entre outras autoridades, com a presença do diretor executivo da CAM para a Assuntos Hispânicos, o israelense Shay Salamon.
Em entrevista a Oeste, Salamon conta um pouco da sua trajetória. Ele também aborda algumas causas de antissemismo a partir para a alta dos casos de ataques do grupo terrorista Hamas, em 7 de outubro, a Israel.
De acordo com o Centro de Pesquisa sobre Antissemitismo (ARC) da CAM, em 2024 foram registrados 6.326 incidentes antissemitas em todo o mundo, aumento de 107,7% em relação ao ano anterior. Em 2025, a tendência se mantém em alta: entre janeiro e agosto, foram documentados 4.574 incidentes, 10,2% a mais do que no mesmo período de 2024. Somente em agosto de 2025, foram registrados 694 incidentes antissemitas em todo o mundo, uma média de 22 ataques por dia.
Do total, 81,2% dos ataques corresponderam a discursos de ódio, em sua maioria ligados ao antissemitismo contra Israel. Além disso, 13,2% foram atos de vandalismo contra instituições e propriedades judaicas, e 5,6% incluíram violência ou ameaças, como agressões físicas, ameaças de bomba e tentativas de intimidação. Salamon considera que o 7 de outubro foi apenas “um gatilho”.
Confira.
Onde você cresceu, estudou e de que maneira a identidade judaica o acompanhou?
Nasci e cresci em Israel. Sou o quarto filho de uma família que emigrou do Uruguai, o único que não nasceu lá. Na escola laica estatal, em um ambiente onde todos eram judeus, a identidade judaica era algo natural. Só percebi que havia algo diferente quando meu pai foi enviado para trabalhar três anos em São Paulo. Ali começou meu aprendizado sobre a existência de outros idiomas, religiões e valores.
Há algum episódio em sua vida que tenha fortalecido sua identidade judaica?
Sim. O período que mais me aproximou da identidade judaica foi quando, há cerca de 15 anos, comecei a trabalhar fora de Israel representando instituições nacionais. Em Israel, ser judeu é algo quase automático: o calendário escolar e o de trabalho seguem o calendário hebraico, o Shabat (sábado, feriado) é sentido em todo o país. Mas fora de Israel surge a necessidade de buscar comunidade e encontrar maneiras de preservar a cultura e as tradições do nosso povo.
Você se surpreendeu com o retorno do antissemitismo na forma que vemos hoje?
Quando eu era criança, minha mãe sempre dizia, ao voltar do Uruguai, que era difícil ser judeu na diáspora e que havia muito antissemitismo na América Latina. Eu achava que ela exagerava, que tudo isso tinha acabado com o Holocausto. Com o tempo, percebi que o antissemitismo nunca desapareceu. Apenas ficou latente, à espera de uma oportunidade, como o 7 de outubro, para voltar à superfície com violência.
Qual é a melhor forma de combater o antissemitismo?
Trata-se de um ódio irracional, baseado na ignorância e na desinformação. A resposta precisa começar pela educação, desde cedo, para ensinar tolerância e empatia. Isso deve ser acompanhado por ações que incentivem o diálogo e por políticas públicas de tolerância zero ao ódio, responsabilidade de governos em todos os níveis.
O que, em sua opinião, mobiliza o antissemitismo atual na esquerda?
Nos últimos anos, observamos uma mudança clara nas origens do antissemitismo. Antes havia certa equivalência entre direita e esquerda; hoje, a maioria das expressões de ódio vem da esquerda. Nosso relatório de setembro de 2025 mostra que cerca de 67% dos casos têm origem em ideologias de esquerda. Parte dessa esquerda perdeu o rumo, muito influenciada pelo movimento woke, que mistura narrativas incompreensíveis. “Homossexuais pela Palestina”? É uma contradição absurda.
Na América Latina, quais países têm mais manifestado antissemitismo e por quê?
O México, que abriga a terceira maior comunidade judaica do continente, registra aumento expressivo de manifestações antissemitas nas redes sociais. Mas o fenômeno também cresce em países com comunidades muito pequenas, como Equador e Peru. No Uruguai, por exemplo, pichações e vandalismo tornaram-se algo que não víamos antes. Segundo nosso centro de monitoramento mundial, cerca de 20% dos casos atuais envolvem violência física ou danos à propriedade.
Há diferenças nas formas como o antissemitismo se manifesta na América Latina, Europa e Ásia?
Há muitas semelhanças entre a Europa e a América Latina. Antes, o antissemitismo latino-americano era mais disfarçado; agora, é explícito. Chefes de Estado, como (Gustavo) Petro na Colômbia, fazem discursos abertamente antissemitas, imitando líderes europeus como Pedro Sánchez, na Espanha, que têm alimentado esse tipo de retórica.
Em que o antissemitismo atual difere do que existia no fim do século 19 e na primeira metade do século 20 na Europa?
O mundo volta a um tipo de ódio muito parecido com o que antecedeu o Holocausto, com a única diferença de que hoje existe um Estado judeu. Três em cada quatro professores judeus nos Estados Unidos relatam ter ouvido declarações antissemitas de colegas ou da administração, e 38% dizem sentir necessidade de ocultar sua identidade. Israelenses são barrados em restaurantes europeus, e mochileiros na América do Sul são acusados de propagar “o sionismo”. Tudo isso lembra períodos sombrios da história.
A guerra de Israel com o Hamas estimulou o aumento do antissemitismo ou ele já existia e apenas encontrou pretexto?
Tenho convicção de que a guerra atuou como um gatilho. Isso tirou o fenômeno do âmbito do ‘politicamente incorreto’ e o tornou algo legítimo. No dia 8 de outubro, quando Israel ainda estava em choque pelo ataque do Hamas e não havia reagido militarmente, as redes já estavam cheias de ódio e protestos contra o país. Isso mostra que havia uma estrutura prévia, uma campanha de manipulação da opinião pública. Com a desinformação que veio durante a guerra, o fenômeno se intensificou. O mundo não suportou ver Israel e os judeus como vítimas, nem por um único dia.
Eugênio Goussinky - Revista Oeste