sexta-feira, 30 de junho de 2023

'O terrorismo do novo feminismo', por Ana Paula Henkel

 

Ilustração: Shutterstock


O caminho natural para os rapazes corretos, que seria conversar com as moças, flertar, trocar telefones, tomar um café e quem sabe encontrar uma namorada e seguir em um relacionamento saudável e maduro, tornou-se uma tarefa impossível


College life. A expressão, muito usada pelos norte-americanos, se refere à vida universitária nos Estados Unidos que engloba estudos acadêmicos, discussões intelectuais, festas, eventos e a vida esportiva, para quem é atleta e para os alunos que apoiam os times universitários. As competições entre universidades nos Estados Unidos, aliás, é a grande razão pela qual eles são uma potência olímpica e esportiva. As universidades são a principal fonte que alimenta as ligas profissionais americanas, como NBA, NFL etc.


Campeonato de Atletismo Indoor da Divisão I da Associação Atlética Universitária Nacional (NCAA, na sigla em inglês), em 2013 | Foto: Wikimedia Commons

A intensa vida universitária nos Estados Unidos, além de marcante na vida de todo jovem americano, pode trazer encontros que acabam em relacionamentos duradouros e muitos casamentos. É ali, afinal, que a maturidade intelectual acaba florescendo de maneira mais estável, e os pares se encontram em muitas salas de aula ou eventos. Mas isso mudou. E muito.

Meu filho acabou de se formar em economia em Stanford e, infelizmente, para a sua geração a experiência do college life foi bem diferente. Houve uma pandemia, claro, e encontros com outras pessoas e professores se limitaram, por um ano, a frias janelinhas virtuais na tela do computador. Mas não foi apenas o vírus e a histeria trazida com ele que marcaram uma experiência diferente para os jovens dessa geração. Mesmo antes da pandemia, meu filho e seus amigos já relatavam uma aura diferente na vida social no câmpus. Rapazes bem-educados e respeitosos, eles tiveram dificuldades em entender o tom que é imposto hoje pelo atual movimento feminista global para cortejar, sempre de maneira respeitosa, uma moça. E optaram, na grande maioria das vezes, pelo silêncio e pela falta de ação.

O caminho natural para os rapazes corretos, que seria conversar com as moças, flertar, trocar telefones, tomar um café, trocar ideias e quem sabe encontrar uma namorada e seguir em um relacionamento saudável e maduro, foi tarefa impossível. Os jovens de hoje estão em pânico com as novas regras feministas. E não apenas em pânico, mas perdidos. Eles não sabem o que está na lista dos cancelamentos e da destruição de reputações. O respeito às mulheres, que sempre foi passado de geração em geração aos homens de bem, hoje não é mais válido. Há uma lista interminável do que pode e do que não pode ser feito ou dito, e nem sempre essa lista é conhecida pelos rapazes — ela muda de acordo com a lua, as estrelas, os “gatilhos”, o que a Madonna disse na TV e o que o movimento Me Too pregou na semana passada. Escuto constantemente dos rapazes: “Não sabemos se podemos elogiar o cabelo, ou se podemos falar que ela é bonita, ou se podemos mandar alguma mensagem chamando para um café sem que haja uma armadilha do outro lado que nos levará a uma acusação de assédio”. Então eles entram em uma bolha e só dão algum passo em direção a alguma moça se estiverem absolutamente certos de que não cairão em ciladas armadas para que elas marquem pontos com a turma feminista. Mesmo assim, a tática nessa guerra, não há outra expressão para a realidade, consiste em sempre estar com amigos por perto para que haja testemunhas e sempre tirar prints das mensagens que ELAS mandam para que qualquer um possa se defender de falsas acusações no futuro. Sim, é muito triste ver como os rapazes estão perdidos com o novo “empoderamento” feminino — que vai acabar isolando as mulheres.


Foto: Shutterstock

Mas essa triste constatação do que o novo feminismo está fazendo com os homens não é uma exclusividade da vida universitária. Recentemente, durante o lançamento de seu novo filme, o ator britânico Henry Cavill foi questionado novamente sobre uma entrevista que concedeu à revista GQ Australia, em 2018. Na ocasião, ele disse que não flertava mais por medo de ser acusado de assédio: “Algumas coisas têm de mudar [em relação a certas condutas masculinas], absolutamente. Mas é também importante manter as coisas boas, que eram qualidades no passado, e se livrar das coisas ruins”. E acrescentou: “Há algo maravilhoso em um homem indo atrás de uma mulher. Eu acho que uma mulher deveria ser cortejada, mas acho que eu sou tradicional por pensar assim. É muito difícil fazer isso se há certas regras em vigor. Porque é assim: ‘Bem, eu não quero levantar e ir falar com ela, porque eu serei chamado de estuprador, assediador ou algo assim’. Então você fica, tipo: ‘Esquece, eu vou chamar uma ex-namorada em vez disso e voltar para um relacionamento que nunca funcionou de verdade’. Mas pelo menos é mais seguro do que me jogar nas chamas de um incêndio, porque sou alguém que está sendo observado pelo público e, se eu flertar com alguém, quem sabe o que pode acontecer?”.

É claro que a declaração do ator gerou a terceira guerra mundial cibernética. O movimento Me Too ficou ofendidíssimo, e a turba jacobina veio correndo pelo pescoço de Cavill. A verdade incomoda. Fato. E Henry fez aquilo que Jordan Peterson sempre nos aconselha a NÃO fazer — pedir desculpa por um crime que você não cometeu a uma turba sedenta de sangue. Após as críticas, o ator soltou um comunicado oficial de “esclarecimento”: “Vendo a reação ao artigo [da GQ Australia], em particular sobre meus sentimentos ao flertar e sobre o movimento #MeToo, eu quero me desculpar por qualquer confusão e má interpretação que isso tenha criado. Ser insensível não era a minha intenção. Eu quero esclarecer e confirmar que eu sempre mantive e sempre manterei o máximo respeito pelas mulheres, não importa se a relação for de amizade, profissional ou romântica. Nunca quis desrespeitar ninguém, de maneira alguma. Essa experiência me ensinou uma valiosa lição sobre contexto e liberdades editoriais”, finalizou.

Ou seja, o belo ator precisou se desculpar por falar que a grama é verde e o céu é azul. Cavill foi devorado pelo mostro de cabelo azul que foi criado pelo estúpido movimento Me Too, e a virulência à qual sua entrevista foi submetida — e trazida à superfície até hoje — só mostra o correto ponto do ator. Os homens estão com medo, pânico, das mulheres. Não importa o que façam, eles estarão sempre errados e pela simples razão de que há em curso uma guerra contra eles.


Henry Cavill | Foto: Shutterstock

Esse tal “empoderamento” feminino, muito além do devido respeito às mulheres, vem trazendo consequências graves ao sexo feminino, não apenas no campo emocional, mas também no profissional. Em Wall Street, o coração financeiro da nação mais próspera do mundo, os homens passaram a evitar mulheres para fugir de acusações de assédio infundadas. Em uma pesquisa da Bloomberg, 30 executivos responderam sobre seu comportamento profissional em relação às mulheres, e o resultado é amedrontador — jantar sozinho, mesmo sendo um jantar profissional, com mulheres? Nem pensar. Muito menos ficar no mesmo andar do hotel. Os homens estão evitando até sentar ao lado delas nos voos. Os executivos de Wall Street estão assustados com o “efeito Me Too” e as denúncias infundadas de assédio sexual. Assustados com a lista, muitas vezes invisível, do que pode e do que não pode ser dito ou feito, os homens estão escolhendo o excesso de zelo — e a distância — e se guiando pelo pensamento “e se ela entender algo da forma errada? Melhor eu nem estar perto”.

Em um ambiente majoritariamente masculino, e com enorme potencial de crescimento para as mulheres, até aquelas corretas e REAIS, que querem distância do movimento feminista que se cala diante das atrocidades cometidas contra as mulheres no Afeganistão, por exemplo, acabam sendo marginalizadas e entrando no “pacote da segurança” masculina.

E, como parece não haver um caminho seguro para os homens, muitos são acusados de discriminação. Mas, diante do “novo normal”, eles ainda preferem essa rota do que o assassinato completo de reputação por “assédio sexual”. Um dos executivos de Wall Street ouvidos para a pesquisa da Bloomberg diz que se mantém num canto oposto aos das mulheres em elevadores, e outro executivo estabeleceu a idade mínima de 35 anos para as mulheres com quem ele janta durante viagens profissionais. Aterrorizados, eles também admitem que as mulheres acabam excluídas de ocasiões como happy hours, ajudando a criar um novo tipo de “clube dos meninos” entre funcionários de grandes corporações financeiras. Todos nós sabemos que o tal clube sempre existiu, mas havia sido deixado para trás diante do reconhecimento da capacidade intelectual e profissional das mulheres em ambientes outrora inóspitos para o sexo feminino.

E, vejam vocês, o comportamento narrado pelo meu filho e seus amigos no ambiente universitário também é compartilhado por homens formados, mais velhos e experientes. Um dos entrevistados relata que prefere a segurança exagerada e adota atitudes como ter sempre uma terceira pessoa junto nos encontros, ou manter a porta aberta enquanto conversa com uma mulher.


A Bolsa de Valores de Nova York, na Wall Street, em 25 de junho de 2016 | Foto: Shutterstock

Parabéns, feministas. Vocês estão conseguindo isolar as mulheres. E, o pior, jogar na vala do comportamento comum atitudes machistas e abusivas, que devem ter todo o nosso desprezo, como se fossem a regra — e não a exceção. Dessa maneira, esse movimento tosco que também se cala quando homens resolvem competir em esportes femininos, tira toda a atenção necessária às reais vítimas de abusos sexuais.

Esse ambiente histérico — e estéril — criado por movimentos hipócritas e pelo politicamente correto, um ambiente onde o flerte saudável e o cortejo são demonizados e que impede relações verdadeiras e humanas trará exatamente o oposto ao que o movimento alega defender. No final, as mulheres se sentirão sozinhas e desvalorizadas. Esse ambiente de hipersensibilidade, em que qualquer aproximação masculina pode ser considerada assédio, está inibindo em escalas globais a naturalidade de sentimentos humanos genuínos e fundamentais para a sobrevivência das sociedades fortes — compostas da união das forças distintas de homens e mulheres.

É claro que o consentimento é o ponto central de qualquer relação correta entre um homem e uma mulher. No entanto, a paralisia que está sendo criada na aproximação NATURAL humana é e será sempre nociva para as mulheres e para todos nós. O politicamente correto já extrapolou todas as esferas do racional e ceifará de maneira permanente a sensatez, alimentando uma cultura destrutiva de desconfiança e paralisia. Há ainda os néscios que querem pregar a ideia bizarra de que homens são “mulheres com defeito”, e de que basta “castrá-los”, fazê-los pedir desculpas pelos pecados de todos os homens na Terra, no passado, no presente e no futuro, para que sejam dóceis, obedientes e respeitadores.

Quando qualquer coisa é comparada a estupro e abuso sexual, não estamos curando a sociedade, mas infectando relacionamentos com o veneno da desconfiança

A quebra de confiança entre os sexos é o legado trágico do vazio movimento feminista moderno, ou pelo menos a tentativa avassaladora de silenciar dissidentes que não rezam a cartilha hipócrita das feministas. A campanha do novo feminismo assumido pelo movimento Me Too assumiu um fervor inédito, que se alimenta da crescente acusação de que a masculinidade é vil, tóxica e inerentemente predatória. O medo dos homens é legitimado, pois qualquer acusação é tratada como fato, e os homens são vistos como “o inimigo”, um desvio incorporado que deve ser remodelado na imagem de uma mulher. Sua sexualidade é assumida como naturalmente brutal, uma ameaça a ser controlada e reduzida para que o homem individual seja considerado “seguro”.


Ilustração: Shutterstock

Embora a disposição das mulheres para responsabilizar os homens por reais comportamentos sexuais criminosos deva ser aplaudida, a abordagem de terra arrasada que estamos vendo hoje é destrutiva — ela mina a confiança saudável e o mais grave: a própria segurança de todas nós. Quando qualquer coisa é comparada a estupro e abuso sexual, não estamos curando a sociedade, mas infectando relacionamentos com o veneno da desconfiança. Seja no local de trabalho, em um restaurante, uma igreja, seja em casa, a interação entre um homem e uma mulher é única e primordial para todos os outros relacionamentos. Quando uma quebra de confiança acontece, quando o medo do outro sexo se generaliza, a sociedade simplesmente não consegue prosperar.

Tudo o que envolve a dinâmica sexual saudável é essencial para o relacionamento entre homens e mulheres. Para que a confiança floresça, essa realidade não pode ser negada e deve ser tratada com respeito, cuidado e honestidade, e não simplesmente apagada da vida moderna. Não pode haver abuso nessa relação, e uma parte da polaridade — seja ela masculina ou feminina — não pode ser rotulada como tóxica, brutal ou maligna, inclusive como foi feito no passado por certas religiões totalitárias em relação à sexualidade feminina. Uma vez que esse rótulo fica impregnado, a desconfiança é gerada em detrimento de todos. Se as mulheres acreditam que todos os homens são perigosos, não pode haver confiança entre os sexos.

Os homens não vão se tornar eunucos, mudar e se comportar como o sexo oposto, abandonando sua masculinidade natural, só porque algumas mulheres querem que tenhamos medo dela. Isso é impossível, essa é a identidade e a natureza dos homens, e ela não pode ser expurgada sem destruir quem eles são como indivíduos livres, como homens e protetores. Sim, protetores. Por causa dessa masculinidade de homens bons e fortes, o mundo é um lugar mais seguro e livre para todos nós.

Leia também “Deixem as crianças em paz”

Ana Paula Henkel, Revista Oeste