sexta-feira, 30 de junho de 2023

'A agenda antinatalista e sua ideologia anti-humana', por Flávio Gordon

 

Representação da cena dos personagens bíblicos de Adão e Eva no Eden | Foto: Shuttesrtock


Depois de ver o seu churrasco de fim de semana transformado em vilão, o cidadão comum deve agora envergonhar-se moralmente caso deseje uma família numerosa


“Encontram-me, meus caros amigos, como de costume, bastante atarefada. Mas hão de desculpar-me. O projeto africano ocupa presentemente todo o meu tempo.”
Fala da Sra. Jellyby, a filantropa telescópica de A Casa Soturna, de Charles Dickens

Oantinatalismo está na moda. Pelo menos é o que nos quer fazer crer o “consórcio” global de imprensa amestrada e muito bem alimentada por neomalthusianos como Bill Gates e que tais. Outro dia mesmo, saiu na seção de “ciência e saúde” do jornal O Globo uma matéria dando conta de que a ideologia anti-humana do não nascimento e da não procriação da espécie é uma tendência em ascensão. Na capa da versão impressa do jornal, a chamada foi: “Antinatalismo ganha força e divide opiniões”. Com uma rápida pesquisa no Google, notei que o jornal vinha tratando do tema de maneira bem mais frequente do que o interesse geral do público leitor pareceria exigir (veja, por exemplo, esta matéria de 2018 e esta outra, do ano seguinte, reproduzindo reportagem da BBC). A estranha insistência numa filosofia de vida (digo, de não vida) que o próprio jornal admite ser excêntrica e amplamente minoritária pôs-me a pulga atrás da orelha, levando-me a supor que, em lugar de apenas reportar, tratava-se, antes, de incentivar essa filosofia. 

Falo aqui de antinatalismo não como uma posição eminentemente pessoal, que envolve o fantasioso desejo de não ter nascido ou de não ter filhos — para não transmitir ao mundo o legado de nossa miséria, como diria Brás Cubas. Falo do antinatalismo no sentido de uma agenda global para a humanidade, com base na tese ecofundamentalista e neomalthusiana segundo a qual a geração de bebês humanos é prejudicial ao meio ambiente. Exemplar da apologia dessa agenda é uma matéria do The Guardian — um dos jornais que mais receberam dinheiro de Bill Gates, num montante de quase 13 milhões de dólares) —, que trazia o seguinte título: “Quer combater a mudança climática? Tenha menos filhos”. No corpo da reportagem, ficávamos sabendo o que um bebê representava em termos de emissão de carbono, e do quão bom para o planeta seria se as pessoas não tivessem filhos ou se os tivessem em menor quantidade. Em suma, depois de ver o seu churrasco de fim de semana transformado em vilão, o cidadão comum deve agora envergonhar-se moralmente caso deseje uma família numerosa.


Com base na tese ecofundamentalista e neomalthusiana segundo a qual a geração de bebês humanos é prejudicial ao meio-ambiente | Foto: Shutterstock

A agenda antinatalista contemporânea tem um marco simbólico: a expedição da Apollo 8, em 1968, que orbitou a Lua pela primeira vez, produzindo imagens inéditas do Planeta Terra e promovendo aquilo que Thomas Kuhn chamaria de “mudança de paradigma”. Exposto pela primeira vez sob um ângulo tão distanciado, e em contornos tão visíveis, nosso planeta azul parecia pequeno, cerceado, e até desamparado, boiando frágil, qual uma boia infantil, na imensidão do espaço. Surge, então, toda uma imagética apresentando a Terra como uma “aldeia global” ou um “lar comum” aos homens de todos os quadrantes. Como consequência, ressurge das cinzas uma mentalidade malthusiana que se imaginava extinta, pois as imagens da Apollo 8 davam a impressão de gente demais para planeta de menos.

Criada a imagem da “aldeia global”, logo surgiram candidatos a síndicos e caciques, que passaram a se apresentar como especialistas em cuidar do planeta. No mesmo ano de 1968, em que os terráqueos puderam contemplar o seu “lar comum”, nascia o Clube de Roma, idealizado pelo industrial italiano Aurelio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King (que, certa vez, descreveu a si próprio como “protótipo do tecnocrata internacional”). Reunindo todos aqueles síndicos e caciques, figuras ilustres das finanças, da ciência e da política, o clube promoveu a cópula entre malthusianismo e ambientalismo, cosmovisão esposada por nove entre dez apóstolos do “desenvolvimento sustentável”.


Planeta Terra | Foto: Shutterstock/NASA

Também em 1968, foi publicado o livro A Bomba Populacional, de Paul R. Ehrlich, badalado biólogo e professor da Universidade Stanford. Prevendo uma iminente fome global decorrente da superpopulação do planeta, o livro influenciou o espírito dos protagonistas do Clube de Roma, tendo como rebento o famoso relatório Os Limites do Crescimento, publicado sob o patrocínio do clube em 1972, e logo transformado em texto sagrado para os ambientalistas da ONU. 

O autor de A Bomba Populacional, uma espécie de coach dos síndicos planetários, apresentava suas propostas para impedir o colapso. Eram as seguintes: 1) as mulheres, especialmente as mais pobres, deveriam ser forçadas a abortar; 2) a população em geral deveria poder ser esterilizada por meio de drogas intencionalmente adicionadas à água e à comida; 3) as mães solteiras e adolescentes deveriam ter seus bebês retirados à força e entregues a casais mais velhos; 4) pessoas predispostas a “contribuir com a deterioração social” deveriam ser “forçadas por lei a exercer sua responsabilidade reprodutiva”, ou seja, a abortar e a se esterilizar; 5) um “regime planetário” transnacional deveria comandar a economia global e disciplinar os detalhes mais íntimos da vida do cidadão comum, nem que para isso fosse preciso recorrer a uma força policial internacional.


O livro A Bomba Populacional, de Paul R. Ehrlich, badalado biólogo e professor da Universidade Stanford | Foto: Reprodução

Todas as previsões de Ehrlich se mostraram infundadas, e suas propostas eram obviamente totalitárias. Ainda assim, a cosmovisão misantrópica, neomalthusiana e antinatalista subjacente à obra permaneceu entre os representantes das elites globais. Dentre esses, destaca-se o nome de Bill Gates, um verdadeiro obcecado por controle populacional (e, por isso mesmo, a priori suspeito por suas iniciativas no ramo da saúde). Em 1999, Bill e sua mulher, Melinda, fundaram o Instituto de População e Saúde Reprodutiva, sediado na Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins. O nome é um eufemismo para a promoção de esterilização e aborto. 

Filho de um ex-diretor da Planned Parenthood — fato pouco conhecido do público —, Bill Gates tem investido milhões de dólares anuais (veja um exemplo) para fomentar campanhas antinatalistas no Terceiro Mundo, em especial na África Subsaariana e no Sudeste Asiático, fazendo da agenda contraceptiva uma prioridade das organizações “filantrópicas” que levam o seu nome. Em 2019, Melinda Gates publicou o livro O Momento de Voar: Como o Empoderamento Feminino Muda o Mundo, no qual aponta o controle da natalidade como sinônimo de controle da pobreza. Se as mulheres ocidentais são mais “empoderadas” que as africanas, sugere madame Gates, a causa seria o maior acesso a métodos contraceptivos e abortivos. Com esse misto de feminismo e malthusianismo em mente, o casal de “filantropos” antinatalistas empenhou US$ 5 bilhões para “empoderar” (leia-se “ocidentalizar”) as mulheres africanas, tornando-as “livres” dos grilhões da maternidade.


Melinda Gates | Foto: Wikimedia Commons

É claro que o consórcio midiático amestrado não viu qualquer resquício de neocolonialismo na postura de Melinda, com sua pretensão de ser modelo para todas as mulheres do mundo. Contudo, para o azar da turma, a ativista nigeriana pró-vida Obianuju Ekeocha não deixou a coisa passar batido. Em memorável carta-resposta, recusou gentilmente a oferta dos colonizadores, explicando que, para a maioria das mulheres africanas, os bebês não são um fardo, nem para elas nem para o planeta, e sim uma dádiva divina. “Com sua incrível riqueza” — começou Ekeocha —, “Melinda quer substituir o legado de uma mulher africana (que são os seus filhos) pelo legado do ‘sexo livre’”. E concluiu: “Vejo esses US$ 5 bilhões nos trazendo miséria. Vejo-os trazendo-nos maridos infiéis. Vejo-os trazendo-nos ruas vazias e carentes do inocente tagarelar das crianças. Vejo-os trazendo-nos doença e, por fim, a morte. Vejo-os nos dando uma aposentadoria privada do amor terno e do cuidado dos nossos filhos”.

Suspeito que não era bem esse empoderamento feminino que Melinda tinha em mente…

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Flávio Gordon, Revista Oeste