quarta-feira, 28 de junho de 2023

Ex-presidiário Lula quer dar dinheiro dos brasileiros à Argentina, critica Carlo Cauti

 No meio dessa vontade incontível de Lula em ajudar Fernández, existe um obstáculo aparentemente incontornável: a lei


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Argentina, Alberto Fernández
Brasília (DF) 26/06/2023 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente da Argentina, Alberto Fernández Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

“Quando um amigo está com problemas, ele pede ajuda aos amigos. E os amigos sempre estão aí.” A declaração do presidente da ArgentinaAlberto Fernández, durante a visita oficial a Brasília na última segunda-feira, 27, poderia ser traduzida em apenas três palavras: “Queremos seu dinheiro”.

O “amigo” seria o Brasil. E a “ajuda” viria do bolso dos cidadãos brasileiros, que com seus impostos financiariam a enésima tentativa de resgate da economia argentina. Quatro anos de governo peronista provocaram a mais nova catástrofe econômica daquele que já foi um dos mais ricos países do mundo.

O peronismo devastou a economia argentina

Argentina registra uma inflação de quase 115% ao ano. Uma previsão do Produto Interno Bruto (PIB) de -3,5% em 2023 e -2% em 2024. Reservas em dólares zeradas. Metade da população que passa fome. E uma dívida pública de cerca de US$ 277 bilhões.

Após ter contribuído a gerar tamanha devastação econômica, Fernández não teve coragem de se candidatar à reeleição no pleito previsto para o dia 22 de outubro. Mesmo assim, veio ao Brasil com o chapéu na mão pedindo socorro financeiro.

Uma articulação desesperada para tentar ajudar o seu candidato à Presidência, o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia. O objetivo é procurar recursos externos — ou seja, dos brasileiros — que aliviem a situação calamitosa da economia até a eleição. Depois dessa data, que sea lo que Dios quiera.

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Somente a dívida externa argentina corresponde a cerca de 80% das reservas internacionais brasileiras, que totalizam US$ 346 bilhões. Mesmo querendo, seria impossível resgatar os hermanos.

No momento, o maior problema é que faltam fisicamente dólares no país vizinho. A irracional teimosia do governo peronista em manter um câmbio mais baixo do que deveria junto com a repressão monetária, carga tributária excessiva e gasto público desenfreado provocaram uma corrida dos argentinos em comprar dólares. E guardá-los fora do país, longe das garras do governo, ou até mesmo em casa.

Sem dólares, a argentina não consegue adquirir produtos do exterior, já que os exportadores de outros países não aceitam pesos — nem o iuane chinês, ou outras “moedas alternativas”. Não obstante a insistência de Lula em querer “superar o dólar no comércio internacional”. O desabastecimento dos supermercados argentinos já começa a aparecer. E a economia está cada vez mais paralisada pela impossibilidade de importar insumos.

Todavia, na melhor tradição das esquerdas latino-americanas, para as quais os números são meras expressões do “neoliberalismo”, Lula está tentando fazer de tudo para salvar o “muy amigo“. Não apenas por uma questão de afinidade ideológica, mas também por questões sentimentais.

Laços políticos entre Lula e Fernández

Fernández foi um dos políticos estrangeiros que visitaram Lula durante sua detenção, na sede da Polícia Federal (PF), em Curitiba, em 2019. O então candidato à Presidência da Argentina declarou “estar do lado de Lula” proclamando a inocência do petista.

Quatro anos depois, Fernández se tornou um dos visitantes mais assíduos do Palácio do Planalto. Em menos de seis meses de mandato, Lula já encontrou o homólogo argentino cinco vezes. Mais do que fez com 20 de seus ministros.

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Durante a última peregrinação de Fernández a Brasília, ocorrida com a desculpa de celebrar os 200 anos de relações bilaterais, Lula prometeu ajuda, através de um “plano de ação para o relançamento da aliança estratégica” para aquilo que definiu um “projeto conjunto de desenvolvimento”.

Detalhes não foram divulgados. Aparentemente, grande parte da bolada seria o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção do gasoduto “Néstor Kirchner”, que deveria ligar o campo de gás Vaca Muerta até Buenos Aires. Valor total do desembolso: cerca de US$ 700 milhões (cerca de R$ 3,5 bilhões). Além de fornecer crédito para importar produtos brasileiros.

Ou seja, os brasileiros pagarão pela construção de um gasoduto que vai beneficiar a capital argentina e para financiar o consumo dos cidadãos argentinos, melhorando seu teor de vida. Mesmo se a renda média do argentino é 50% maior do que a do brasileiro, em termos de PIB per capita.

O governo Lula quer financiar novas obras na Argentina mesmo com a dramática carência de infraestruturas no Brasil. Por exemplo, metade da população brasileira não tem acesso a saneamento básico, enquanto quase 100% dos argentinos têm água encanada e esgoto em casa. As prioridades, evidentemente, deveriam ser outras.

Dar dinheiro aos argentinos é impopular. E ilegal

Só que, no meio dessa vontade incontível de Lula em ajudar Fernández, existe um obstáculo aparentemente incontornável: a lei.

Lula não pode fornecer recursos diretamente para a Argentina com uma canetada. Para atingir os cofres públicos brasileiros, precisaria da aprovação do Congresso Nacional. Com essa composição, está fora de cogitação.

Não pode também pedir ao BNDES para emprestar dinheiro diretamente ao país vizinho, pois as regras do banco público de fomento impõem que sejam financiados somente projetos de infraestrutura. E sempre passando pelo crivo do Tribunal de Contas da União (TCU).

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Só que os argentinos estão tão convencidos de que o dinheiro brasileiro chegará que até mesmo antes da posse de Lula já anunciaram a façanha.

No dia 12 de dezembro de 2022, a secretária de Energia da Argentina, Flavia Royón, anunciou que o BNDES concederia os US$ 689 milhões necessários para construir o gasoduto. O banco de fomento, na época ainda sob a gestão do governo de Jair Bolsonaro (PL), obviamente desmentiu.

Mas, além de questões legais, existe um problema de forte impopularidade nessa operação. Não por acaso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já se colocou à distância de segurança, declarando que a visita de Fernández foi “meramente uma celebração comemorativa, sem audiência”.

Acuado, Lula tentou pedir ao chamado Banco dos Brics (NDB) que abrisse a carteira para os argentinos. Não conseguiu. Mesmo tendo despachado a ex-presidente Dilma Rousseff para a presidência da instituição, removendo abruptamente o então presidente Marcos Troyjo, a manobra não teve frutos.

As regras do banco multilateral não permitem emprestar dinheiro para países não membros dos Brics. E a Argentina não faz parte nem do bloco, nem do banco.

Lula está lutando contra o tempo para tentar inserir Buenos Aires como “membro associado” do banco. Até o momento, sem sucesso. Os outros sócios não querem saber de enviar dinheiro aos hermanos. Sem contar que, por estatuto, o banco não pode financiar dívida de países, mas somente projetos de infraestrutura.

Restou apelar ao Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual a Argentina tem uma dívida de US$ 44 bilhões. Em abril, o FMI forneceu outros US$ 5,4 bilhões aos cofres argentinos. Mas na semana que vem irão vencer US$ 1,9 bilhão da dívida. E a Argentina não tem dinheiro para pagar.

Lula está determinado em ajudar a Argentina. Custe o que custar

Mesmo com todos esses empecilhos, Lula já deixou claro que vai fazer “todo e qualquer sacrifício” para socorrer o vizinho gastador.

“Quero que você leve para o povo argentino a certeza de que o Brasil tem compromisso com o Mercosul e a Argentina“, disse Lula Fernández em um dos últimos encontros. Omitindo que esse tal de “compromisso” nada mais é que o dinheiro dos brasileiros.

Sem alternativas, o último cofre que sobrou é o das reservas internacionais brasileiras. Bilhões de dólares que poderiam amenizar a escassez de divisa forte na Argentina. Só que o Executivo não pode utilizá-las como bem entender. Pelo menos até o momento.

As reservas internacionais são gerenciadas pelo Banco Central do Brasil (BC), que é independente do governo. E com a atual gestão de Roberto Campos Neto o assunto é simplesmente ficção científica.

Mas as grandes manobras do governo para retomar o controle do BC já iniciaram. A nomeação de Gabriel Galípolo, braço direito de Haddad na Fazenda, como diretor de Política Monetária, e a de Ailton de Aquino Santos, como Diretor de Fiscalização, são apenas o começo.

A questão é se a Argentina vai quebrar antes que o PT consiga ajudá-la. A corrida contra o tempo já começou.

Enquanto isso, Lula concedeu a Fernández o grande colar da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. A mais alta condecoração brasileira concedida a estrangeiros. A primeira-dama argentina, Fabiola Yáñez, também foi agraciada com a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco.

No Brasil do PT, governo que destrói a própria economia não ganha só mais dinheiro para gastar, mas também comenda máxima.

Carlo Cauti, Revista Oeste