quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

'Para realmente gerarem valor para a população, empresas têm de ter lucro', escreve Lawrence W. Reed

 E a importância das falências



A frase a seguir é atribuída ao sindicalista Samuel Gompers, o fundador da Federação Americana do Trabalho:

O pior crime contra o povo trabalhador é uma empresa que não consegue operar lucrativamente.

Talvez nem o próprio Gompers tivesse ideia da poderosa verdade encapsulada nessa sua frase. O sindicalista, já naquela época, foi capaz de perceber algo que vários progressistas de hoje ainda não entenderam: uma economia em que não há lucros é uma economia em um profundo estado de depressão.

Ainda pior, há quem genuinamente acredite que lucros denotam um comportamento suspeito, o qual deveria ser coibido pelo governo. Para muitos, "ter lucro" é uma expressão politicamente incorreta e imoral — o que se aplica apenas para terceiros, é claro; aqueles que condenam o lucro não se opõem quando são eles os ganhadores.

Eis outro comentário relacionado ao assunto:

A situação econômica das empresas terá de depender diretamente dos lucros, e os lucros não poderão cumprir sua função enquanto os preços não foram libertados das amarras dos subsídios. Ao longo dos séculos, a humanidade não encontrou nenhuma mensuração mais eficaz do trabalho do que o lucro. 

Somente o lucro pode mensurar a quantidade e a qualidade da atividade econômica; somente o lucro nos permite relacionar os custos de produção aos resultados de maneira efetiva e inequívoca. . . . 

Nossa atitude de desconfiança em relação ao lucro revela uma ignorância histórica, resultado do analfabetismo econômico das pessoas...

Essas palavras foram escritas pelo economista Nikolay Shmelyov na edição de junho de 1987 do Novy Mir, o principal jornal político e literário da então União Soviética. 

Os soviéticos, após anos de propaganda anti-lucros e de políticas que geraram uma economia em frangalhos, estavam dando sinais de querer reverter um pouco daquele analfabetismo econômico até então vigente.

Nos EUA, quando os Peregrinos [primeiros colonos ingleses, calvinistas, que fundaram em 1620 a colônia de Plymouth, no Nordeste dos EUA] chegaram à América, eles quase morreram de fome, pois adotaram um sistema de agricultura comunal. Cada indivíduo tinha de produzir para todos e, em troca, cada um recebia uma igual fatia da produção total. Nessa total ausência de incentivos para se buscar o lucro, vários morreram de fome. 

Ao perceber esse erro, William Bradford, líder da expedição Mayflower, reorganizou os peregrinos de Massachusetts em um regime de propriedade privada sobre a terra e de liberdade na busca pelo lucro. Os incentivos criados pela propriedade privada prontamente criaram uma impressionante reviravolta econômica. Homens e mulheres passaram a produzir visando ao lucro, e o resultado foram colheitas abundantes, com as mesas sempre repletas de alimentos.

Aqueles que condenam o lucro preferem exaltar as virtudes da abnegação e do altruísmo; eles supostamente preferem exaltar a busca pela caridade. Uma preocupação afetuosa para com seus semelhantes pode ser algo belo, especialmente quando vem genuinamente do coração. Mas a realidade econômica permanece inalterada: a busca pelo lucro gerou muito mais coisas — muito mais! — do que toda a caridade do mundo.

Apenas olhe ao seu redor, neste local em que você está agora. Se você está dentro de um imóvel, observe o mobiliário à sua volta, o próprio edifício em que você está, o computador (ou o tablet ou o smartphone) que você está utilizando, a internet que está lhe permitindo acesso ao mundo, as roupas que você está utilizando. Você realmente acredita que todos esses itens surgiram e estão à sua disposição porque alguém queria perder dinheiro (ou aceitou trabalhar em troca de nada) apenas para tornar a sua vida mais confortável? 

Perdoe-me a sinceridade, mas você não é tão importante assim para o resto do mundo.

Tudo isso só existe e está à sua disposição porque alguém imaginou que poderia lucrar ao inventar todas essas coisas.

Pense nisso da próxima vez em que você estiver em algum almoço de domingo com a sua família. As pessoas que cultivaram o frango, a carne bovina ou a carne suína ali presentes não fizeram isso porque amavam sua família e queriam ajudar vocês. O mesmo é válido para todas as outras pessoas que produziram todos os outros alimentos do almoço: elas não acordaram cedo, trabalharam diuturnamente e se sacrificaram apenas por algum impulso caritativo. Elas fizeram isso porque queriam melhorar a vida delas próprias. E, para melhorar a vida delas próprias, elas buscaram o lucro. E, ao buscarem o lucro, elas melhoraram a sua vida e a vida da sua família.

Ter prejuízo significa destruir valor - por isso é importante haver falências

Eis aqui uma maneira simples e leiga de entender o lucro. 

Imagine que você adquiriu um material que, em seu estado bruto e inalterado, vale $100. Ato contínuo, você altera essa matéria-prima, adiciona sua criatividade e sua mão-de-obra, e gera um produto final que as pessoas irão voluntariamente querer adquirir por $150.  

Você gerou valor para a sociedade. Você acrescentou valor para a sociedade e auferiu um lucro por causa disso.  

Agora, imagine que você adquire esse mesmo material, que em seu estado bruto e inalterado vale $100, altera-o à sua maneira e gera um produto final valorado em apenas $50 pelas pessoas. 

Você não apenas não auferiu lucro nenhum, como na realidade subtraiu riqueza da sociedade. A sociedade ficou mais pobre por sua causa. 

Como isso pode ser considerado algo virtuoso? É exatamente por isso que empresas que geram prejuízos são deletérias para uma sociedade. Elas consomem recursos e não entregam valor. Elas, na prática, subtraem valor da sociedade

Uma empresa que opera com prejuízo é uma máquina de destruição de riqueza.  (O mecanismo sinalizador que orienta todas as decisões e fornece os resultados é o sistema de preços). 

E é por isso que empresas que operam continuamente com prejuízo — por mais importantes que elas sejam para o "orgulho nacional" — devem falir e ser vendidas para novos administradores mais competentes. Falências são algo extremamente positivo para uma economia, pois permitem que aqueles concorrentes mais produtivos e mais capazes tenham a oportunidade de comprar os ativos das empresas falidas a preços de barganha, permitindo-os fortalecer suas operações e voltar a criar valor para a sociedade.  

Um governo proteger empresas falidas ou que operam com seguidos prejuízos é a maneira mais garantida de empobrecer uma economia.

Ademais, qual dessas façanhas é mais difícil de ser alcançada seguidamente: lucros ou prejuízos? Não é exagero dizer que não é necessário nenhum talento especial para se alcançar prejuízos contínuos. Agora, lucrar continuamente em uma economia livre — uma economia na qual nenhuma empresa usufrui privilégios e proteções do governo —, isso sim exige talento.  

Com efeito, é muito difícil até mesmo ficar no zero a zero.

A natureza do lucro

Economistas veem o lucro de uma maneira mais profunda. Para eles, o lucro não é um montante amorfo que sobrou após todos os custos terem sido pagos. Segundo Ludwig Von Mises:

O que possibilita o surgimento do lucro é a ação empreendedorial em um ambiente de incerteza. Um empreendedor, por natureza, tem de estar sempre estimando quais serão os preços futuros dos bens e serviços por ele produzidos. Ao estimar os preços futuros, ele irá analisar os preços atuais dos fatores de produção necessários para produzir estes bens e serviços futuros.  

Caso ele avalie que os preços dos fatores de produção estão baixos em relação aos possíveis preços futuros de seus bens e serviços produzidos, ele irá adquirir estes fatores de produção.  Caso sua estimação se revele correta, ele auferirá lucros.

Portanto, o que permite o surgimento do lucro é o fato de que aquele empreendedor que estima quais serão os preços futuros de alguns bens e serviços de maneira mais acurada que seus concorrentes irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito baixos.  

Consequentemente, os custos totais de produção — incluindo os juros pagos sobre o capital investido — serão menores que a receita total que o empreendedor irá receber pelo seu produto final. Esta diferença é o lucro empreendedorial.

Por outro lado, o empreendedor que estimar erroneamente os preços futuros dos bens e serviços irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito altos. Seu custo total de produção excederá a receita total que ele irá receber pelo seu produto final. 

Esta diferença é o prejuízo empreendedorial.

Assim, lucros e prejuízos são gerados pelo sucesso ou pelo fracasso de se ajustar as atividades produtivas de acordo com as mais urgentes demandas dos consumidores. [...]

Lucros e prejuízos são fenômenos que só existem constantemente porque a economia está sempre em contínua mudança, o que faz com que recorrentemente surjam novas discrepâncias entre os preços dos fatores de produção e os preços dos bens e produtos por eles produzidos, e consequentemente haja a necessidade de novos ajustes. [...]

O que cria lucros e prejuízos não é o capital empregado. Ao contrário do que pensava Marx, o capital não "gera lucro".  Bens de capital são objetos sem vida que, por si sós, não realizam nada. Se eles forem utilizados de acordo com uma boa ideia, haverá lucros. Se eles forem utilizados de acordo com uma ideia equivocada, haverá prejuízos ou, na melhor das hipóteses, não haverá lucros.  

É a decisão empreendedorial o que cria tanto lucros quanto prejuízos. É dos atos mentais, da mente do empreendedor, que os lucros se originam, essencialmente. O lucro é um produto da mente, do sucesso de se saber antecipar o estado futuro do mercado. É um fenômeno espiritual e intelectual.

Condenar qualquer lucro como sendo 'excessivo' pode levar a situações tão absurdas quanto aplaudir uma empresa que, outrora muito lucrativa, passou a desperdiçar capital e a produzir ineficientemente a custos mais altos. 

Esta redução na eficiência e, consequentemente, nos lucros logrou apenas fazer com que os cidadãos fossem privados de todas as vantagens que poderiam usufruir caso os bens de capital desperdiçados por esta empresa fossem disponibilizados para a produção de outros produtos.

Ao repreender alguns lucros como sendo 'excessivos' e consequentemente penalizar empreendedores eficientes com uma elevação de impostos para "compensar" os altos lucros, a sociedade está prejudicando a si própria. Tributar lucros é o equivalente a tributar quem se mostrou bem-sucedido em servir ao público.

Os lucros atraem concorrências e geram o progresso

Quando uma determinada empresa surge no mercado com um produto novo ou altamente aprimorado, satisfazendo desejos e demandas dos consumidores, os lucros que ela passa a auferir com esse produto podem, à primeira vista, parecer enormes. 

Só que, quanto maiores forem esses lucros, mais eles atrairão novos concorrentes (a menos que o governo proíba ou dificulte ao máximo, como fazem, por exemplo, as regulações estatais). E esses novos concorrentes aumentarão a oferta desse produto.  

Ato contínuo, a maior oferta fará com que os altos lucros da empresa já estabelecida se evaporem, o que a obrigará a buscar métodos de produção mais eficientes (menos custoso) caso queiram voltar a ter lucros maiores. Caso consiga, estes lucros maiores acabarão atraindo ainda mais concorrentes, que irão novamente reduzir esses lucros. 

E então, para competir com estes novos concorrentes, todos os empreendedores já estabelecidos (observe que o número de ofertantes já aumentou) terão de repassar estes métodos de produção mais eficientes (menos custosos) ao consumidor na forma de preços mais baixos ou produtos melhores. 

Olhando em retrospecto, torna-se evidente que os altos lucros funcionaram como um sinal enviado aos outros produtores: "Ei, olhem para cá!  As pessoas realmente querem esse produto; querem mais desse produto!".

E quem ganha são todos os indivíduos consumidores.

Conclusão

A hostilidade direcionada ao lucro, seja ela motivada ou pela inveja ou pela ignorância ou pela demagogia, é irracional. Ela só é aceitável quando uma determinada empresa aufere seus lucros em decorrência de suas conexões políticas com o governo (que garante a ela subsídios, ou que a protege da concorrência externa via tarifas protecionistas, ou que impede o surgimento de concorrentes via agências reguladoras).

Fora isso, em um mercado livre, lucros representam muito mais do que a saúde financeira de uma empresa: eles indicam que a empresa está utilizando recursos escassos de maneira sensata e está satisfazendo os desejos dos consumidores; indicam que a empresa está genuinamente criando valor para a sociedade e está aprimorando a qualidade de vida e o progresso.

Lucro é aquilo que todos nós buscamos quando, ao tentar melhorar nosso bem-estar, acabamos por melhorar o bem-estar de terceiros por meio de transações comerciais pacíficas e voluntárias.

Lucro não é evidência de comportamento suspeito. Comportamento suspeito, isso sim, é fazer acusações infundadas contra o lucro.

Atualmente, há no mundo um regime voltado exclusivamente para se certificar de que nenhum indivíduo esteja auferindo qualquer tipo de lucro: a Coreia do Norte marxista.  Como consequência, não há nem sequer luz elétrica para a sua população.

Lawrence W. Reed

Mises Brasil